quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O defeito é das cruzes


Democracia! Uma palavra poderosa significativa de governo do povo. Em nome dele se reformularam leis, se refizeram serviços – de Saúde, de Educação, de bem-estar material. E o povo adquiriu direitos – à Saúde, à Educação, ao bem- estar material. Criou hábitos de classe distinta e até rica, que não quer perder. Eis a tese de João César das Neves, publicada no A Bem da Nação, com o título “Os DONOS DE PORTUGAL”.
Mas esse povo esqueceu-se de que os que lhe forneceram os hábitos - aqueles que ele elegeu - o fizeram num processo não de apoio e incentivo ao trabalho e à produção interna, mas num de endividamento exterior, surgido em hora propícia, mercê duma união europeia camarada, pouco depois de as forças definidoras de Abril nos terem lançado para o charco da má governação económica, entregue a leigos, aliciadores de eleitores.
É agora necessário reduzir farturas, para pagar a dívida exterior. Como tem a  faca e o queijo na mão para eleger ou não, o povo – a classe média antes favorecida - não aceita as reduções, mesmo sabendo que não há volta a dar-lhe. É certo que Costa e Seguro dizem que sim, que há volta. Serão (um deles será) os próximos eleitos do rotativismo governativo, e para isso prometem coisas.
Poderá ser que haja alternativas. É como nos exercícios de cruzinhas: uns items dão para o sim ou o verdadeiro, outros para o não ou o falso. Habituados à papa do discurso já burilado, os alunos vão amadurecendo lentamente, na preguiça do cálculo, que dantes recorria mais à memória em contas descomunais, e as tabuadas na ponta da língua, e agora à inteligência, sobre hipóteses trabalhadas por outros. A inteligência talvez se tenha desenvolvido mais, com as cruzinhas da papa feita, tal como a do povo, industriado no slogan, mas emperrado no cálculo avançado. Daí, uma dívida absurda, por decréscimo de cálculo, do exercício da memória por intermédio da tabuada, preferindo o slogan ditado por outros, que por sua vez o colheram de outros que fizeram as revoluções lá fora - ignorados os que obtiveram o dinheiro com o seu esforço, para nos emprestarem. Mas estes não contam, só contam os dos slogans de esforço mínimo.
Eis o texto de João César das Neves:

OS DONOS DE PORTUGAL
Quem tem o poder soberano por cá? Muita gente sabe a resposta a esta pergunta tão simples e importante, mas essa gente anda enganada. Como aquilo que dizem é muito e variado e contraditório, aquilo que dizem tem de ser falso.
A causa do engano não vem do poder, que sempre foi aquilo que tem de ser e, para ser poderoso, tem de ser claro, patente, eminente. Todas as sociedades, mesmo as mais ignorantes, sempre souberam quem mandava. Somos a primeira cultura onde a questão é controversa.
O motivo está em nós, que vivemos embriagados em ilusão, mito e fantasia. A era da informação na sociedade da comunicação dá precedência absoluta à opinião e palpite. Isso só pode conduzir à mentira e à confusão.
O regime actual baseia-se no princípio da soberania popular: o povo é quem mais ordena. Repetimos isso tantas vezes que já ninguém acredita. Somos uma democracia e orgulhamo-nos da liberdade conquistada, mas se perguntarmos quem tem o poder soberano na nossa sociedade, ninguém responde: "o povo". As razões disso são diferentes de grupo para grupo, mas realmente a nossa democracia não confia no seu postulado mais essencial.
Depois, sem deixar de nos considerarmos democracia, referimos os soberanos mais diversos. Para identificar o poder superior, a maior parte das pessoas usa uma regra simples e enganadora. Como estamos em crise, o potentado tem de ser necessariamente mau. Assim, a força maléfica que de momento mais repugna ao orador é a resposta. Daí até surgir indignação e raiva é um passo, e chegamos ao tipo de conversa mais comum nos dias de hoje.
O sujeito varia de caso para caso, mas o estilo é semelhante. Da banca aos políticos, passando pelas multinacionais, alemães ou terroristas, americanos, islamitas, maçonaria, judeus ou comunistas, tudo é referido.
Não há dúvida de que somos a primeira sociedade onde a determinação do poder soberano resulta numa cacofonia incompreensível; precisamente a cacofonia de telejornais, comentadores, documentários, imprensa, blogues e tantos outros mercadores da confusão em quem confia a era da informação na sociedade da comunicação.
Não é difícil desmascarar esses alegados poderosos dos diagnósticos habituais, pois é evidente a sua fragilidade. Se as forças económicas fossem mesmo omnipotentes, como podia a crise resultar do seu colapso? Os potentados internacionais estão aterrorizados uns com os outros, sentindo-se todos indefesos. Sociedades secretas, partidos sinistros e conspirações latentes devem o seu impacto à ficção que as suporta. Isto não quer dizer que essas entidades não sejam influentes e, em certos episódios, até determinantes. No entanto, o País é tão grande e multifacetado que nenhuma dessas forças o consegue controlar.
O poder, para ser poderoso, tem de ser claro, patente, eminente. Isso é tão óbvio como sempre foi; apesar de o querermos esconder. Quem manda na sociedade tem de ser, portanto, o maior grupo comunitário, a classe média. Somos uma democracia da era da comunicação, onde a opinião pública tudo controla. O poder oficial está no voto e o oficioso nos média e nos mercados. Tudo é definido por eleições, comércio, sondagens. O soberano que todos seduzem e aliciam é o eleitor, cliente e cidadão. Os chamados poderosos – políticos, partidos e governantes, companhias, empresários e banqueiros, juízes, jornais e outras forças sociais – procuram continuamente atrair, capturar e cativar a realmente omnipotente classe média. É nela que reside o poder soberano.
A situação económica actual, que tantos dizem destruir a classe média, é prova evidente do seu poder. Foi para conquistar eleitores e clientes que se tomaram durante décadas as decisões mais ruinosas, no Governo e grupos económicos, que empolaram a dívida. Agora, perante a falência, ninguém tem dinheiro e poder suficiente para pagar os encargos, senão a classe média. Ela é a sacrificada, porque foi em seu nome que as dívidas foram contraídas e porque só aí há riqueza suficiente. Pois, por muito poderosa que seja, nem ela manipula a aritmética.
8 de Setembro de 2015
  JOÃO CÉSAR DAS NEVES


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