sábado, 28 de junho de 2014

«Floreça, fale, cante, ouça-se e viva a portuguesa língua»




Publicou Salles da Fonseca no seu “A Bem da Nação”, para festejar os simbólicos 800 anos da sua pretensa formação, o texto do Testamento de Afonso II, com uma introdução de  Pedro Aguiar Pinto.
 Foi um reviver de emoções, pois houve anos em que um ou outro manual de estudo literário continha o documento de 1214, como primeiro escrito em língua portuguesa, e foi possível transmiti-lo aos alunos, como curiosidade, nas sequências explicativas das origens do português. Por isso, foi com grande prazer que reli o documento, para o qual fiz breve comentário que transcrevo, e igualmente o de A. Palhinha Machado, como lição de história de muito interesse, sobre D. Afonso II, finalizando com o excerto de António Ferreira, da sua “Carta a Pedro de Andrade Caminha”, exortando este a só escrever em português. Realmente, António Ferreira foi o único poeta renascentista que só escreveu em português.

O texto de   Pedro Aguiar Pinto:

800 ANOS DA LÍNGUA PORTUGUESA
TESTAMENTO DE D. AFONSO II – 27 DE JUNHO DE 1214 
«Apesar de ser rei e soberano absoluto, D. Afonso II, em 27 de Junho de 1214, escreveu um texto que não é um Decreto. Ele obviamente não disse: “Decreto hoje fazer esta língua. E fica feita.” Não, D. Afonso II escreveu apenas o seu testamento; limitou-se a usar uma língua que obviamente já existia e já era usada pelo seu povo, antes de ele a usar também. O simbolismo deste momento e desse marco é que é a primeira vez que isso foi feito. Nunca antes dele, um Rei, um Estado, um soberano usara a nossa língua, escrevera oficialmente a nossa língua.    

Existem dois exemplares deste testamento: a cópia que foi enviada ao arcebispo de Braga e aquela que foi enviada ao arcebispo de Santiago.»

linha 1
«En'o nome de Deus. Eu rei don Afonso pela gracia de Deus rei de Portugal, seendo sano e saluo, temëte o dia de mia morte, a saude de mia alma e a proe de mia molier raina dona Orraca e de me(us) filios e de me(us) uassalos e de todo meu reino fiz mia mãda p(er) q(ue) de

linha 2
pos mia morte mia molier e me(us) filios e meu reino e me(us) uassalos e todas aq(ue)las cousas q(ue) De(us) mi deu en poder sten en paz e en folgãcia. P(ri)meiram(en)te mãdo q(ue) meu filio infante don Sancho q(ue) ei da raina dona Orraca agia meu reino enteg(ra)m(en)te e en paz. E ssi este for morto sen semmel, o maior filio q(ue) ouuer da raina dona Orraca agia o reino entegram(en)te e en paz. E ssi filio barõ nõ ouuermos, a maior filia q(ue) ouuuermos agia'o ...»

O meu comentário:

«São os 800 anos da língua portuguesa, a contar desse testamento que as selectas de estudo antigas contêm. Tal documento pressupõe que a língua portuguesa é mais antiga ainda, como revelam termos em romanço galego-português contidos em documentos em latim bárbaro. Mas é maravilhoso este regresso às origens. »

O comentário de  apmachado a 27 de Junho de 2014:

«D. Afonso II é um dos reis que a nossa historiografia mais maltratou. À nascença foi fadado, não com espírito guerreiro (nem sequer foi visto na conquista de Alcácer do Sal), mas com um raro espírito organizador. Foi dos primeiros reis europeus a ter uma chancelaria eficiente (foram seus Chanceleres os Juliões da aristocracia de Lisboa, donde saiu Pedro Julião), combateu fortemente a senhorialização do Reino contra as suas irmãs (e o seu ex-cunhado de Leão, mais os ricos homens de Entre-Douro-e-Minho e alguns bispos) que agitavam um dos vários testamentos de seu pai D. Sancho I. Contrariamente aos seus pai e avô, teve um reinado breve, mas fundamental para a consolidação do Reino. Não conseguiu seu filho D. Sancho II opor-se com igual sucesso às pressões senhoriais do partido de suas tias. A guerra civil que estalou quase varreu de vez o trabalho de D. Afonso II, um Grande Rei. É o seu filho segundo, D. Afonso III, que com coragem e com astúcia vai reerguer o edifício governativo que a guerra civil tinha destruído. Se o partido da senhorialização tivesse prevalecido, dificilmente o Reino teria resistido à força centrípeta de Leão e Castela.»


Excerto da Carta de António Ferreira a Pedro de Andrade Caminha:

«… Floreça, fale, cante, ouça-se e viva
A portuguesa língua, e já, onde for,
Senhora vá de si, soberba e altiva.

Se tèqui esteve baixa e sem louvor,
Culpa é dos que a mal exercitaram,
Esquecimento nosso e desamor.

Mas tu farás que os que a mal julgaram
E inda as estranhas línguas mais desejam
Confessem cedo, ant’ela, quanto erraram.

E os que depois de nós vierem vejam
Quanto se trabalhou por seu proveito,
Porque eles pera os outros assi sejam…»


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