Poderia ter-me ficado pelos «Dois zeros à esquerda”
dos “Dias Contados” (DN,14/9), mas a prosa humorística de Alberto
Gonçalves, conjuntamente com a seriedade dos seus temas é sempre para mim uma
leitura aprazível que gosto de guardar.
O segundo tema, de 9/9 – Idechatearocamoes@mec.gov.pt -
é sobre as praxes académicas, o terceiro, de 13/9 - A equipa de quase todos nós – sobre o futebol nacional, eis outros motivos
nacionais de extrema gravidade, tratados com zanga juvenil e simultaneamente
ampla de observação nos seus “tiros” certeiros aos responsáveis pelas nossas
“besteiras”: “ridendo castigat mores”.
Realmente, não é por demais – embora por demais inútil
– apontar-se a prepotência lorpa e a pieguice reles da estudantada autoritária
- a primeira - falsamente humilde, a
segunda, na sua preparação para a vida, que mal se identifica com uma
consciência do que signifique o objectivo de estudos superiores. Mas em vez de
acabar com a tolice, o Ministério da Educação, colabora no jogo embrutecedor,
descendo ao nível dos brincalhões, prometendo apoios aos desfavorecidos – os
caloiros - o que parece rematada pequice. Citando Alberto Gonçalves -
«Comparada com o paternalismo do Estado, a idiotia das praxes confunde-se com
um espaço de liberdade» - dele discordo,
todavia, o “espaço de liberdade” parecendo-me antes um espaço de
monstruosidade indigna de seres humanos, quase se identificando com os recentes
executores jihadistas dos jornalistas americanos
e britânico, não fora a puerilidade e vanidade do seu espectáculo degradante:
Terça-feira, 9 de Setembro
«Não
é fácil imaginar empreitada mais pateta do que as "praxes"
universitárias, mas o Governo lá se lembrou de uma, e aparentemente sem grande
dificuldade. Falo da criação de um endereço de e-mail para que os estudantes
denunciem "abusos ocorridos no âmbito das atividades de praxe":
praxes abusivas@mec.gov.pt. Entre
parêntesis, defendo a existência de um e-mail para denunciarmos o abuso da
grotesca palavra "âmbito". Fora de parêntesis, o Ministério da
Educação promete "apoio a quem o requerer".
Que
tipo de apoio? O Dr. Crato não esclarece. Será que o MEC fornece guarda-costas
aos alunos receosos de vir a sofrer "coacção física ou psicológica"?
Ou apenas providencia psicanalistas aos alunos que já sofreram as tais
coacções? Será criado um Observatório das Praxes, com instalações, pessoal
administrativo e orçamento? Uma coisa é certa: qualquer universitário
necessitado de intervenção oficial para virar costas às "praxes"
precisa urgentemente de acompanhamento especializado.
E
outra coisa é certa também: se a função do ensino superior é preparar jovens
para a vida, a função está a ser cumprida. A vida, pelo menos a desejada por
todos os que mandam e por muitos dos que obedecem, resume-se a confiar o nosso
destino a burocratas que nos regulamentam, informam, guiam, encaminham,
conduzem e apascentam. Trata-se de uma humilhação perpétua, que apoio nenhum
alivia e e-mail nenhum resgata. Comparada com o paternalismo do Estado, a
idiotia das praxes confunde-se com um espaço de liberdade.»
Quanto
à questão do futebol, mais uma vez Alberto Gonçalves acerta no alvo, na sua troça
à hiperbolicamente designada “equipa de todos nós”, que pretende
ser delambida expressão de amor pátrio e é apenas uma caricatura de “todos nós”
porque “remendada, periférica, pequenina e coxa” . Não vale a pena
desenvolver, Alberto Gonçalves fá-lo magistralmente. Só não consegue, por muito
que deseje corrigir os costumes pelo riso, eliminar os debates futebolísticos
televisivos, nem as averiguações à opinião pública aquando dos jogos – o que é
praticamente o ano inteiro. Que na nossa terra, são esses os debates mais
solicitados, esses e os politiqueiros ou económicos, com os escândalos bem
pontuados de imagens e expressão das sensibilidades, geralmente de fácies
irritadiço. Às vezes o segundo Canal lembra-se de apresentar programas doutras
espécies de cultura, mas não tem audiência, ultrapassado pelas coisas que nos
dão mais prazer – as danças para o povo, os manjares de apetite que se fabricam
pelo país, as paisagens encantadoras, as telenovelas com alguns bons desempenhos,
a maioria com temáticas inalteravelmente ligadas ao sexo, ao burlesco, ao
sórdido. Fiquemo-nos pela “equipa de todos nós”, embora Alberto
Gonçalves se queira demarcar dos “piores”, com o argumento de que «nem todos
somos tão maus», e por isso substituindo o slogan popular pelo título «A equipa de quase todos nós»:
Sexta-feira,
12 de Setembro
A equipa de quase todos nós
«Não
vi o jogo de Portugal com a Albânia, mas pelas descrições na imprensa
especializada a coisa oscilou entre a vergonha e a catástrofe de proporções
bíblicas. Dado que os jornais desportivos costumam ser simpáticos para com a
selecção, é de presumir que a verdade terá sido ainda pior. Ainda bem.
Com
os índices caseiros em matéria de corrupção, economia e geral atraso de vida, não
fazia sentido que a selecção nacional de futebol ocupasse um lugar entre as
melhores do mundo, como parece que ocupou na última década ou década e meia.
Isto afastava as elites da bola do cidadão comum, o qual, género servo da
gleba, se limitava a acenar de longe ao autocarro dos privilegiados. Numa
sociedade que se pretende igualitária e constitucionalmente a caminho do
socialismo, era fundamental acabar com essas distinções de casta: não é justo
que uns nasçam no berço dourado do drible e da desmarcação enquanto outros são
incapazes de dar um chuto com o pé direito sem tropeçar no esquerdo.
Tornava-se
pois urgente que a "equipa de todos nós" fosse de facto semelhante a
todos nós: remendada, periférica, pequenina e coxa. Com a ajuda inestimável dos
actuais dirigentes da federação do ramo - que convocam conferências a anunciar
a própria incompetência - conseguiu-se criar uma equipa com que podemos
identificar-nos sem esforço. Os dirigentes deram um exemplo raríssimo em
qualquer actividade: a prometida incompetência foi plenamente cumprida. Os
jogadores arrastaram-se no relvado com um talento só ao alcance dos condenados.
E o seleccionador merecia uma comenda, não o despedimento típico num país que
nunca reconhece os seus melhores. Ou, para o que aqui interessa, os piores: nem
todos somos tão maus.»
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