sábado, 29 de abril de 2017

As trivialidades do nosso dia-a-dia



Vacinas e os riscos de se não tomarem, eleições em França e os riscos de ganhar a sua extrema-direita, são apenas dois dos temas entre tantos que os jornais apontaram e gostaríamos de fixar, facilmente submersos nas reviravoltas do dia-a-dia por outros que despontam aqui, ali, acolá, da nossa curiosidade ansiosa: “A ignorância mata”, de Diogo Queiroz de Andrade,As boas notícias vindas de França”, de João Miguel Tavares, dois temas de risco que se resolverão à la longue, não sabemos bem como, no receio de que as epidemias peguem em força - a do sarampo causada pela inconsciência palerma de pais ditadores, a da possível vitória final de Le Pen significativa de mais uma exclusão da União Europeia, o que parece ainda mais trágico.
Leiamos os textos:

A ignorância mata
É verdade que a ignorância e a estupidez não pagam imposto, mas neste caso das vacinas talvez devessem. Saem demasiado caras à sociedade.
Diogo Queiroz de Andrade
Público, 20 de Abril de 2017

Não recorrer às vacinas é um risco mortal. É um risco mortal para quem as não toma e para todos os que se relacionam com essa pessoa.
As vacinas são uma conquista civilizacional tremenda que não pode ser posta em causa porque meia-dúzia de energúmenos decide acreditar em patacoadas sem fundamento. Qualquer tolerância nesse sentido é uma tremenda regressão dos valores que nos trouxeram até aqui e que se baseiam no método científico e no conhecimento adquirido.
Sim, há reações alérgicas a vacinas. Sim, até há (muito poucas) pessoas que morrem por causa das vacinas que tomam. Mas há muitas mais que morrem por não as tomarem. O benefício social de todos se vacinarem é real, impedindo a propagação de doenças e reduzindo o número de mortes evitáveis de forma drástica. 
Mas não, as vacinas não provocam autismo. E não, não é melhor não vacinar e esperar que as crianças não fiquem doentes. Não há qualquer argumento científico válido que justifique um pai ou uma mãe decida que os seus filhos não devem ser vacinados. E também não há um argumento ideológico relevante: se um adulto não se quer vacinar contra a febre amarela antes de viajar para algum destino exótico, não precisa de o fazer. Mas uma criança não tem poder nem capacidade de decisão, e os pais não podem decidir contra os interesses da criança em questões de saúde. A sociedade – e a criança – precisam das vacinas.
Tem de ser o Estado a legislar para impedir a propagação de comportamentos que põem em risco a nossa existência conjunta. Seria preferível que assim não fosse, mas é impossível garantir a segurança dos membros da sociedade sem este exercício de autoridade. Tal como a autoridade policial impede que se conduza desrespeitando os sinais vermelhos, terá de ser legalmente obrigatório que as crianças tenham a vacinação em dia – forçando mesmo a que as crianças possam ser vacinadas contra a vontade dos pais. O controlo terá de ser feito pelas escolas e demais atividades que recebem crianças, que serão a primeira barreira neste controlo necessário. E bem se podem queixar os libertários, anarquistas e demais aguerridos defensores dos direitos individuais: a liberdade é um direito que se exerce, que vem acompanhado de deveres sociais.
É verdade que a ignorância e a estupidez não pagam imposto, mas neste caso talvez devessem. Saem demasiado caras à sociedade.Opinião

As boas notícias vindas de França
Os eleitores estão realmente fartos dos partidos tradicionais, que se têm mostrado imunes à reforma, mas isso não significa obrigatoriamente colocar o voto em partidos de extrema-direita ou de extrema-esquerda.
João Miguel Tavares
Público, 25 de Abril de 2017
Já estou como António Costa: demasiado pessimismo aborrece. As pessoas estão tão habituadas a discursos catastrofistas sobre a Europa e o fim da União Europeia (depois do Brexit, inventaram o Frexit) que quando acontecem coisas manifestamente boas têm dificuldade em acreditar nelas. Ora, aquilo que se passou em França neste domingo, com a vitória de Emanuel Macron, é uma excelente notícia, que nos deveria alegrar a todos. Há várias razões para isso, mas eu limito-me a duas.
Em primeiro lugar, as consequências do atentado nos Campos Elísios. Ainda se lembram? Três dias antes das eleições, com um polícia morto a tiro no coração de Paris, não se ouvia falar noutra coisa senão no “medo”. Os correspondentes das televisões amontoavam-se debaixo do Arco do Triunfo para nos garantirem que Marine Le Pen seria a grande beneficiada por mais este terrível ataque terrorista. E, no entanto, a influência do atentado no resultado das eleições foi zero. Marine Le Pen acabou no lugar que as sondagens lhe atribuíam há muitas semanas, com a percentagem prevista (21,3%), que é muito significativa, claro, mas não mais que 4,5 pontos superior àquela que o seu pai obteve em 2002.
Não quero desprezar o perigo que representa a Frente Nacional, até porque a França xenófoba tem uma longa e triste tradição, e muito menos quero desvalorizar a barbárie do terrorismo islâmico. Mas o “medo”, apesar de tudo, está sobrevalorizado. Sim, qualquer um de nós sabe que pode ser vítima de um atentado numa capital europeia. Não, a intensidade dos ataques não tem sido suficientemente forte para que as pessoas deixem de sair à rua ou de viajar em liberdade. Os atentados começaram por envolver grandes meios logísticos, passaram para ataques com camiões e agora já vamos no lobo solitário que dispara uma caçadeira contra um polícia. Isto não é o fundamentalismo a ganhar. Pelo contrário, são as autoridades que o combatem a vencer. E o discurso xenófobo, se atrai um quarto da população francesa, afasta três quartos. Ele é, por si só, insuficiente para Marine Le Pen chegar ao Eliseu.
A segunda nota positiva é esta: como se viu pela vitória de Macron, os candidatos de fora do sistema não são necessariamente extremistas ou populistas. E esta, caros leitores, é a melhor notícia de todas, porque muito boa gente garantia que a decadência dos partidos tradicionais iria necessariamente pôr as democracias europeias nas mãos dos xenófobos, dos chavistas ou dos palhaços. Em bom rigor, a própria Espanha já tinha demonstrado o erro dessa tese, com o sucesso do movimento Ciudadanos, centrista e civilizado. Contudo, aquilo com que nos martelavam a cabeça era o pré-anúncio do apocalipse via emergência inevitável de partidos/movimentos como o 5 Estrelas em Itália ou o Podemos em Espanha, isto já para não falar na vitória de Donald Trump.
Como encaixar Emmanuel Macron neste molde? Esqueçam. Ele não encaixa. Macron significa isto: os eleitores estão realmente fartos dos partidos tradicionais, que se têm mostrado imunes à reforma, mas isso não significa obrigatoriamente colocar o voto em partidos de extrema-direita ou de extrema-esquerda. As pessoas querem a mudança – mas ela pode surgir ao centro, desde que o seu protagonista seja mobilizador. Claro que Marine Le Pen é assustadora. Mas a grande novidade de domingo é a vitória do mais europeísta e ponderado dos candidatos presidenciais. As más notícias seguem dentro de momentos – por agora, gozemos as boas.

Nenhum comentário: