sábado, 6 de março de 2010

Fábula domingueira

É a versão grega do episódio da expulsão dos nossos pais bíblicos do paraíso edénico, a troco de muito sangue, suor e lágrimas, que o Jeová não era brando nos castigos.
Esopo intitula a sua fábula de “Hermes e a Terra”:
Depois de ter modelado o homem e a mulher, Zeus ordenou a Hermes que os pusesse na Terra e lhes indicasse o sítio onde escavariam a sua gruta. Hermes cumpriu o seu dever, mas a Terra, no início, mostrou-se reticente e, como Hermes a intimasse a obedecer à ordem de Zeus: “Cavem, então, toda a terra que quiserem”, exclamou, “porque ma devolverão com muitas lágrimas e lamentos”. A fábula aplica-se a quem pede emprestado sem grande pejo, mas a custo paga a dívida”.
Embora mais poética a criação do homem e da mulher no mito grego, ambos fruto de modelagem divina e não por extracção grotesca de um osso masculino na explicação bíblica da criação da subjugada Eva, o mito grego é mais desconcertante, metendo ao barulho uma Terra vingativa, sem que o pobre casal humano tenha sido chamado a decidir. Ao menos, na versão bíblica, o casal já se mostra responsável, creio mesmo que politizado, desobedecendo a ordens superiores, e revelando, na sua face oculta, um sentimento de vergonha e de receio pelas consequências do seu pecado.
Mas enquanto a história bíblica se fica por aí, com a simples expulsão para a Idade de Ferro, como castigo definitivo, no caso de Esopo, pressente-se a continuidade da intriga e do suspense, ao fazer depender do casal a maior ou menor desfaçatez na ocupação do espaço Terra, com as consequências anunciadas.
Não sei como foi nos tempos de antanho. Nos de ogano, penso que descendemos de preferência do mito grego, na constância da nossa vivência de débito sem pejo.
Embora as lágrimas e os lamentos recaiam antes sobre as vítimas dele, não sobre os escavadores da terra.

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