Sou das pessoas que admira Nuno Crato
desde que li o seu livro «O “Eduquês” em discurso directo» que me
mostrou uma figura intelectualmente séria, ao lançar várias pedradas no charco
de um ensino de mediocridade, politizado e dogmático, criador de insucesso, um
ensino que descambara numa formação teórica de lugares comuns vazios de
conteúdo e de rigor intelectual - como os tais slogans do “ensino centrado
no aluno”, da “aprendizagem em contexto”, dos “saberes paralelos”
do professor e do aluno, desrespeitadores do conhecimento verdadeiramente
científico, um ensino piegas e redutor, responsável pelo caos escolar em que se
transformou o ensino em Portugal, com as sucessivas políticas pedagógicas despidas
de seriedade, favorecedoras do laxismo, da indisciplina, do desrespeito, da
arrogância pueril.
O livro de Nuno Crato, bastamente
documentado, volta a frisar a necessidade de avaliações finais em vários
momentos da frequência escolar – 4º, 6º, 9º, 12º anos – acentua a impreparação
de muitos alunos universitários, faz afirmações de escrúpulo intelectual
reveladoras de preocupação pedagógica num país indecorosamente desleixado na
formação escolar. Como a seguinte: “É preciso centrar forças nos aspectos
essenciais do ensino, ou seja, na formação científica de professores, no ensino
das matérias básicas, na avaliação constante e na valorização do conhecimento,
da disciplina e do esforço.”
São verdades de autenticidade,
libertas da demagogia mentirosa e soez de arengadores como Mário Nogueira,
verdades de um espírito cultivado em países de produção e cultura, como os
Estados Unidos, onde trabalhou, e que pretende impor no seu país de arengadores
e batoteiros. Mas não o consegue, que “os eduquês” estão enraizados em nós,
seguindo no rasto de Rousseau e dos teóricos simplistas de uma educação de
“escola aberta”, que queda ao nosso comodismo e desinteresse intelectuais.
Mas um país que aceitou subscrever um
Acordo Ortográfico de um absurdo sem paralelo, e até com admissão
facultativa de casos de dupla grafia, não deve preocupar-se tanto com os erros
ortográficos e a falta de bases dos professores saídos da universidade. Por
isso, os esforços de Nuno Crato em exigir mais rigor e mais competência, por
meio de exames definidores de saberes, está condenado à partida. Que importam
os erros ortográficos, se a minha língua me permite escrever o pretérito
perfeito “chamámos”, “amámos”, … com acento ou sem ele, à escolha do freguês?
Se outro slogan usámos do nosso “eduquês”, o da “pedagogia do erro” que,
mais do que punitivo ou exigente de correcção imediata, parte do velho
princípio do “errare humanum est” e o torna permissivo no “ensino-aprendizagem”
(novo slogan do eduquês) até o aluno se decidir a eliminá-lo, segundo o
princípio do “aprender errando”, (mais um).
Eis o motivo por que subscrevo – com
mágoa – o artigo “O chumbo de Nuno Crato” de João Miguel Tavares, saído
no Público de 17 de Dezembro, com o sobretítulo “O respeitinho não é
bonito”:
«Em Portugal, existem 160 mil
professores que constituem a corporação mais poderosa do país: são muitos,
prestam um serviço fundamental e constitucionalmente protegido, têm uma
formação académica elevada, estão bem organizados, possuem acesso privilegiado
aos meios de comunicação e os efeitos das suas greves têm um enorme impacto
social.
Isto significa que o poder que
possuem não é fruto do acaso, mas de um conjunto de atributos únicos,
característicos da sua profissão e dificilmente amovíveis, que faz com que
tocar nos seus direitos adquiridos seja sempre uma actividade arriscada para
qualquer Governo e uma tarefa penosa para quem está à frente do Ministério da
Educação.
Em simultâneo, o sindicato todo
poderoso do sector só concorda com a mais microscópica alteração no “statu quo”
quando o cometa Halley é visível da Terra. Estou certo, aliás, que Mário
Nogueira partilha com os pilotos-aviadores da Segunda Guerra Mundial o hábito
de colocar uma marca na fuselagem de cada vez que consegue abater um ministro
da Educação. Nuno Crato, o homem que um dia sugeriu a implosão do edifício da 5
de Outubro, com certeza conhecia tudo isto de cor e salteado quando aceitou ser
ministro. E, em 2011, já depois da sua nomeação, não poderia ter sido mais
claro no Parlamento: “O ministério é uma máquina gigantesca que se acha dona
da educação em Portugal. Eu quero acabar com isso.” Alguns milhões de
portugueses assinariam essa frase por baixo. Incluindo muitos professores.
Mas se Nuno Crato não poderia ter sido
mais claro, poderia – e deveria – ter sido muita outra coisa que até agora, espantosamente,
não foi: um ministro prudente, inteligente, ponderado e justo. De facto, aquilo
que ele tem vindo a implodir nos últimos anos não é o Ministério da Educação,
mas sim o seu capital de prestígio junto dos professores – muitos dos quais o
admiravam. E pouca coisa é mais exemplar desse desnorte do que esta malfadada
prova de avaliação para docentes, que amanhã promete vir a dar confusão um
pouco por todo o pais. Pior do que ser ministro e não mudar nada, só mesmo ser
ministro e mudar o que não interessa: apanha-se pancada na mesma e as coisas
não melhoram.
Não está em questão o direito de
criar uma prova exigente, de acesso à profissão. Simplesmente, a solução
encontrada é um triplo escândalo: 1) é uma prova com efeitos retroativos,
humilhando quem já exerce há anos a profissão; 2) apenas abrange os docentes
com a situação contratual mais frágil, acentuando a sua discriminação em
relação a quem está no quadro, esse eterno oásis do funcionalismo público; 3) o
acordo assinado com a FNE, que dispensa da prova (ou talvez não dispense, a
teoria divide-se e os legisladores têm dificuldades com o português) quem já
tem mais de cinco anos de serviço, é um vergonhoso tributo à máxima “a
antiguidade é um posto”, que reduz o mérito do exercício de uma profissão à
contagem de folhas de calendário.
É preciso ser-se mesmo muito mau
ministro para, numa discussão com Mário Nogueira, perder a razão para Mário
Nogueira. Mas foi precisamente isso que Nuno “Implosão” Crato conseguiu com
esta prova moralmente injusta – porque atinge apenas os mais fracos – e
politicamente idiota – porque humilha os professores sem necessidade. Deus nos
livre, pois, dos iluminados, que, por acharem que sabem perfeitamente para onde
vão, fecham os olhos a todas as injustiças que lhes aparecem pelo caminho.»
A escola pós 25 de Abril, falseando o
seu papel de orientação com medidas de desorientação, como as que Nuno Crato
aponta no seu livro «O “Eduquês” em discurso directo», não vai
mudar um percurso em que a maioria dos professores foi educado. Vivemos em
democracia e o papel da liberdade é bem superior ao da compostura, segundo a
reflexão.
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