sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ó Rio das águas claras



«O presidencialismo» é o título do artigo subtilmente acutilante de Vasco Pulido Valente, saído no «Público» em 13/12, sobre Rui Rio.
Muitas vezes ouvi Rui Rio, e sempre numa seriedade de rejeição, mau grado o sorriso constante nele – um sorriso hirto, fugidio, que não convencia, num rosto de importância e auto suficiência a esclarecer sobre o bem que ele criava em seu redor, aquando do seu desempenho no cargo de presidente da Câmara do Porto, em contraste com outros rivais de cena, igualmente ambiciosos e com truques de progressão na carreira que ele não precisou nunca de utilizar por se sentir o melhor de todos.
Há dias escutei-o novamente, com a boca cheia de bazófias e mais sorrisos fugidios perante a maralha dos que o analisam, e a minha alergia foi idêntica à  que sentia nos seus tempos camarários, de par com Meneses, da Câmara da Gaia.
O artigo de Vasco Pulido Valente traça bem o perfil desse homem que, aparentemente defensor dos princípios de uma democracia centrista, na realidade sempre se regeu por considerandos de desprezo pelo parlamentarismo apoiado no pluripartidarismo, porque se considerou provavelmente apto para assumir sozinho um governo “uniárquico”, assente sob o poder de um só, cargo para que talvez sempre se tenha achado com vocacão, tal como o tal rio das águas claras que vai correndo para o mar, segundo a canção de Clara, a pupila do Sr. Reitor, irmã da enjeitada e sempre triste Margarida do nosso Júlio Dinis. E assim vai o Rio, aparentemente de águas transparentes e cristalinas, a correr para o seu mar largo, imperturbável, como também corriam aqueles outros “espertos regatinhos”, que, na caminhada para Tormes, de Jacinto e de Zé Fernandes, “fugiam rindo com os seixos, de entre as patas da égua e do burro” - as nossas - no rio do esperto Rio, que nada de construtivo aponta, no vago e ambíguo discurso do seu espírito vaidoso e pobre:
“O presidencialismo”
«Rui Rio acabou de condenar o regime político em que vivemos. Condenou a justiça e os partidos (e, não se percebe porquê, foi omisso sobre as forças de segurança).
Os partidos, na opinião dele, que se estão dia a dia a “afunilar”, trabalham para si próprios e não para o país. Para isto, Rui Rio propõe que eles se “abram” à sociedade, uma velha panaceia sem qualquer espécie de sentido, e que se instituam eleições primárias para a escolha de candidatos. Não lhe ocorre aparentemente que eleições primárias iriam estabelecer o caos, com o “cross vote” da oposição no candidato mais fraco do outro lado. Mas sem estas fantasias, Rui Rio acha que não se conseguirá evitar uma “ditadura sem rosto”, uma pura “ausência de democracia”, nada parecida com o salazarismo, mas talvez como o salazarismo em estado larvar.
Os regimes parlamentares não têm dado muito bom resultado em Portugal e o ódio aos partidos, que hoje vai crescendo, não difere em essência do ódio aos partidos na última República espanhola, na França da III República e nos tempos que precederam o “28 de Maio”. Só que a pregação nessa altura, como agora, não representou qualquer espécie de reforma e levou tranquilamente ao Estado Novo cá em casa, a uma guerra civil em Espanha e a uma guerra civil em França. Rui Rio não proclama que a presente crise “não é económica”, “é política”. Infelizmente, quando chega ao momento de oferecer soluções, ele, um político, não avança mais do que com ideias vagas, contraditórias, por exemplo a de que são necessárias mudanças na Constituição e a de que não são) e, em geral, uma crítica fluida e obscura às desgraças por que passamos.
Uma palavra nunca aparece na boca das notabilidades, de direita ou de esquerda, que se opõem a este governo, e essa palavra é muito simples: presidencialismo. Em 1976, o parlamentarismo constituía de facto um obstáculo à supremacia militar e a um pequeno régulo saído do exército com apoio dos restos da ditadura e de uma social democracia branda e bem comportada. Em, 2003, não existe nenhum desses perigos de 76, que foram substituídos pelo fracasso dos partidos, (que os portugueses quase universalmente desprezam ou detestam) e pela infindável série de erros que nos trouxe miséria. Um Presidente executivo apoiado por uma larga parte da população (embora sob a vigilância de uma Assembleia da República) estabeleceria quase com certeza a estabilidade institucional e legal que tanta gente pede – com Rui Rio à frente. Mas nesse ponto ninguém se atreve a tocar.»

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