O artigo de João César das Neves - “Violência e Fogo”
-lembrou-nos velhos tempos em que vibrávamos com as canções de impulso
guerreiro ou outros impulsos de Mireille Mathieu, lá pelos anos sessenta. “Paris
já está a arder”, tradução de “Paris en colère” era uma delas,
que passava e repassava na rádio, e nos encantava no testemunho de amor por uma
cidade amada que sofrera a violência da sujeição e se libertara novamente em
força de viver:
Que l´on touche à la liberté
Et Paris se met en colère
Et Paris commence à gronder
Et le lendemain, c´est la guerre.
Paris se réveille
Et il ouvre ses prisons
Paris a la fièvre :
Il la soigne à sa façon.
Il faut voir les pavés sauter
Quand Paris se met en colère
Faut les voir, ces fusils rouillés
Qui clignent de l´œil aux fenêtres
Sur les barricades
Qui jaillissent dans les rues
Chacun sa grenade
Son couteau ou ses mains nues.
La vie, la mort ne comptent plus
On a gagné on a perdu
Mais on pourra se présenter là-haut
Une fleur au chapeau.
On veut être libres
A n´importe quel prix
On veut vivre, vivre, vivre
Vivre libre à Paris.
Attention, ça va toujours loin
Quand Paris se met en colère
Quand Paris sonne le tocsin
Ça s´entend au bout de la terre
Et le monde tremble
Quand Paris est en danger
Et le monde chante
Quand Paris s´est libéré.
C´est la fête à la liberté
Et Paris n´est plus en colère
Et Paris peut aller danser
Il a retrouvé la lumière.
Après la tempête
Après la peur et le froid
Paris est en fête
Et Paris pleure de joie.
Et Paris se met en colère
Et Paris commence à gronder
Et le lendemain, c´est la guerre.
Paris se réveille
Et il ouvre ses prisons
Paris a la fièvre :
Il la soigne à sa façon.
Il faut voir les pavés sauter
Quand Paris se met en colère
Faut les voir, ces fusils rouillés
Qui clignent de l´œil aux fenêtres
Sur les barricades
Qui jaillissent dans les rues
Chacun sa grenade
Son couteau ou ses mains nues.
La vie, la mort ne comptent plus
On a gagné on a perdu
Mais on pourra se présenter là-haut
Une fleur au chapeau.
On veut être libres
A n´importe quel prix
On veut vivre, vivre, vivre
Vivre libre à Paris.
Attention, ça va toujours loin
Quand Paris se met en colère
Quand Paris sonne le tocsin
Ça s´entend au bout de la terre
Et le monde tremble
Quand Paris est en danger
Et le monde chante
Quand Paris s´est libéré.
C´est la fête à la liberté
Et Paris n´est plus en colère
Et Paris peut aller danser
Il a retrouvé la lumière.
Après la tempête
Après la peur et le froid
Paris est en fête
Et Paris pleure de joie.
Creio que o apelo das velhas gerações à violência popular resulta das
lembranças desses tempos da Mireille Mathieu que eram também os delas – das nossas
– da simpatia pelos ideais de liberdade, carregados dos rrr da sua expressividade
interpretativa, que desejamos rever por cá.
Mas esquecemos que o incêndio das nossas alegrias já se escoou há muito
pelos buracos da nossa imprevidência e que não se trata mais de formar barricadas
para continuar a poder dançar, a menos que seja a tal dança para que a formiga
convidou a cigarra, no inverno do seu e nosso descuido. Agora que o fogo próprio
dos velhos incitadores passou, não no amor por um “país” a arder por conta
alheia como na canção da Mireille, mas no amor exclusivamente pessoal, em falsos
arremedos de solidariedade social, incita-se o povo à violência para o país
continuar a arder. Não como Nero, em regozijo criativo. Mas com bastante ruindade,
a merecer taponas.
«VIOLÊNCIA E FOGO»
«Ultimamente fala-se muito de violência. Pessoas eminentes, sábias e respeitáveis, se não incitam, antevêem comportamentos populares de revolta e agressão. Estranhamente, apesar do muito que se afirma, quase não se ouve dizer que a violência é uma coisa muito má, sempre de repudiar. Considerando-nos um país civilizado e até democrático, espanta a naturalidade com que tantas luminárias consideram o uso de métodos bárbaros.
Como somos um país
civilizado e democrático, são poucos os que prometem às claras atacar e
agredir. Por enquanto, hipocritamente, os intelectuais limitam-se a prever
atitudes alheias. Não serão eles a bater, mas as forças populares, ficando-se
na dúvida se as apoiam, embora evidentemente as compreendam.
É claro que, perante a
terrível pressão a que a sociedade portuguesa está sujeita, seriam sempre
naturais reacções agressivas. Isso acontece em vários países da Europa, mas,
surpreendentemente, muito pouco em Portugal, apesar de a retórica das elites o
prever há anos. Provavelmente o nosso país é mais civilizado e democrático do
que se julga, hipótese que os nossos intelectuais nunca colocam. No fundo,
eles, que se consideram génios, sempre desprezaram o povo, mesmo quando o
lisonjeiam.
Alguns especialistas tentam
até abordar as razões para o paradoxo. Por que razão a violência, há tanto
tempo prevista, ainda não se realizou? Como nunca colocam a hipótese de estar
errados, deve haver causas estranhas para a paz social. Curiosamente, entre os
motivos invocados não aparece o mais óbvio: que a violência nada resolve e só
agrava. Com conflitos, a austeridade ficaria maior, não menor; a crise
aumentaria, não diminuiria; a situação seria mais grave, não menos. É
surpreendente que tantas eminências nunca tenham pensado nisto.
O motivo é que, realmente, a
generalidade da população parece mais a par dos contornos da crise do que
aqueles que falam nos media. Estes compreendem muito menos do que os cidadãos
comuns. Uma comparação ajuda a perceber.
Portugal está como um prédio
a arder. O incêndio é tão grande que foi preciso não só mobilizar os bombeiros
locais, mas pedir aos vizinhos que nos enviem os seus carros-cisterna. Há três
anos que se deita água no edifício para extinguir o fogo orçamental.
Naturalmente que, face à enxurrada, os habitantes vêm à janela protestar por a
água lhes estragar os apartamentos e dificultar a vida. Têm toda a razão. Haver
mangueiras a encharcar uma casa é muito estúpido; a não ser que ela esteja a
arder.
O povo entende bem a
urgência, pois as labaredas do despesismo público ameaçam há muito toda a
estrutura nacional. Mas a generalidade dos analistas nunca fala do incêndio, ou
considera-o menor. O único mal do País parecem ser os estragos dos jactos de
água na vida social, a qual, sem eles, parece que não teria sequer recessão. A
austeridade é sempre vista como artificial, nociva, imposta do exterior, como
se o fogo não existisse.
Os mais sofisticados admitem
a catástrofe, mas argumentam que as mangueiras deviam ser dirigidas à base das
chamas, não ao prédio. A austeridade era para cair naqueles que criaram o
défice. Isso é enorme ilusão. Antes de se chamar os bombeiros, em 2011, os alarmes
de incêndio tocaram durante muitos anos. Tantos que já ninguém lhes dava
atenção. Por isso o fogo alastrou a todos os andares. Os pensionistas sabem que
a segurança social é insustentável; os serviços públicos vivem com prejuízos há
décadas; funcionários, professores, médicos estão bem conscientes dos excessos
dos seus sistemas.
O problema português é claro
e, após décadas de ilusões, as alternativas são poucas. Num prédio a arder é
preciso apagar o fogo. Muito já se fez, mas o défice permanece. O rescaldo
ainda tarda. A única surpresa é que pessoas eminentes, sábias e respeitáveis
tenham tanta dificuldade em entender aquilo que o povo percebe facilmente. O
que não espanta se notarmos que, em geral, os comentadores nunca produziram
nada e raramente trabalharam. A vida deles nunca foi o País, mas a ilusão
mediática.»
João César das Neves
2DEZ13
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