terça-feira, 11 de abril de 2017

O tempo passa a correr, ouçamos Luís Góis


Dois artigos publicados em momentos pouco distantes entre si - o primeiro de Teresa de Sousa, de 15/3 sobre as dissidências entre uma Turquia desejosa de se infiltrar na Europa e que, contrariando a atitude xenófoba da extrema-direita holandesa dirigida por Geert Wilders, (como nos esclarece também o título do artigo de João Ruela Ribeiro, na mesmo página, sobre o ataque verbal de Erdogan contra a Holanda: «Fascistas, nazis e agora genocidas. Da Turquia a Holanda já ouviu tudo») - e o artigo de OPINIÃO, em «À esquina do Mundo” de Vicente Jorge Silva, de 19/3, sobre a não consolidação da vitória de G. Wilders, nas eleições holandesas, mas a constatação de que «A Europa se mostra hoje muito menos tolerante à recepção dos imigrantes e receia pela segurança das suas fronteiras e das suas sociedades.»
Dois artigos, pois, esclarecedores sobre este nosso mundo, mas já recuados, afinal, e menos preocupantes ainda, do que as notícias sobre Trump e a guerra possível envolvendo o mundo do nuclear que cada dia que passa se torna mais instante.
Em todo o caso, abençoados jornais e jornalistas que nos vão esclarecendo, com os seus saberes e alertando…

Erdogan passou os limites e a Europa ainda não sabe o que fazer »
Teresa de Sousa
Público, 15 de Março de 2017
1. As relações entre a União Europeia e a Turquia têm sido uma história de enganos e desencontros. Dura há décadas. Intensificou-se quando a Europa decidiu finalmente aceitá-la como candidata (1999) e abriu as negociações de adesão (2005). Para Ancara, a Europa era o principal objectivo estratégico. Curiosamente, foi o partido islamista moderado de Recep Tayyip Erdogan que acelerou as reformas políticas em matéria de democracia, do Estado de Direito e do respeito pelas minorias, exigidas por Bruxelas. Muita gente argumentava que o verdadeiro Erdogan não era aquele, lembrando o seu passado de presidente da Câmara de Istambul. Ganhou três mandatos sucessivos. Foi eleito Presidente em 2014, com uma Constituição que lhe dava poucos poderes. Decidiu mudá-la e vai agora sujeitá-la a referendo em Abril. O seu objectivo é concentrar o máximo de poder nas suas mãos, alterando a natureza do regime. Iniciou uma deriva autoritária já sem qualquer disfarce. Reprimiu manifestações e (quase) suprimiu a liberdade de imprensa. O golpe falhado (ou forjado) do Verão passado deu-lhe o pretexto para eliminar os redutos do secularismo ou das instituições democráticas, enviando para a cadeia milhares de funcionários públicos, jornalistas, juízes e militares. A União Europeia já avisou que a nova Constituição e o seu comportamento depois do golpe não são compatíveis com os critérios exigidos para a adesão.
Abriu agora uma guerra sem quartel com a Europa, cujo alvo imediato é a Holanda, com uma comunidade turca de 400 mil pessoas, mas também a Alemanha, onde vivem um milhão e meio de turcos. Precisa de todos os votos possíveis, incluindo os da imigração, para vencer o referendo. Utilizou uma linguagem à qual nem a chanceler nem os seus pares europeus podiam ficar indiferentes. Depois de ter acusado o Governo alemão de “práticas nazis”, generalizou o insulto ao Governo da Haia, tocando numa ferida que não se cura nunca - a ocupação nazi. A escalada de tensão ainda não aliviou. Erdogan continua a subir a parada. Este conflito pode ser uma bênção.
2. A Holanda vota esta quarta-feira num clima de incerteza sobre os resultados. A probabilidade de o partido mais votado ser o de Geert Wilders, ferozmente anti-islâmico, ainda existe. Seria um choque. O primeiro-ministro Mark Rutte, liberal, resolveu fazer uma campanha ambígua, quase tocando a linguagem xenófoba, para tirar votos a Wilders. Analistas holandeses dizem que a forma dura como geriu a crise com a Turquia visa o mesmo efeito, mostrando aos eleitores que sabe como reagir às ofensas do líder de um país islâmico. O primeiro-ministro sabe que as sanções prometidas por Ancara serão provavelmente benignas. A Holanda é o maior investidor estrangeiro na Turquia. Bruxelas já advertiu sobre os limites das suas diatribes contra a Europa. Logo à noite se verá se a estratégia dos liberais teve algum efeito.
3. A Europa também tem culpas no cartório. Nunca se entendeu sobre o que fazer com a Turquia. A questão nunca foi pacífica nas opiniões públicas europeias, que não vêem com bons olhos a entrada de um país muçulmano de 70 milhões de pessoas e um desenvolvimento económico bastante inferior. A chegada de Merkel e de Sarkozy ao poder alterou a política europeia. Ambos eram a favor de uma “parceria privilegiada” rejeitando uma adesão plena. Ancara reagiu mal mas as negociações prosseguiram. Durante as Primaveras Árabes, a Turquia ainda era apontada como um exemplo de compatibilidade entre islamismo e democracia. Tudo se perdeu na radicalização do poder turco e nas eternas hesitações europeias.
4. A Europa, mergulhada numa profunda crise, deixou-se encurralar pelas suas próprias contradições. A entrada em força na cena política de partidos populistas e nacionalistas retirou a xenofobia e a intolerância das margens para o centro do debate político. Para Rutte, como escreve a Economist, qualquer pequeníssima vantagem sobre Wilders é preciosa. As sondagens dizem que 86% dos holandeses apoiam a forma como está a lidar com a Turquia. Curiosamente, o líder populista abandonou os liberais quando o partido aprovou, em 2004, o início das negociações com Ancara. A Holanda há muito que deixou de ser o que era. Não apenas na relação com os imigrantes islâmicos (ou polacos) mas na própria forma como vê a Europa. De país federalista passou a alimentar cada vez mais reservas sobre a integração europeia. Ao lado da França, rejeitou a Constituição europeia num referendo em 2005. Hoje, reduzir os poderes de Bruxelas ou rejeitar mais integração aproxima-a, por vezes, mais de Londres do que de Berlim. Wilders faz campanha a exigir um referendo sobre o "Nexit".

Opinião
O contágio do populismo não acabou
Público, 19 de Março de 2017
O populismo perdeu nas legislativas holandesas, como já antes tinha perdido nas presidenciais austríacas, contrariando uma grande parte dos prognósticos feitos até às vésperas dos dois sufrágios. Mas nem por isso a ameaça desapareceu nem desaparecerá, mesmo que Le Pen seja derrotada em França e a extrema-direita permaneça com um estatuto minoritário na Alemanha. Se a grande mobilização do eleitorado holandês foi decisiva para impedir Wilders de conquistar o primeiro lugar nas urnas, é também um facto que o discurso populista e xenófobo contagiou a mensagem do vencedor das eleições, o primeiro-ministro Mark Rutte, e dos partidos de direita e do centro que deverão constituir a base da futura coligação governativa.

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