“Sem saída”, foi o que acabei de ouvir a José Gomes Ferreira, neste programa das 23 horas, “Negócios da Semana” da SIC do canal 5, que entrevista dois banqueiros, tão baralhados como qualquer um de nós, exceptuando Seguro que, entrevistado pouco antes, noutro canal, mostrou profundas seguranças e certezas no país que ele se propõe dirigir como próximo primeiro ministro, “sem medos” e cheio de promessas. Os outros, novéis comparsas na intervenção dirigista da nação, com o desplante que a democracia lhes permite, preparam-se para, em próximo Parlamento, expor um Manifesto para renegociar, reestruturar a dívida, dizendo haver muitas formas de solução para isso, sem tanto sufoco de austeridade. O Governo espera a resposta do TC às suas dúvidas a respeito do chumbo que sofreu, mas a esquerda entende que não há motivo para dúvidas e todos anseiam por sacudir de vez a austeridade e voltar aos vencimentos e benesses de antigamente, por muito que fossem de empréstimo, além de quererem chutar o Governo e pressionar o Presidente Cavaco Silva para que seja ele a dar o aval ao chuto. Passos Coelho esforça-se por manter a sua determinação corajosa de continuar a lutar, com honestidade, pela melhoria futura, o que os juízes do TC lixaram, encostados a todos os que vão ululando na praça, igualmente adversos a sacrifícios, ainda que justos, de reposição …
Vasco Pulido Valente mantém o seu
brilhante afinco de revelar os podres de um país estrebuchante, no seu artigo “A
Caranguejola” de 31 de Maio, do “Público”, lançando achas para a fogueira
em que arde o Governo, “insensato e falhado”, na sua opinião. Lembrou-me o
desespero caprichoso de Mário de Sá Carneiro, no seu auto retrato “Caranguejola”,
quando já pensava suicidar-se, em Paris.
Vasco Pulido Valente:
A caranguejola
Obscurecida pelo melodrama do PS, a direita teve realmente uma derrota histórica ou, como disse
com suavidade Pedro Passos Coelho, um resultado “insatisfatório”. Perguntam a
António Costa o que vai ele fazer para conseguir um governo forte (ou seja,
maioritário) em pouco mais de um ano. Ninguém pergunta à coligação como se vai
aguentar em 2015, embora os míseros 27,7% do domingo passado anunciem o pior.
Ainda por cima, o CDS e o PSD já esgotaram na última campanha toda a propaganda
que lhes podia valer nas legislativas. Tivemos, como toda agente sabe, a ilusão
de que a “saída” da troika
ia abrir um novo período de prosperidade. O relógio de Portas chegou ao zero,
mas ninguém entretanto se deu ao trabalho de esclarecer como e por que meios
esse truque publicitário iria ressuscitar os mortos.
O défice resiste a doses inconcebíveis de impostos, os “cortes”
continuam, a dívida aumenta (e continuará a aumentar), a exportação (que devia
ser a cura miraculosa para a incúria indígena) abrandou e “as reformas”, as
verdadeiras, foram por aí esquecidas numa gaveta. Mas nada disto impediu o
Governo de comunicar à populaça – com uma certa reserva, é certo – que a
“recuperação” estava a caminho. O PSD e o CDS têm agora de pagar dia-a-dia as
suas mentiras. À medida que os portugueses perceberam que as coisas ficaram
exactamente na mesma e que o “tratado orçamental” substituiu a troika, com toda a
eficiência, até os 27,7% de 25 de Maio tenderão a descer ou, no caso do CDS, a
desaparecer.
Para Pedro Passos Coelho, o problema é, como sempre, um problema
de “comunicação”. Julga ele que se os ministros tirarem tempo para “atender
mais telefonemas” e se os deputados falarem com “mais pessoas”, a retalho ou
por grosso, o PSD e o CDS são capazes de “pescar à linha” o milhão e tal de
votos que perderam. Isto é, evidentemente uma ilimitada loucura, digna de um
governo insensato e falhado. Passos Coelho e Paulo Portas deviam pensar mais
numa despedida elegante e numa reforma cómoda do que em truques patéticos para
salvarem uma caranguejola que se desfaz. Mas não pensam e o próximo ano acabará
por ser o pior desde 2011, com o Governo a saltar como uma galinha sem cabeça e
o Presidente a fingir que não vê sangue no galinheiro, enquanto a tarraxa “europeia”
não pára de apertar.
Mário de Sá Carneiro:
CARANGUEJOLA
Ah, que me metam entre
cobertores,
E não me façam mais nada!…
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!
E não me façam mais nada!…
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!
Lã vermelha, leito
fofo. Tudo bem calafetado…
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira…
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira…
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.
Não, não estou para
mais; não quero mesmo brinquedos.
P’ra quê? Até se mos dessem não saberia brincar…
Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito p’ra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!…
P’ra quê? Até se mos dessem não saberia brincar…
Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito p’ra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!…
Noite sempre p’lo meu
quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho – que amor!…
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
P’lo menos era o sossego completo… História! Era a melhor das vidas…
E eu aninhado a dormir, bem quentinho – que amor!…
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
P’lo menos era o sossego completo… História! Era a melhor das vidas…
Se me doem os pés e não
sei andar direito,
P’ra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde.
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito…
P’ra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde.
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito…
De que me vale sair, se
me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza…
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza…
Desistamos. A nenhuma
parte a minha ânsia me levará
P’ra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. C’o a breca! levem-me p’rá enfermaria -
Isto é: p’ra um quarto particular que o meu pai pagará.
P’ra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. C’o a breca! levem-me p’rá enfermaria -
Isto é: p’ra um quarto particular que o meu pai pagará.
Justo. Um quarto de
hospital – higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda…
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo…
Em Paris, é preferível, por causa da legenda…
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo…
Quanto a ti, meu amor,
podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras.
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras.
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.
Arriba, hombre! Passos Coelho!
Não te enfies nos cobertores! Não desistas ainda! Continua a lutar por essa
verdade de repor alguma dignidade no país do bolor. Sabemos bem quanto andamos
todos a fingir que acreditamos noutras soluções, porque a dignidade não faz
parte delas, e a mentira se generalizou, na caranguejola desconjuntada e fétida.
Não adormeças ainda, mantém o teu estilo próprio de timoneiro, imune à
algazarra e aos ventos contrários. A pátria que estranhamente deu mundos ao mundo, merece o teu
sacrifício.
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