«O presidencialismo» é o título do artigo subtilmente
acutilante de Vasco Pulido Valente, saído no «Público» em 13/12, sobre Rui Rio.
Muitas vezes ouvi Rui Rio, e sempre
numa seriedade de rejeição, mau grado o sorriso constante nele – um sorriso
hirto, fugidio, que não convencia, num rosto de importância e auto suficiência
a esclarecer sobre o bem que ele criava em seu redor, aquando do seu desempenho
no cargo de presidente da Câmara do Porto, em contraste com outros rivais de
cena, igualmente ambiciosos e com truques de progressão na carreira que ele não
precisou nunca de utilizar por se sentir o melhor de todos.
Há dias escutei-o novamente, com a boca
cheia de bazófias e mais sorrisos fugidios perante a maralha dos que o analisam,
e a minha alergia foi idêntica à que sentia
nos seus tempos camarários, de par com Meneses, da Câmara da Gaia.
O artigo de Vasco Pulido Valente
traça bem o perfil desse homem que, aparentemente defensor dos princípios de
uma democracia centrista, na realidade sempre se regeu por considerandos de
desprezo pelo parlamentarismo apoiado no pluripartidarismo, porque se
considerou provavelmente apto para assumir sozinho um governo “uniárquico”,
assente sob o poder de um só, cargo para que talvez sempre se tenha achado com
vocacão, tal como o tal rio das águas claras que vai correndo para o mar,
segundo a canção de Clara, a pupila do Sr. Reitor, irmã da enjeitada e sempre
triste Margarida do nosso Júlio Dinis. E assim vai o Rio, aparentemente de
águas transparentes e cristalinas, a correr para o seu mar largo,
imperturbável, como também corriam aqueles outros “espertos regatinhos”,
que, na caminhada para Tormes, de Jacinto e de Zé Fernandes, “fugiam rindo
com os seixos, de entre as patas da égua e do burro” - as nossas - no rio
do esperto Rio, que nada de construtivo aponta, no vago e ambíguo discurso do
seu espírito vaidoso e pobre:
“O presidencialismo”
«Rui Rio acabou de condenar o regime
político em que vivemos. Condenou a justiça e os partidos (e, não se percebe
porquê, foi omisso sobre as forças de segurança).
Os partidos, na opinião dele, que se
estão dia a dia a “afunilar”, trabalham para si próprios e não para o país.
Para isto, Rui Rio propõe que eles se “abram” à sociedade, uma velha panaceia
sem qualquer espécie de sentido, e que se instituam eleições primárias para a
escolha de candidatos. Não lhe ocorre aparentemente que eleições primárias
iriam estabelecer o caos, com o “cross vote” da oposição no candidato mais fraco
do outro lado. Mas sem estas fantasias, Rui Rio acha que não se conseguirá
evitar uma “ditadura sem rosto”, uma pura “ausência de democracia”, nada
parecida com o salazarismo, mas talvez como o salazarismo em estado larvar.
Os regimes parlamentares não têm dado
muito bom resultado em Portugal e o ódio aos partidos, que hoje vai crescendo,
não difere em essência do ódio aos partidos na última República espanhola, na
França da III República e nos tempos que precederam o “28 de Maio”. Só que a
pregação nessa altura, como agora, não representou qualquer espécie de reforma
e levou tranquilamente ao Estado Novo cá em casa, a uma guerra civil em Espanha
e a uma guerra civil em França. Rui Rio não proclama que a presente crise “não
é económica”, “é política”. Infelizmente, quando chega ao momento de oferecer
soluções, ele, um político, não avança mais do que com ideias vagas, contraditórias,
por exemplo a de que são necessárias mudanças na Constituição e a de que não
são) e, em geral, uma crítica fluida e obscura às desgraças por que passamos.
Uma palavra nunca aparece na boca das
notabilidades, de direita ou de esquerda, que se opõem a este governo, e essa
palavra é muito simples: presidencialismo. Em 1976, o parlamentarismo
constituía de facto um obstáculo à supremacia militar e a um pequeno régulo
saído do exército com apoio dos restos da ditadura e de uma social democracia
branda e bem comportada. Em, 2003, não existe nenhum desses perigos de 76, que
foram substituídos pelo fracasso dos partidos, (que os portugueses quase
universalmente desprezam ou detestam) e pela infindável série de erros que nos
trouxe miséria. Um Presidente executivo apoiado por uma larga parte da
população (embora sob a vigilância de uma Assembleia da República) estabeleceria
quase com certeza a estabilidade institucional e legal que tanta gente pede –
com Rui Rio à frente. Mas nesse ponto ninguém se atreve a tocar.»
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