Baseado,
certamente, no preconceito que aponta a tendência para a inércia cultural de um
povo pouco hábil em crescer por si, sempre subjugado pelas classes detentoras
de um poder de extremismo segregacionista, impondo o servilismo da exploração, além
do medo do inferno como única doutrina a aprender, para impedir rebeldias, Vasco Pulido Valente na sua crónica “Metamorfoses”
(Público, 7/6/14), mostra a pouca originalidade das classes letradas para as
temáticas das suas obras ou dos seus protestos, colhendo no exterior a
motivação para as suas reformas culturais e políticas.
Tem razão,
Pulido Valente, são certeiras as suas palavras, que se apoiam no estudo e na
inteligência crítica. Tais
transformações nos trouxeram por ínvios caminhos aos tempos de uma actualidade
ruidosa, que mamou glutonamente do maná que lhe caiu do céu, como merecido
milagre das ingénuas mentes nunca libertas dos mitos salvadores. Somos um povo
assim, com esses defeitos provenientes, certamente, do atraso que nos marcou.
E todavia,
aquele povo descrito por Fernão Lopes, que defendeu a sua independência a unhas
e a dentes, aquele povo descrito por Camões nos sofrimentos das suas batalhas,
perpetradas pelos “barões assinalados”, aquele povo de navegadores que
deram voltas ao mundo, faz parte de uma nação sui generis, simpática e
ruidosa, que muitos nomes ilustres fabricou, com a chancela ou não do estrangeiro.
Quando o Padre Vieira defende os índios ameríndios e combate os defeitos humanos
da avidez e vaidades em formidáveis alegorias, só podemos sentir orgulho porque
fomos pátria de tais buriladores da palavra, e do pensamento, como o foram os
Eças, os Pessoas, como o são os Valentes do nosso quotidiano mediático.
Não basta
isso contudo, para o nosso crédito como nação. Há uma dívida a ser paga, como
outros, em outros tempos, o fizeram. O povo português merece o respeito alheio
pelo seu significado na ordem do mundo. Deve merecê-lo, pagando a sua dívida. Só
desse modo a metamorfose – não a do absurdo kafkiano, nem a do poético
ovidiano, nem essas sobre que escreveu Pulido Valente, de sujeição evolutiva ao
estrangeiro - mas a do real natural, da larva em borboleta – teria um
significado pleno. De respeito próprio.
«Metamorfoses»
Vasco Pulido Valente
07/06/2014
«Os
portugueses letrados não gostam do que são, nem de Portugal como ele é. Desde
muito cedo, do século XVIII, que procuraram no iluminismo europeu modelos de
pensamento e de política. Essa tendência para a imitação continuou até agora.
Tudo se copiou: ideias, políticas, literatura, costumes. Claro que os modelos
foram variando. No século XIX dominou a influência francesa. No princípio do
século XX, a “reacção” religiosa e as ditaduras de Itália, de Espanha, da
Alemanha e da Europa oriental. Depois do “25 de Abril”, apareceu, mas
felizmente por pouco tempo, o marxismo académico de Paris, que levou a uma
espécie de loucura sem precedentes conhecidos. Com os governos do PS, o país
vogou entre o nada e coisa nenhuma, tentando mansamente varrer a tutela militar
que a “revolução” nos deixara.
Vieram
a seguir Cavaco e a “Europa”, e os portugueses encontraram de novo um destino
que parecia razoável, equilibrado e à sua maneira glorioso: queriam começar a
ser, ou julgavam que já eram, como os felizes nativos de um norte civilizado e
rico. Nessa época longínqua – e ainda hoje –, a “Europa” e o que nela “se fazia”
serviam de argumento em tudo ou para tudo. A horrível propaganda do “bom aluno”
proclamava dia-a-dia sem um estremecimento a nossa dependência e
subalternidade. Só que o dinheiro escorria e o parasitismo nacional imaginou
que descobrira um sucedâneo da sopa do convento, inesgotável e desinteressado.
O governo comprou aviões para ir consultar rapidamente os seus donos e a
populaça andava contente e até vaidosa com a sua astúcia.
Ninguém
nos disse que o mundo mudava à nossa volta e, principalmente, que vivíamos de
uma dívida monstruosa e sempre crescente. A “globalização” e a decadência da
Europa com o colapso da URSS não mereceram uma palavra aos poderes
constituídos. Aqui, o entusiasmo continuava, com a ajuda do “euro” e da “Expo”,
como se não houvesse amanhã. Infelizmente, o ajuste de contas acabou por nos
cair em cima. E, de repente, o calão empresarial e financeiro americano entrou
no dialecto da tribo, com uma artificialidade que dói. Os portugueses detestam
a iniciativa, o empreendedorismo, a inovação. Execram a “disciplina
financeira”. E não sabem o que é a industrialização, porque nunca
verdadeiramente passaram por ela. Este fato (sem “c”) que à pressa nos vestiram
não assenta bem. A chusma de reformadores que nos resolveu salvar fala para um
vácuo. Nós não gostamos disto.»
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