sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A excelsa arma do assassínio político


Admiro José Pacheco Pereira na eloquência do seu muito saber, perceptível na fronte ampla, aureolada pelos testemunhos pilosos da sua respeitabilidade e nos discursos vivos da sua voz e da sua argumentação suavemente doutorais de historiador e crítico. Mas nem sempre o acompanho na iracúndia conflituosa de visão muito sábia - e por isso desprezadora da ignorância - mas voluntariamente unilateral, sobretudo nos tempos presentes, em que decidiu combater a ferro e fogo o partido no poder, que, por arreganho seu, pertence ao seu partido actual, embora ele e outros da sua facção partidária - (aliás, caracterizada modernamente por um divisionismo interno bem distante do objectivo respeitável de uma união fortificante, já decantada pelos mosqueteiros dos heroicos tempos do Cardeal Richelieu, segundo o lema de “um por todos, todos por um”) – ele e os seus partenaires, redigo, não tenham posto nem prego nem estopa para essa opção partidária de governação.

Mais uma vez essa sua aversão se verifica no artigo de 7 de Dezembro do “Público”, «A segunda morte de Sá Carneiro». no qual ataca a mediocridade das comemorações, pelo PSD, de Sá Carneiro, no aniversário da morte deste e de Amaro da Costa, fundador, o primeiro, do PSD, primitivo PPD, pertencendo ambos ao Governo de Coligação AD.

Pacheco Pereira exclui in limine Passos Coelho daquele PPD do seu herói – herói na acção, no saber, no dirigismo político, embora este pareça bem difuso nas perspectivas diversas do seu saber político:
“Uma antologia das frases mais significativas de Passos Coelho, das posições da revisão constitucional que encomendou a Paulo Teixeira Pinto e dos seus mentores ideológicos que ele levou dos blogues ultraliberais e dos think tanks universitários mais conservadores para o Governo e para os gabinetes, revela a enorme distância entre aquilo que, com muito boa vontade, podemos chamar o seu “pensamento” e o núcleo central do pensamento de Sá Carneiro. Bem pelo contrário, eles representam um dos lados daquilo que Sá Carneiro combateu – o outro era o comunismo – com toda a clareza e sem margem para dúvidas. O PSD foi feito contra o PREC e contra a manutenção de formas de controlo militar da democracia civil, e esse combate assentava num programa positivo de combinação do liberalismo político com a doutrina social da Igreja, e a experiência da social-democracia europeia. Como Sá Carneiro repetiu vezes sem fim toda a sua vida, isso colocava o PSD fora do âmbito da” direita” e é interessante verificar, em múltiplas entrevistas dadas no I Congresso funcional do PSD, como esta afirmação é repetida….”

“… O revisionismo actual do pensamento de Sá Carneiro fez-se essencialmente valorizando os aspectos coreográficos da sua vida política e, mesmo assim, nem todos, dissociando-os do seu aspecto político e ideológico, considerado “de época” ou “ultrapassado”, ou resultado de uma “deslocação “táctica” para a esquerda devido às circunstâncias da época (uma típica projecção do oportunismo ideológico dos dias de hoje) …”

“… Considerando obsoleto o seu pensamento explícito, Sá Carneiro fica assim reduzido apenas a um actor político, que combateu o PCP no PREC, combateu Eanes e o Conselho da Revolução, combateu Soares e o PS, foi criador e primeiro ministro da AD, reduzindo-se os seus actos a uma espécie de gramática da acção, sem o léxico e a semântica das suas ideias políticas. Ora, se há coisa em que Sá Carneiro não queria que existisse nenhuma dúvida, era que actuava baseado em princípios políticos, ideais e tradições, pelo que não pode ser reduzido, como foi por Passos Coelho, a um lutador contra o défice e a dívida, ele que nunca admitiria que Portugal pudesse ser um “protectorado” ou que o poder do Parlamento e da soberania popular dos portugueses fosse “automaticamente” deslocado para a burocracia europeia. Tirar-lhe esta identidade é matá-lo pela segunda vez.

A actual direcção do PSD é mais próxima de um Tea Party à portuguesa, burocrático, sem apoio popular, “europeísta” e desligado da comunidade orgânica dos portugueses, que despreza o primado da “pessoa” a “dignidade do trabalho” e a “justiça social”, que no programa genético do PSD feito por Sá Carneiro não são meras palavras, mas identidades inquestionáveis do partido.»
 
Segue-se o rol dos atributos desprezíveis dos do Governo - a cada passo vomitados nas assembleias parlamentares - para assim concluir:

“O que é que Sá Carneiro tem a ver com esta gente? Muito: atacou-os toda a vida.»

No tempo do Sá Carneiro, cá por casa votava-se no Freitas do Amaral, de discurso mais preciso e discreto, e defensor de uma ideologia que não excluía tanto a pátria, como o faziam todos os outros, incluindo Sá Carneiro, vivo e mordaz e amante sobretudo do povo.

Comparar as figuras de Passos Coelho e de Sá Carneiro, apenas para amesquinhar o primeiro, sem tomar em conta a tarefa dura que lhe coube, situado num contexto económico de ruína e de necessidade de erguer o país dessa ruína, numa situação de “protectorado” que Sá Carneiro não admitiria (como pode garantir isso?), como não o admitem as indignações bem falantes da praça pública, escamoteando as realidades, boicotando as tentativas governativas de vencer uma dívida escandalosa em que todo o país participou, banalizando os progressos de recuperação, não alardeados, mas indicados com serenidade, talvez também com justo orgulho, é colaborar, como fazem os da tal praça, no assassínio “desta gente” que bem merece a estima e o reconhecimento daqueles que viam o seu país a resvalar miseravelmente na destruição e que acreditam agora em salvação. Com sacrifício, sim. Já por outros sacrifícios graves o país passou, e se ergueu.

Talvez porque as gentes do povo são mais razoáveis do que os bem falantes que afirmam o seu amor por elas. Embora muitas se deixem manipular ainda. Pelos seus benfazejos bem falantes.

 

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