Um artigo de
Vasco Pulido Valente (Público, 22/6
) - “A monarquia de Espanha” – que, pondo os pontos nos ii
relativamente à inutilidade de mudança de regime, a monarquia constituindo uma
mais valia na unidade nacional, pela presença elegante e discreta de pessoas
que foram educadas para assumirem responsabilidades de chefia, presentes e
futuras, constitui retrato de extrema beleza sobre a família real espanhola.
Aparentemente,
o que afirma parece estar certo, mas não sei se os tais territórios de
linguagens e sentimentos diferentes, como a Catalunha, o País Basco, e até a
Galiza, concordariam, numa luta que mantêm há muito com os Estados Centrais, o
que prova a falta de coesão entre eles. Isso nos poderia levar a olhar-nos com
certo orgulho, mau grado as vicissitudes que sempre vivemos, povo marginal,
fronteiriço de um povo mais donairoso, trabalhador e arrebatado, consciente da
sua extensão territorial, pátria de gente intelectualmente mais desenvolta e de
acção cultural mais expressiva. (Lembro, a propósito, experiências de leitura
em língua espanhola, por não haver traduções em português, de obras didácticas
estrangeiras, nas bibliotecas universitárias por onde estudei). Por isso, estranho
que esses territórios desejem a independência, devendo sentir-se, de facto,
orgulhosos da grande nação a que pertencem, e respeitá-la sem os arrebatamentos
populares que pretendem liquidar a monarquia. Afinal, têm atrás de si uma longa
história, de lutas, navegações e descobertas, que o “Mio Cid” tão bem
representa, tal como o imortal Dom Quixote com o seu não menos imortal Sancho
Pança, passando por tantos grandes escritores, filósofos, artistas e monumentos
que os imortalizaram, a par de um bem-estar económico que os distingue dos
deste nosso pequeno país que admiro, apesar da nossa marginalidade cultural e
económica. Povo que, apesar de uma certa vileza de condição, resultante,
sobretudo, de segregacionismo cultural e económico, foi e vai defendendo a sua
independência da poderosa Espanha, há cerca de 900 anos - apesar de alguns
defensores de um integralismo cómodo, ao contrário dos tais territórios independentistas
espanhóis.
Mas os
protestos são fenómenos naturais hoje, a começar no Médio Oriente e a acabar na
vila Morena, manobrada pelas forças sinistras (do latim, esquerdas), que, não
tendo rei, pretendem eliminar o Governo – qualquer que ele seja – a fim de o substituírem. A liberdade o permite, ligada às
convulsões da deseducação.
«A monarquia
de Espanha »
«Apesar da comitiva e da segurança,
não dei por que os reis de Espanha estivessem no hotel. Um Secretário de Estado
português teria sido mais conspícuo. Não vi o rei Juan Carlos que não saiu do
último andar, excepto no dia em que se foi embora. Mas vi a rainha na varanda
comum, a tomar um chá e a discutir com um secretário com muitos papéis não sei
que problema. Na mesa do lado, a ler um livro, nunca me distraíram ou
incomodaram. Aquela monarquia despretensiosa e bem-educada não me pareceu um
perigo para ninguém. De resto, não passa de um símbolo, com algumas funções de
representação e, constitucionalmente, sem sombra de poder político. Como em
Inglaterra, o rei nem sequer dissolve o parlamento e lê no parlamento os
discursos que o governo lhe manda.
Agora, Juan Carlos resolveu abdicar e foi substituído por
Felipe VI. Parece que Juan Carlos perdeu o prestígio por causa de uns tantos
casos de infidelidade conjugal (que não se percebe como interessam ao Estado) e
por causa de uma caçada ao elefante no Botswana, em que partiu uma perna (um
genro vigarista no tribunal também não ajudou). Nas cerimónias de sucessão, uns
vagos milhares de pessoas gritaram “España mañana será republicana”,
provavelmente inconciliáveis da guerra civil (1936-1939) ou anti-franquistas
que guardaram uma velha vontade de revanche. Esperemos que nunca aí se chegue
por duas razões. Primeira, porque o rei é melhor garantia da unidade do país.
E, segunda, porque a República tarde ou cedo criaria um tumulto em Espanha e na
Europa.
Um presidente sairia por força de uma das nacionalidades de
Espanha que se autodenominam “históricas” (Castela, Catalunha, o País Basco e a
Galiza), sendo suspeito aos grupos que ficassem de fora: uma receita infalível
para a desordem e o conflito. Pior ainda, a dissolução de Espanha iria
inevitavelmente encorajar o separatismo da Escócia e do norte de Itália. De
qualquer maneira, não se compreende a ansiedade de um pequeno povo para se
fechar na sua pequenez (nós por aqui sabemos bem quanto ela custa) ou o desejo
de falar uma língua que ninguém mais fala ou escreve. Esta perversão do
paroquialismo, numa economia global e num mundo em que o inglês se tornou de facto
a “língua franca”, leva fatalmente ao isolamento e à fraqueza, pelo prazer de
uma glória “nacional” sem sentido. A Escócia, pelo menos, quer ficar com a
rainha e, de caminho, com a libra.»
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