quarta-feira, 24 de março de 2010

Os oportunismos da nossa indiferença

Recebi por email o texto que segue, revelador da extraordinária doença mental que preside ao comportamento de um PM fabricador de “cursos” “colmatadores” das deficiências ancestrais de tanta da nossa tessitura social, cursos fraudulentos cuja construção ficou bem esclarecida no texto de Marta Oliveira Santos.
O texto vinha adulterado, copiado com absoluta falta de cuidado por quem, de tanto se indignar, ficou engasgado nos acentos, em alguma pontuação, por isso dei-me ao cuidado de o rectificar, lamentando que tal pessoa que o fez tenha lançado uma nódoa sobre a professora que o redigiu e que o deve desconhecer.
Eis o texto de Marta Santos:

«Novas Oportunidades
A ignorância certificada
Marta Oliveira Santos1
Marta Oliveira Santos – Licenciatura em Filologia Românica; colaboradora de várias publicações.

O país encontra-se com uma taxa muito baixa de escolaridade em relação aos países da EU (União Europeia). Logo há necessidade de colmatar esta situação e para isso foram criadas “As Novas Oportunidades”, uns cursinhos intensivos de três meses, no fim dos quais os “estudantes”(agora com o nome pomposo de formandos) obtêm o certificado de equivalência ao 9o ou 12o anos. Fantástico, se os cursinhos fossem a sério! ...
Perante a publicidade aos referidos cursos, aqueles que abandonaram a escola ou, por qualquer razão não concluíram um dos ciclos de escolaridade, esfregaram as mãos de contentes, uma vez que agora se lhes oferece a oportunidade de obterem um certificado de habilitações que lhes poderá vir a ser útil. E como diz o ditado, “mais vale tarde do que nunca”, eles lá se inscreveram. Por outro lado, três meses das 7.00 às 10.00 horas, horário pós-laboral, uma vez por semana, era coisa fácil de realizar. Coitados daqueles que andam 3 anos (7o, 8o e 9o anos) para concluírem o 3o ciclo!!! Isso é que é difícil!
Na rua, no café, nos locais públicos em geral ouve-se: “Ah! Agora, ando a estudar! Ando a fazer o 9o ou 12o ano! Aquilo é porreiro, pá!”
Entretanto, há pessoas com quem contactamos no dia-a-dia, mais próximos de nós, o cabeleireiro, o sapateiro, a empregada doméstica, etc. que também nos confidenciam com ar feliz: “Agora, com esta idade, ando a estudar! Ando a fazer o 9o!” E nós, simpaticamente, sorrimos, abanamos a cabeça e dizemos que fazem bem, sempre é uma mais valia… Contudo, numa dessas conversas, tentei descobrir que disciplinas constavam do curso, ficando a saber que eram Português, Matemática, Informática e Cidadania para o 9o ano; e indaguei ainda como eram as aulas e a avaliação final. E fiquei atónita. Em Português o formando teria que escrever a história da sua vida e a razão por que se inscreveu no curso, sendo o texto corrigido aula a aula pela respectiva formadora; Matemática consistia em efectuar cálculos básicos e apresentar, por exemplo, a receita de um bolo e duplicá-la; para Informática apercebi-me de que seria a apresentação do trabalho escrito e, posteriormente, quem quisesse, apresentá-lo-ia em “powerpoint”; em Cidadania, os formandos apresentavam os diferentes resíduos e diziam em que contentor os deveriam colocar. A nível de Português ainda foi pedida a leitura de um livro e seu comentário, sendo a selecção ao critério do formando, o que deu origem a autores “light”, nada de autores portugueses de renome; a acrescer a este comentário teriam também de fazer a apresentação crítica a um filme e a uma reportagem. Todos estes elementos seriam entregues num dossier, cuja capa ficaria ao critério de cada formando.
Três meses passaram num abrir e fechar de olhos, por isso um destes dias, enquanto aguardava a minha vez para ser atendida num consultório médico, fui brindada com o dossier do curso da recepcionista e respectivo certificado de 9o ano. Engoli em seco aquelas páginas recheadas de erros ortográficos e de construção frásica, desencadeamento de ideias e falta de coesão, (…), entremeados por bonitas fotografias; na II parte, umas contitas simples e duas tábuas de multiplicação; e em Cidadania, os contentores do lixo coloridos com a indicação dos resíduos que se põem lá dentro.
Em seguida, com um sorriso muito branco (nem o amarelo consegui!) e, como bem educada que sou, felicitei a dona do dossier cuja capa estava realmente bonita, original, revelando bastante criatividade e ouvi-a, alegre, dizer: “A formadora disse-me que tinha hipóteses de fazer o 12o ano. Logo que possa, vou fazer a minha inscrição!”
Fiquei estarrecida, sem palavras para lhe dizer o que quer que fosse. “As Novas Oportunidades” são isto? Está a gastar-se tanto dinheiro para passar certificados de ignorância? Será que todos os formadores serão iguais a estes? E o 9o ano é escrever umas tretas e ler um Nicholas Sparks e um artigo da revista “Simplesmente Maria”? E o 12o ano será a mesma coisa (queria dizer chachada) acrescida de uma língua?
Continuando assim o país a tapar o sol com a peneira, teremos em poucos anos a ignorância certificada!»

Um texto de estarrecer. Também já tinha contactado com candidatas ao mesmo certificado, uma das quais, que já tinha feito o Inglês do 9º ano, não aproveitou a “Nova Oportunidade”, talvez por considerar que não era honesta.
Um ministro corredor de fundo, que corre cá e corre lá por onde anda quando vai ao estrangeiro, mostrar, ridiculamente, as suas habilidades de corredor, envergonhando o país, pela desnecessária saliência democraticamente idiota. Um ministro que tomou nas mãos as rédeas do governo de uma nação doente, que aceita ser dirigida por meio de propostas cada vez mais indignas e vexatórias que vão, gradativamente, moldando um povo desde sempre diminuto no seu atraso ancestral, e cada vez mais deficitário em valores, com tais marcas de perversão e abuso imposto por uma governação que poderia ser de mentirinha, mas que é bem autêntica na acefalia, no ridículo, no absurdo.
Não, não há palavras para exprimir a nossa vergonha, e nem tanto pela figura representativa da nação – ou do sítio, como se diz também – mas por nós todos que a aceitamos e nos deixamos moldar e deslizar para o abismo cada vez mais nauseabundo da desonestidade, sem intervir.
A farsa da educação, a farsa dos magalhães, das novas oportunidades - novos oportunismos - a farsa dos compadrios, a farsa da justiça, a farsa dos rabos de palha... E um país votando na farsa, defendendo-se assim contra a seriedade, que impõe regras mais ponderadas e mais honestas. Somos corruptos, sim, passivamente indiferentes ao país que está a preparar mais corruptos e mais ineptos – os nossos descendentes. Os mais corruptos defendendo-se melhor, é claro. Como agora. Não pretendemos mudar.

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