sábado, 14 de dezembro de 2013

“Quando a tristeza me invade”

No seu artigo do Público de 6/12 – “Singularidades” – lança Vasco Pulido Valente leve diatribe contra “os notórios novos “velhos do Restelo”, escudando-se na campanha “que apareceu agora por aí”, “previsivelmente”, campanha “que vai de Paulo Portas, que se inspira no século XV e no século XVII e que, desta vez, nos desafia a exportar azeite e carne de vaca para o Qatar na nossa qualidade de povo navegador e amante do risco, ao extraordinário Pedro Lomba, que lamenta o nosso “decadentismo” e a Jaime Nogueira Pinto, que nos fala pacientemente da queda do império caldeu e do império persa, mas nos lembra de caminho a singularidade de Portugal e do seu singularíssimo destino de “esperança e de tragédia”, que Pulido Valente não faz tenções de ler, preferindo localizar a quintessência da nossa singularidade idiossincrática numa opção entre “viver na miséria ou viver de esmolas”.

Pavorosa esta perspectiva, com que o historiador conclui a sua argumentação sobre os artifícios governativos de conduzir a nau nacional, apoiado, como introdução, nas alegres falas entre os convivas do jantar no Hotel Central, segundo “Os Maias” – desde o “empréstimo” ao “imposto”, que termina com a proposta de Ega quer de “bancarrota” quer de “invasão espanhola” - e continuando, integrado no espírito romanesco da ironia queirosiana, em igual subjectividade e ironia de avaliação, para retomar a postura do historiador a sério, com referências históricas mais objectivas, conducentes à definição do carácter nacional:

«Infelizmente, a Espanha não se mostrou disposta a praticar sobre nós, nem que fosse por piedade, esse acto terapêutico; e esta doçura de costumes continuou com um ocasional frenesim até Salazar. Claro que houve, como se previa, várias bancarrotas: que se resolviam cedendo aos credores parte da receita do Estado, o que tornava a repetição mais segura e mais grave. Era, como diria Jaime Nogueira Pinto, a nossa patriótica singularidade, que desapareceu no dia em que a Ditadura criou a PEVIDE (e mais tarde a transformou em PIDE) e a direita do Exército tomou conta da GNR. Com pancadaria e prisões deixou de existir qualquer dificuldade em pôr em ordem as nossas finanças. Mas para vexame do pensamento indígena, a história desta pobre República não esclareceu ainda qual é, de facto, a grande singularidade portuguesa: viver na miséria ou viver de esmolas.»

Existe um conto de Eça de Queirós, pertencente à fase realista de “enquête” aos distúrbios sociais portugueses, que poderia apontar mais uma alternativa de vida nossa, se fosse justo generalizá-la. Chama-se “Singularidades de uma Rapariga loira” e conta a história de uma rapariga loira e tímida por quem um certo Macário honrado se apaixona perdidamente, a ponto de correr peripécias várias para poder casar com ela, descobrindo que, afinal, não passava de “uma ladra”.

Embora sejamos um povo de fado triste, também temos outros tipos de fado, e isso nos orgulha, nas belas interpretações com Amália como “obra prima” da nossa cultura dele interpretativa, numa variedade que tanto o enriqueceu.

Se os novos “Velhos do Restelo” destilam, nas suas obras, provas desse amor pátrio que os levam a lutar por um país de tradições mais nobres, - o próprio Sócrates vendeu da sua lavra, não azeites nem carnes de vaca, mas “Magalhães” fantasiosos e fez o mesmo ridículo espalhafato que Portas – se existe um Pedro Lomba que lembra ou critica os costumes, como já outros o fizeram, no tempo dos Descobrimentos, do Cancioneiro Geral, do Sá de Miranda, etc, – ou um Jaime Nogueira Pinto recorre a pesquisas mais antigas para tornar mais explícito o presente – não podem ser condenados com tanta ironia nas suas pobres intenções - de um patriotismo passadista, segundo os da modernidade enjoada. Todos o fazem, se são sensíveis à desordem, ou se pretendem melhorar esses costumes. Até mesmo Pulido Valente o faz, na violência do seu discurso de indignação, que traduz vergonha e tristeza, afinal. Por se ter chegado a isto em que nos afundamos.

Ouçamos Carlos Ramos, como disfarce, no seu “Canto o Fado:

Há para o sofrimento
Um bom remédio afinal
É cantar e num momento
Ninguém se lembra do mal
Não custa mesmo nada
Tentem fazer como eu
Uma guitarra afinada
Um voz bem timbrada
E tudo esqueceu


Quando a tristeza me invade
Canto o fado
Se me atormenta a saudade
Canto o fado
Haja ciúme á vontade
Canto o fado
Por uma esperança perdida
Não passe na vida
Por um mau bocado
Se acaso a sorte o esqueceu
É fazer como eu
Deixe andar cante o fado


Não é que não me interesse
Por quem à dor não resiste
Mas há gente que parece
Que gosta até de andar triste
Tem sempre um ar fatal
A que ninguém o obriga
Mas nesta vida afinal
Vendo bem nada vale
Mais do que uma cantiga.


Ou, se preferirmos uma via de menos relativização, escolhamos o “Tudo vale a pena” como “Mensagem” para se continuar a singrar, mesmo a seco. Entra também no Fado. Bom seria que entrasse nos costumes. Desde que fossem grandes as almas, está visto.

Nenhum comentário: