No FORUM do Notícias de 1/6 publicou o sociólogo Alberto Gonçalves o “Sete Dias
Contados” habitual, dos comentários sobre a semana anterior - «Europeias:
as sete sequelas» - com a curiosa ideia de adaptar, para cada um dos sete
dias, um título de filme, que caracterizou cada tema tratado, filmes de enredo
mais ou menos sinistro, dos mundos de conflitos, violências, taras, com ou sem
sentido, que as angústias, paranoias, tortuosidades, simpatias ou perversões do
espírito humano criaram.
Assim, para o primeiro dia, sobre as
europeias, A noite das facas longas, refere o empolamento dos
resultados do PS, por Seguro e seus sequazes, a exigir a substituição imediata
do Governo, logo seguido da conclusão contrária, pelos adversários de partido, sobre
a modéstia desses, que valera a simultânea proposta de substituição de Seguro
por Costa - (com críticas ao psicólogo Alberto Gonçalves, que primeiro
ironizara sobre aqueles magros resultados, o que lhe valera chufas e críticas
no DNonline).
O segundo dia é sobre o famigerado Sócrates e a
contestada - por Alberto Dias – relevância da sua participação no apoio ao PS
aquando das europeias. Tem por malicioso título, «O regresso dos
mortos-vivos».
“O maneta de ferro contra a guilhotina voadora”, do 3º dia, merece ser transcrito na
íntegra, pela ousadia de uma crítica que destaca uma figura de seriedade
aparente, mas joguete, em todos os tempos, de vastas ambições pessoais - sempre
apoiado pelos correligionários, igualmente movidos por interesses próprios – e cujo
papel não prima pela cordura:
«Pela
terceira ou quarta vez numa luminosa carreira, António Costa mostrou-se
disponível para se disponibilizar para a liderança do PS e depor
"Tozé" Seguro. O Dr. Costa é um mistério. Excepto por uma facção do
seu partido e outra facção dos media (quando são distinguíveis entre si), que
vêem nele o evidente destino da nação, não se consegue detectar-lhe uma única
virtude pública. Sem grande originalidade, o homem é a típica figura do
"aparelho", que sem a sombra de uma ideia saltita de cargo em cargo
ao sabor das oportunidades e pelo caminho alimenta uma ambição que, a páginas
tantas, chega a parecer-lhe fundamentada. Está no seu direito? Com certeza. Se
há tendência a marcar o regime, é a capacidade de transformarmos irrelevâncias
em potenciais estadistas. Como se tem notado, o regime não é tão eficaz na
transformação de irrelevâncias em estadistas de facto.»
De destacar igualmente «Os incorruptíveis contra a droga» pela troça às tentativas
de justificação e clarificação dos resultados parlamentares pelos políticos e
os media, e a inanidade de tudo isso:
«Explicar
as eleições para o Parlamento Europeu aos pequenitos é fácil. Primeiro, é
preciso informá-los, de preferência com a voz embargada, que a extrema-direita
subiu em muitos países e ganhou em alguns. Depois, também não é complicado
esclarecer os pequenitos de que a extrema-direita é sempre malvada e sempre
perigosa e sempre igual: a Frente Nacional francesa não se distingue do UKIP
britânico, o Partido do Povo dinamarquês não se distingue do Jobbik húngaro e o
Aurora Dourada grego é a cara chapada do FPO austríaco. Em seguida, o que já é
mais difícil, convém explicar-lhes que a extrema-direita não tem nada, nada,
nada que ver com a extrema-esquerda, que subiu em Espanha, na Itália e na
Irlanda e venceu na Grécia, embora na maioria dos casos ambas estejam de acordo
na aversão à Europa, no ódio ao capitalismo, na exploração dos nacionalismos,
no aproveitamento da pobreza e questões assim menores: o importante é que a
extrema-esquerda é de esquerda e isso garante-lhe o estatuto de alternativa e a
bondade, como aliás o último século demonstrou. Por fim, há que descansar os
petizes: pese os resultados variados da extrema-esquerda em Portugal (o PCP
subiu, o BE praticamente sumiu), há que louvar a inexistência por cá de uma
extrema-direita com peso eleitoral. E há Marinho e Pinto, que dizendo muitas
das mesmas coisas que a extrema-direita e a extrema-esquerda, não é tão pérfido
como a primeira. Mas não se enganem, crianças: também não é tão recomendável
quanto a segunda. Perceberam tudo?»
O excelente retrato de
Marinho Pinto, que conquistou apoiantes nos seus discursos de ataque e bons
sentimentos de ficção, denunciando um real videirismo assaloiado, tem como
paralelo fílmico «A ameaça fantasma»:
«Marinho
e Pinto merece consideração, no sentido reverencial da palavra? Nem por isso. E
considerações? Duas ou três, a primeira para esclarecer que se trata apenas de
uma pessoa, e assaz coerente: o Marinho que comenta a actualidade em programas
televisivos diurnos é mesmo bastante parecido com o Pinto que tentou
eternizar-se como bastonário dos advogados e agora talvez inicie uma carreira
política. Juntos, Marinho e Pinto são a caricatura de uma paródia de um
estereótipo do chofer de praça, a personagem para quem tudo é uma fantochada, e
eles querem é poleiro. As acusações nem são totalmente disparatadas, mas
beneficiariam de maior legitimidade se o seu autor não tivesse passado anos a
salvaguardar o Eng. Sócrates da fantochada geral e ele próprio não procurasse
desesperadamente o poleiro a que subiu no domingo. Quanto ao perigoso avanço do
populismo, digamos que 7% de uma amostra residual de eleitores ainda não são a
Frente Nacional ou o Syriza. E que o populismo não se esgota em Marinho. Nem em
Pinto.»
« Até à eternidade» é o título que merece toda
esta conjuntura criada pelos hábitos de dispêndio propiciados pelo exterior e
que não parecem querer modificar-se:
«Além
de exalarem um rico cheirinho a sacristia, as trapalhadas socialistas ajudaram
a disfarçar o facto de que muito poucos portugueses levam o Governo a sério.
Também é verdade que muito poucos levam a sério a oposição, mas esse pormenor
não evita uma dúvida: as pessoas desiludiram-se com os partidos no poder porque
estes não realizaram um décimo das reformas a que se propunham ou porque julgam
que os partidos no poder reformaram demasiado? A pergunta não é irrelevante, e
da resposta depende bastante aquilo a que se convencionou chamar o rumo do
País. Ainda que ninguém goste de ver encolhido o seu poder de compra, há uma
diferença entre achar que os "cortes" e os impostos são uma
oportunidade por enquanto perdida para alterar os hábitos do Estado e achar que
os hábitos do Estado devem ser mantidos a todo o custo (do contribuinte
alemão). »
Finalmente, “Voando sobre um ninho de cucos” justifica a tese de que os
abstencionistas das eleições não são tão mentecaptos, no seu pretenso “alheamento
cívico”, como os políticos os querem assacar.
«Os antigos chamavam a isto bom senso. Com petulância,
os contemporâneos chamam-lhe alheamento cívico, calamidade que se caracteriza
pela recusa em apoiar voluntariamente a classe política que, queiramos ou não,
já nos enxovalha a cada dia. Pelos vistos, não basta sermos tratados como
mentecaptos: é preciso mostrarmo-nos agradecidos.»
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