No seu artigo do Público de
6/12 – “Singularidades” – lança Vasco Pulido Valente leve diatribe contra “os notórios
novos “velhos do Restelo”, escudando-se na campanha “que apareceu agora por aí”,
“previsivelmente”, campanha “que vai de Paulo Portas, que se inspira no século
XV e no século XVII e que, desta vez, nos desafia a exportar azeite e carne de
vaca para o Qatar na nossa qualidade de povo navegador e amante do risco, ao
extraordinário Pedro Lomba, que lamenta o nosso “decadentismo” e a Jaime
Nogueira Pinto, que nos fala pacientemente da queda do império caldeu e do
império persa, mas nos lembra de caminho a singularidade de Portugal e do seu
singularíssimo destino de “esperança e de tragédia”, que Pulido Valente não faz
tenções de ler, preferindo localizar a quintessência da nossa singularidade idiossincrática
numa opção entre “viver na miséria ou viver de esmolas”.
Pavorosa esta perspectiva, com
que o historiador conclui a sua argumentação sobre os artifícios governativos
de conduzir a nau nacional, apoiado, como introdução, nas alegres falas entre
os convivas do jantar no Hotel Central, segundo “Os Maias” – desde o “empréstimo”
ao “imposto”, que termina com a proposta de Ega quer de “bancarrota” quer de “invasão
espanhola” - e continuando, integrado no espírito romanesco da ironia
queirosiana, em igual subjectividade e ironia de avaliação, para retomar a
postura do historiador a sério, com referências históricas mais objectivas,
conducentes à definição do carácter nacional:
«Infelizmente, a Espanha não
se mostrou disposta a praticar sobre nós, nem que fosse por piedade, esse acto
terapêutico; e esta doçura de costumes continuou com um ocasional frenesim até
Salazar. Claro que houve, como se previa, várias bancarrotas: que se resolviam
cedendo aos credores parte da receita do Estado, o que tornava a repetição mais
segura e mais grave. Era, como diria Jaime Nogueira Pinto, a nossa patriótica
singularidade, que desapareceu no dia em que a Ditadura criou a PEVIDE (e mais
tarde a transformou em PIDE) e a direita do Exército tomou conta da GNR. Com
pancadaria e prisões deixou de existir qualquer dificuldade em pôr em ordem as
nossas finanças. Mas para vexame do pensamento indígena, a história desta pobre
República não esclareceu ainda qual é, de facto, a grande singularidade
portuguesa: viver na miséria ou viver de esmolas.»
Existe um conto de Eça de
Queirós, pertencente à fase realista de “enquête” aos distúrbios sociais
portugueses, que poderia apontar mais uma alternativa de vida nossa, se fosse
justo generalizá-la. Chama-se “Singularidades de uma Rapariga loira” e conta a
história de uma rapariga loira e tímida por quem um certo Macário honrado se
apaixona perdidamente, a ponto de correr peripécias várias para poder casar com
ela, descobrindo que, afinal, não passava de “uma ladra”.
Embora sejamos um povo de fado
triste, também temos outros tipos de fado, e isso nos orgulha, nas belas
interpretações com Amália como “obra prima” da nossa cultura dele
interpretativa, numa variedade que tanto o enriqueceu.
Se os novos “Velhos do
Restelo” destilam, nas suas obras, provas desse amor pátrio que os levam a
lutar por um país de tradições mais nobres, - o próprio Sócrates vendeu da sua
lavra, não azeites nem carnes de vaca, mas “Magalhães” fantasiosos e fez o
mesmo ridículo espalhafato que Portas – se existe um Pedro Lomba que lembra ou
critica os costumes, como já outros o fizeram, no tempo dos Descobrimentos, do
Cancioneiro Geral, do Sá de Miranda, etc, – ou um Jaime Nogueira Pinto recorre
a pesquisas mais antigas para tornar mais explícito o presente – não podem ser
condenados com tanta ironia nas suas pobres intenções - de um patriotismo
passadista, segundo os da modernidade enjoada. Todos o fazem, se são sensíveis
à desordem, ou se pretendem melhorar esses costumes. Até mesmo Pulido Valente o
faz, na violência do seu discurso de indignação, que traduz vergonha e tristeza,
afinal. Por se ter chegado a isto em que nos afundamos.
Há para o sofrimento
Um bom remédio afinal
É cantar e num momento
Ninguém se lembra do mal
Não custa mesmo nada
Tentem fazer como eu
Uma guitarra afinada
Um voz bem timbrada
E tudo esqueceu
Quando a tristeza me invade
Canto o fado
Se me atormenta a saudade
Canto o fado
Haja ciúme á vontade
Canto o fado
Por uma esperança perdida
Não passe na vida
Por um mau bocado
Se acaso a sorte o esqueceu
É fazer como eu
Deixe andar cante o fado
Não é que não me interesse
Por quem à dor não resiste
Mas há gente que parece
Que gosta até de andar triste
Tem sempre um ar fatal
A que ninguém o obriga
Mas nesta vida afinal
Vendo bem nada vale
Mais do que uma cantiga.
Ou,
se preferirmos uma via de menos relativização, escolhamos o “Tudo vale a pena”
como “Mensagem” para se continuar a singrar, mesmo a seco. Entra também no
Fado. Bom seria que entrasse nos costumes. Desde que fossem grandes as almas,
está visto.
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