sábado, 28 de dezembro de 2013

Máximas mínimas


É Florian o autor da fábula
«A lebre, os seus amigos e os dois cabritos»

Que vai ao encontro do soneto do nosso Camilo
Sobre os cento e dez ou talvez mais amigos que teve,
Dos quais só um restou quando cegou:

 «Uma lebre de carácter cordial
Queria ter muitos amigos.
“Muitos! - dir-me-eis vós, - eis que são demais
Já que um é raro neste país.”
Tal e qual!
Mas a minha lebre tinha esta mania,
E desconhecia
Que já Aristóteles, aos jovens gregos admitidos
Na sua escola, lhes garantia:
“Meus amigos, não há amigos”.

Continuamente ela se ocupava
Em obsequiar, em agradar:
Se um coelho ia a passar,
Com doce ar educado
Corria para ele: “Meu primo,
- Informava ela,
Perto da minha toca existe um belo tomilho
Faz-me o favor de vir almoçar comigo”.
Se via um cavalo no campo a pascer
Ia abordá-lo:
“Talvez monsenhor queira beber:
No sopé do monte conheço um lago transparente
Que nenhum zéfiro faz ondular;
Se monsenhor quiser,
Podê-lo-ei lá levar.”
Assim, para todos os animais,
Veados, carneiros, gamos, touros, corcéis,
Complacente, diligente, cheia de zelo e desvelo,
A lebre queria deles
Fazer amigos fiéis,
Deles se julgava amada, já que os amava ela.
Certo dia em que tranquila na sua toca dormia,
O barulho da buzina a acorda, estridente.
Foge precipitadamente
Com quatro cães atrás dela.
Um maldito açulador os excita;
Eis a nossa lebre calcorreando os campos.

Vai, gira, volta, passa e torna a passar,
Salta, longos espaços transpõe
Para transviar os cães, e rápida como um raio,
Ganha terreno, depois pára,
Sentada, as duas patas no ar,
Olho e ouvido em riste, levanta a cabeça.
Procurando algum dos seus amigos avistar.
Encontra na mata um coelho
Que sempre como irmão tratara;
Corre para ele: “Salva-me por piedade,
À minha miséria dá abrigo,
Abre-me a tua toca; estás a ver o terrível perigo …”
“Oh! Como isso me aborrece! - responde com ar tranquilo
O coelho. Não posso, neste momento
Oferecer-te o meu asilo:
A minha mulher está em trabalho de parto,
A sua família e a minha enchem o apartamento:
Lamento-te sinceramente, adeus, minha amiga.”
Dito isto, escapou-se;
E eis a matilha a ladrar.

A pobre lebre volta a fugir, alguns passos adiante
Um touro encontra, que eventualmente
Ela ajudara, conforme o outro lho pedira.
Ternamente lhe suplica
Que detenha a matilha em fúria,
A quem os seus cornos amedrontarão.
“Ai! - diz o touro, fá-lo-ia bem do coração,
Mas a mais bela das vitelas
Está sozinha no bosque, eu ouço-a que me chama,
E tu não queres que eu atrase a minha chama…”
Dizendo estas palavras, parte, precipitadamente.
A nossa lebre, sem fôlego,
Implora em vão a um gamo, um veado de dez esgalhos,
Os seus amigos habituais; eles mal a escutam,
Com medo do barulho das trompas de caça.
A pobre desgraçada, já sem força e sem coragem
Vai entregar-se aos cães, quando, do meio dos bosques,
Dois cabritos, deitados sob a mesma folhagem
Ouvem as vozes dos caçadores.

Um deles levanta-se e parte; a matilha sanguinária
Larga a lebre e corre atrás dele.
Em vão o picador arreliado
Grita e pragueja e se irrita; através da floresta
O cabrito leva a caça,
Faz um longo circuito, e volta ao bosque
Onde o esperava o companheiro,
Que no mesmo instante parte em seu lugar.
Este faz o mesmo e durante todo o dia
Os dois cabritos lançados e alternadamente revezados,
Fatigam a matilha obstinada.
Enfim, os caçadores envergonhados
Tomam o partido de abandonar a caça;
Já a retirada soa, e os dois cabritos se juntam.
A lebre palpitando, aproxima-se e conta-lhes,
Assim os felicitando,
Que os seus amigos numerosos, neste perigo extremo,
A tinham abandonado. “Não estou surpreendido,
- Responde um dos cabritos paciente:
Para quê tantos amigos?
Basta um só, quando ele nos ama realmente.”

 Nós por cá
Não temos razões de queixa
No que toca às amizades
Das nossas necessidades.
Costuma-se mesmo dizer
Que os amigos são para as ocasiões,
E não há válidas razões
Que contestem esta afirmação.
Pelo menos no que toca à nossa nação,
Em que os amigos de longa e até de curta data
Se interapoiam, diz-se, com muita lata,
Contestando esta outra máxima
Dos “amigos amigos, negócios à parte
Que é a dos amigos da lebre,
Ou, como quem diz, da onça,
De Peniche, ou de qualquer outro lugar
Segundo o nosso cepticismo habitual.
Para mais,
Vivemos numa época de solidariedade,
Não devemos descrer da amizade,
Jamais.
Muito menos nesta quadra do Natal
Em que um Menino nasceu para nos amar.
E se este Natal já passou, outro virá
Que o mesmo nos trará,
Segundo então se dirá.
Aristóteles é que antes d'Ele viveu
E por isso aos seus alunos ensinou
Que amigos não havia nenhum,
O que é pouco comum.
Outros filósofos, muito pelo contrário, 
Descreveram a amizade
Como resultante de virtude
E de um natural necessário.
De bons amigos está, pois, o mundo cheio
Vemo-lo a miúde,
No nosso meio.

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