É justo que Vasco Pulido Valente
escreva sobre Passos Coelho como escreve. É inteligente e sabe traçar o perfil,
como tantos fazem, do homem que não se compromete, que é duro no caminho que
traçou, que é inconsequente e inconsistente nas afirmações que faz. Todos nós
queremos respostas imediatas sobre as expectativas que ora são criadas, ora são
desfeitas, sabendo nós que o pobre Passos Coelho gira ao sabor das ondas que
lhe são impostas, e no interesse primeiro de se desfazer de uma dívida sem o
que, ficaremos de mãos e pés e corpo atados para prosseguir num caminho de
escrúpulo e rectidão de que nunca deveríamos ter saído. Mas entristece-me que
Vasco Pulido Valente não demonstre mais compreensão na defesa de um homem que,
ao que parece, foi imprescindível na libertação de um país afundado na
iniquidade, e alinhe na violência e garotice dos que o vão cravejando com as
suas setas venenosas, muito sabedores, pouco generosos, não querendo
compreender, parecendo ficar extasiados com as descobertas das suas próprias inteligências
sobre os procedimentos dos do governo, que logo definem como ridículas ou de ocultos
propósitos eleitorais, em tudo vendo inépcia e crime, felizes nas suas
definições e nas suas troças, sem reflectir que as dívidas são para se pagar,
por muito que as directivas europeias pareçam injustas, violentas e
discriminatórias, e que é esse o propósito primeiro de políticas que visam dar
credibilidade ao país para que se possam aplicar as do desenvolvimento e da
desobstrução.
Todos nos extasiámos por o Tribunal
de Contas ter chumbado a proposta do corte orçamental que Passos Coelho se
propunha efectuar. Mas já muitos se encarniçam à volta da próxima alternativa
governativa para satisfazer o compromisso salvador da nossa estabilidade,
dispostos a preteri-la, com manobras de arreganho para fazer rolar as cabeças cimeiras
e mutilar mais o país. É ouvi-los e vê-los, cheios de razões de violência
contra os governantes, num vomitório sem nexo, pois sabem bem quanto são
falazes os discursos de vitupério nas condições que vivemos, de exigência de
pagamento pelos do FMI, sem cedências de facilitação!
Por isso, o artigo de Vasco Pulido
Valente, - “O futuro a Deus pertence” – por muito certeiro
que pareça na caracterização do PM e das suas reticências esclarecedoras ou
atitudes ambíguas de animal acossado e manietado, segue uma via de negativismo
com igual efeito perverso ao da dos demais difamadores, cego às consequências
destrutivas de um edifício pátrio assente sobre alicerces periclitantes e que,
ao que parece, preferimos ver tombar de vez, no inchaço do nosso exibicionismo
palreiro ou da nossa avidez de comando. Saiu no “Público”, em 14/12:
«Assisti anteontem, com grande
dedicação profissional, e grande paciência, à entrevista do sr. primeiro-ministro
à TSF e à TVI. E assisti também ao parlatório das cabecinhas de serviço, que
tentaram extrair um vestígio de sentido ao que tinha sido dito e redito pelo
nosso adorado guia.
Mas Pedro Passos Coelho, com o seu
arzinho de menino que aprendeu bem a lição, não saiu da cartilha do costume,
provavelmente para não se meter em mais sarilhos, daqueles que o PS gosta de
rilhar no seu covil. Com a maior prudência, não prometeu nada, não explicou
nada e nem sequer previu fosse o que fosse. Ficou no quarto escuro da
banalidade ou da irrelevância e levou o país com ele; nem uma luzinha,
bruxuleante ou não, brilhou naquela deprimente melancolia. O PSD retirou deste
estado semicomatoso que o homem estava calmo.
Às perguntas substanciais, Pedro Passos
Coelho respondeu sempre que o futuro a Deus pertence. As decisões do Tribunal
Constitucional pertencem a Deus, como o défice e a dívida, como o crescimento,
como o programa cautelar, como a vida da gente que anda por aí sem vida. O
Altíssimo, a seu tempo, resolverá tudo e ele, um simples primeiro ministro, não
quer exceder as suas competências. Deixou, por exemplo, de embirrar com o
Tribunal Constitucional, coisa que sem dúvida, o tribunal lhe agradece
desvanecido. Não comentou a política do dr. Cavaco, ou a ausência dela, para
não tocar em tão alta e veneranda personagem. Até o comportamento errático da srª
Christine Lagarde não lhe mereceu mais do que o adjectivo moderado de “estranho”,
como se a senhora aparecesse com um chapéu novo ou o desafiasse para um passeio
a Sintra.
Nem a pequena intriga partidária em
que se criou conseguiu que ele acordasse para a realidade. Acha Rui Rio e o
resto dos protestatários do partido um magnífico “activo” a não perder. E acha
prematuro que se discutam agora as “listas” para a Europa. As relações dele com
Paulo Portas são hoje um mar de rosas: nem Portas lhe tenciona criar o mais
vago problema; nem ele a Portas. Principalmente a propósito de algumas
sinecuras sem consequência. Quanto ao resto, o primeiro ministro pensa que este
seu mandato consolidou as finanças, modernizou a economia e nos preparou para
voos que espantarão o mundo. Existe, é claro, a difícil questão do desemprego e
da miséria geral. Mas basta saber somar e subtrair, como assevera o dr. Medina
Carreira: onde imaginava a pátria que ele podia arranjar o dinheiro, senão nos
bolsos de quem o tinha? E com certeza um dia destes desaparece: o futuro a Deus
pertence.
“Arranjar o dinheiro, senão nos
bolsos de quem o tinha”: pergunto-me
o que fariam o Dr. Medina Carreira ou o Dr. Vasco Pulido Valente e todos os
mais doutores arengadores onde iriam eles colher o dinheiro, que artes e manhas
seguiriam, caso fossem governo, a não ser aos bolsos dos contribuintes.
“A difícil questão do desemprego e
da miséria geral”:
não vale a pena empolar tanto a questão da miséria, num país de tantos carros e
de carrinhos de supermercado abarrotando, a qualquer hora. Quanto ao desemprego,
é bem um fenómeno geral, tem a ver com uma conjuntura mundial migratória também,
de povos fugindo às suas próprias misérias. No nosso caso, tem a ver com a
velha dívida a pagar. Voltamos ao mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário