São já cento e três anos. Agora com uma perna danificada. Mas aquilo que alguns disseram, quando a partiu – “é o começo do fim” – não se está a verificar. A minha Mãe recuperou – no mimo – sobretudo no mimo – que se manifesta na exigência da urgência, nos ai ais da sua não habituação às dores mais sérias, na forma como faz convergir sobre ela a atenção alheia.
Admiro a minha irmã, que aqui vem duas vezes por dia, para estar com ela, dar-lhe as refeições principais, sempre eficiente e rápida nos arranjos, e conversar, nos motivos de sempre ou noutros, que a minha Mãe não se limita, afinal, ao seu passado primeiro, no caleidoscópio da sua longa existência.
No hospital, interessava-se, por vezes, por quem a atendia. O auxiliar de enfermeiro, a uma sua pergunta sobre a sua naturalidade, respondeu que nascera perto de Castelo Branco, e logo a minha Mãe comentou: “Eu nunca fui à Beira Baixa”. Fiquei contente com a reflexão que me provava que “o começo do fim” ainda não era para já.
A família que a veio ver, de longe, ficou espantada. É uma força da natureza, na verdade. E embora considere que já cá anda há muito tempo, fá-lo mais por astúcia, para ser contestada e sempre admirada.
Vamos a ver se a fisioterapia resulta. Já se pôs de pé sobre a perna operada. Mas não começou ainda a andar. O médico deu-lhe seis meses para eliminar a fractura. Mas, como eu previa, não gosta das grades da sua cama.
Em vez dos “Parabéns a você”, que logo cantaremos, finalizo com o “Hino de Amor” de João de Deus, cujos vinte e tal versos iniciais, pouco antes de partir a perna, lhe ouvi recitar, na evocação do livro por onde estudou as primeiras letras – “Cartilha Maternal”:
Hino de amor
Andava um dia / Em pequenino / Nos arredores / De Nazaré, / Em companhiaDe São José, / O Deus-Menino, /O Bom-Jesus. / Eis senão quando / Vê num silvado / Andar piando / Arrepiado / E esvoaçando / Um rouxinol, /Que uma serpente / De olhar de luz /Resplandecente / Como a do sol, /E penetranteComo diamante, / Tinha atraído, / Tinha encantado. / Jesus, doído / Do desgraçado / Do passarinho, / Sai do caminho /Corre apressado, / Quebra o encanto; / Foge a serpente; / E de repente / O pobrezinho, / Salvo e contente,Rompe num canto / Tão requebrado, / Ou antes pranto / Tão soluçado, /Tão repassado / De gratidão, / Duma alegria, / Uma expansão, / Uma veemência, Uma expressão, / Uma cadência, / Que comovia / O coração! Jesus caminhaNo seu passeio; / E a avezinha / Continuando / No seu gorgeio, / Enquanto o via: / De vez em quando / Lá lhe passava / À dianteira; / E, mal pousava, / Não afrouxava / Nem repetia; / Que redobrava / De melodia! / Assim foi indoE o foi seguindo. / De tal maneira / Que, noite e dia, / Numa palmeira, / Que havia perto / Donde morava / Nosso Senhor / Em pequenino, / (Era já certo)Ela lá estava / A pobre ave / Cantando o hino / Terno e suave / Do seu amorAo Salvador!
Muitos anos de vida.
Admiro a minha irmã, que aqui vem duas vezes por dia, para estar com ela, dar-lhe as refeições principais, sempre eficiente e rápida nos arranjos, e conversar, nos motivos de sempre ou noutros, que a minha Mãe não se limita, afinal, ao seu passado primeiro, no caleidoscópio da sua longa existência.
No hospital, interessava-se, por vezes, por quem a atendia. O auxiliar de enfermeiro, a uma sua pergunta sobre a sua naturalidade, respondeu que nascera perto de Castelo Branco, e logo a minha Mãe comentou: “Eu nunca fui à Beira Baixa”. Fiquei contente com a reflexão que me provava que “o começo do fim” ainda não era para já.
A família que a veio ver, de longe, ficou espantada. É uma força da natureza, na verdade. E embora considere que já cá anda há muito tempo, fá-lo mais por astúcia, para ser contestada e sempre admirada.
Vamos a ver se a fisioterapia resulta. Já se pôs de pé sobre a perna operada. Mas não começou ainda a andar. O médico deu-lhe seis meses para eliminar a fractura. Mas, como eu previa, não gosta das grades da sua cama.
Em vez dos “Parabéns a você”, que logo cantaremos, finalizo com o “Hino de Amor” de João de Deus, cujos vinte e tal versos iniciais, pouco antes de partir a perna, lhe ouvi recitar, na evocação do livro por onde estudou as primeiras letras – “Cartilha Maternal”:
Hino de amor
Andava um dia / Em pequenino / Nos arredores / De Nazaré, / Em companhiaDe São José, / O Deus-Menino, /O Bom-Jesus. / Eis senão quando / Vê num silvado / Andar piando / Arrepiado / E esvoaçando / Um rouxinol, /Que uma serpente / De olhar de luz /Resplandecente / Como a do sol, /E penetranteComo diamante, / Tinha atraído, / Tinha encantado. / Jesus, doído / Do desgraçado / Do passarinho, / Sai do caminho /Corre apressado, / Quebra o encanto; / Foge a serpente; / E de repente / O pobrezinho, / Salvo e contente,Rompe num canto / Tão requebrado, / Ou antes pranto / Tão soluçado, /Tão repassado / De gratidão, / Duma alegria, / Uma expansão, / Uma veemência, Uma expressão, / Uma cadência, / Que comovia / O coração! Jesus caminhaNo seu passeio; / E a avezinha / Continuando / No seu gorgeio, / Enquanto o via: / De vez em quando / Lá lhe passava / À dianteira; / E, mal pousava, / Não afrouxava / Nem repetia; / Que redobrava / De melodia! / Assim foi indoE o foi seguindo. / De tal maneira / Que, noite e dia, / Numa palmeira, / Que havia perto / Donde morava / Nosso Senhor / Em pequenino, / (Era já certo)Ela lá estava / A pobre ave / Cantando o hino / Terno e suave / Do seu amorAo Salvador!
Muitos anos de vida.
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