Vacinas e os riscos de se não tomarem, eleições
em França e os riscos de ganhar a sua extrema-direita, são apenas dois dos
temas entre tantos que os jornais apontaram e gostaríamos de fixar, facilmente
submersos nas reviravoltas do dia-a-dia por outros que despontam aqui, ali,
acolá, da nossa curiosidade ansiosa: “A ignorância mata”, de Diogo
Queiroz de Andrade, “As boas notícias vindas de França”, de João Miguel Tavares, dois temas de
risco que se resolverão à la longue, não sabemos bem como, no receio de
que as epidemias peguem em força - a do sarampo causada pela inconsciência
palerma de pais ditadores, a da possível vitória final de Le Pen significativa
de mais uma exclusão da União Europeia, o que parece ainda mais trágico.
Leiamos os textos:
A ignorância mata
É verdade
que a ignorância e a estupidez não pagam imposto, mas neste caso das vacinas
talvez devessem. Saem demasiado caras à sociedade.
Diogo
Queiroz de Andrade
Público, 20 de
Abril de 2017
Não
recorrer às vacinas é um risco mortal. É um risco mortal para quem as não toma
e para todos os que se relacionam com essa pessoa.
As
vacinas são uma conquista civilizacional tremenda que não pode ser posta em causa
porque meia-dúzia de energúmenos decide acreditar em patacoadas sem fundamento.
Qualquer tolerância nesse sentido é uma tremenda regressão dos valores que nos
trouxeram até aqui e que se baseiam no método científico e no conhecimento
adquirido.
Sim, há
reações alérgicas a vacinas. Sim, até há (muito poucas) pessoas que morrem por
causa das vacinas que tomam. Mas há muitas mais que morrem por não as tomarem.
O benefício social de todos se vacinarem é real, impedindo a propagação de
doenças e reduzindo o número de mortes evitáveis de forma drástica.
Mas não,
as vacinas não provocam autismo. E não, não é melhor não vacinar
e esperar que as crianças não fiquem doentes. Não há qualquer argumento
científico válido que justifique um pai ou uma mãe decida que os seus filhos
não devem ser vacinados. E também não há um argumento ideológico relevante: se
um adulto não se quer vacinar contra a febre amarela antes de viajar para algum
destino exótico, não precisa de o fazer. Mas uma criança não tem poder nem
capacidade de decisão, e os pais não podem decidir contra os interesses da
criança em questões de saúde. A sociedade – e a criança – precisam das vacinas.
Tem de
ser o Estado a legislar para impedir a propagação de comportamentos que põem em
risco a nossa existência conjunta. Seria preferível que
assim não fosse, mas é impossível garantir a segurança dos membros da sociedade
sem este exercício de autoridade. Tal como a autoridade policial impede que se
conduza desrespeitando os sinais vermelhos, terá de ser legalmente obrigatório
que as crianças tenham a vacinação em dia – forçando mesmo a que as crianças
possam ser vacinadas contra a vontade dos pais. O controlo terá de ser feito
pelas escolas e demais atividades que recebem crianças, que serão a primeira
barreira neste controlo necessário. E bem se podem queixar os libertários,
anarquistas e demais aguerridos defensores dos direitos individuais: a
liberdade é um direito que se exerce, que vem acompanhado de deveres sociais.
É verdade
que a ignorância e a estupidez não pagam imposto, mas neste caso talvez
devessem. Saem demasiado caras à sociedade.Opinião
As boas notícias vindas de
França
Os
eleitores estão realmente fartos dos partidos tradicionais, que se têm mostrado
imunes à reforma, mas isso não significa obrigatoriamente colocar o voto em
partidos de extrema-direita ou de extrema-esquerda.
João
Miguel Tavares
Público, 25 de
Abril de 2017
Já estou
como António Costa: demasiado pessimismo aborrece. As pessoas estão tão
habituadas a discursos catastrofistas sobre a Europa e o fim da União Europeia
(depois do Brexit, inventaram o Frexit) que quando acontecem coisas
manifestamente boas têm dificuldade em acreditar nelas. Ora, aquilo que se
passou em França neste domingo, com a vitória de Emanuel Macron, é uma
excelente notícia, que nos deveria alegrar a todos. Há várias razões para isso,
mas eu limito-me a duas.
Em
primeiro lugar, as consequências do atentado nos Campos Elísios. Ainda se
lembram? Três dias antes das eleições, com um polícia morto a tiro no coração
de Paris, não se ouvia falar noutra coisa senão no “medo”. Os correspondentes
das televisões amontoavam-se debaixo do Arco do Triunfo para nos garantirem que
Marine Le Pen seria a grande beneficiada por mais este terrível ataque
terrorista. E, no entanto, a influência do atentado no resultado das eleições
foi zero. Marine Le Pen acabou no lugar que as sondagens lhe atribuíam há
muitas semanas, com a percentagem prevista (21,3%), que é muito significativa,
claro, mas não mais que 4,5 pontos superior àquela que o seu pai obteve em
2002.
Não quero
desprezar o perigo que representa a Frente Nacional, até porque a França
xenófoba tem uma longa e triste tradição, e muito menos quero desvalorizar a
barbárie do terrorismo islâmico. Mas o “medo”, apesar de tudo, está
sobrevalorizado. Sim, qualquer um de nós sabe que pode ser vítima de um
atentado numa capital europeia. Não, a intensidade dos ataques não tem sido
suficientemente forte para que as pessoas deixem de sair à rua ou de viajar em
liberdade. Os atentados começaram por envolver grandes meios logísticos, passaram
para ataques com camiões e agora já vamos no lobo solitário que dispara uma
caçadeira contra um polícia. Isto não é o fundamentalismo a ganhar. Pelo
contrário, são as autoridades que o combatem a vencer. E o discurso xenófobo,
se atrai um quarto da população francesa, afasta três quartos. Ele é, por si
só, insuficiente para Marine Le Pen chegar ao Eliseu.
A segunda
nota positiva é esta: como se viu pela vitória de Macron, os candidatos de fora
do sistema não são necessariamente extremistas ou populistas. E esta, caros
leitores, é a melhor notícia de todas, porque muito boa gente garantia que a
decadência dos partidos tradicionais iria necessariamente pôr as democracias
europeias nas mãos dos xenófobos, dos chavistas ou dos palhaços. Em bom rigor,
a própria Espanha já tinha demonstrado o erro dessa tese, com o sucesso do
movimento Ciudadanos, centrista e civilizado. Contudo, aquilo com que nos
martelavam a cabeça era o pré-anúncio do apocalipse via emergência inevitável
de partidos/movimentos como o 5 Estrelas em Itália ou o Podemos em Espanha,
isto já para não falar na vitória de Donald Trump.
Como
encaixar Emmanuel Macron neste molde? Esqueçam. Ele não encaixa. Macron
significa isto: os eleitores estão realmente fartos dos partidos tradicionais,
que se têm mostrado imunes à reforma, mas isso não significa obrigatoriamente
colocar o voto em partidos de extrema-direita ou de extrema-esquerda. As
pessoas querem a mudança – mas ela pode surgir ao centro, desde que o seu
protagonista seja mobilizador. Claro que Marine Le Pen é assustadora. Mas a
grande novidade de domingo é a vitória do mais europeísta e ponderado dos
candidatos presidenciais. As más notícias seguem dentro de momentos – por
agora, gozemos as boas.
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