quinta-feira, 26 de junho de 2014

«A Patrícia do 8.º G»



Há quarenta e tal anos, já o problema da educação sexual era focado em algumas conversas de sala, não ultrapassando, todavia, o comedimento retraído ou indiferente de grande parte, exceptuada a intelectualidade progressista condenatória das hipocrisias da moral social de convenções e tabus, como ela  as apelidava com saber e distância. De facto, nesses tempos “tenebrosos”, sem os conhecimentos mediáticos que a televisão e mais ainda a internet, hoje em dia fornecem em superavit, eram apenas os livros ou o cinema os difusores de conhecimentos que, quando excediam as normas do tal comedimento puritano, a Censura – e não só entre nós, julgo – se apressava a eliminar. Mas os meios mediáticos, além da nossa revolução dos cravos, deram largas entre nós às ânsias da renovação, e tais temas, como esse da educação sexual nas escolas, proliferaram em estardalhaço, em liberalização de costumes e paralelismo  com o mundo da selva que o National Geographic tanto e tão bem se esforçou por nos mostrar, na majestade e beleza de uma natureza sem artifício, embora as demonstrações sexuais da natureza humana sejam exibidas – pelo menos durante uns tempos foram – com todo o artificialismo da incontinência do desbragamento e da falsa luxúria. Apenas o refiro, porque julgo que, tal como os filmes de violência, esses filmes libidinosos causam certamente um impacto muito negativo, sobretudo numa juventude pouco propensa a uma formação mais equilibrada, como é a juventude portuguesa, desatenta e preguiçosa - com aquelas ressalvas que nos enchem de bem-estar.
O texto de Alberto Gonçalves, contido em “Dias Contados - O Pensamento Mágico” no DN de 22/6, entre os diversos temas da sua mordacidade, constitui feroz sátira, que poderia servir de apelo à atenção dos responsáveis pelas políticas de Educação:

Quarta-feira, 18 de Junho
O sexo e a idade
«Uma Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde realizou um estudo sobre a implementação da educação sexual nas escolas. Os resultados são dúbios. Por um lado, de acordo com o Jornal de Notícias, "os alunos do ensino secundário gostariam ainda de estar mais envolvidos nas atividades relativas à educação sexual nas escolas, manifestando disponibilidade para serem "mentores, em atividades informativas e formativas com colegas mais novos"". Por outro lado, os alunos em geral sentem-se desmotivados - sempre uma maçada nestas questões - e "criticaram a forma "idêntica e sem progressão" de apresentação" dos assuntos. Vamos por partes.
Desde logo, é bom sinal que os petizes mais crescidos pretendam ser "mentores" (um óbvio eufemismo) dos mais pequenitos no que toca ao sexo. Sempre indicia que a existência dos adolescentes contemporâneos não se esgota na PlayStation e no Facebook conforme se chegou a temer. Pelo menos alguns percebem que, em matéria de possibilidades reais, a Patrícia do 8.º G é preferível a Lara Croft.
Em contrapartida, talvez não se aconselhe ouvir as recomendações de crianças a propósito das disciplinas a sério. No caso da Educação Sexual, que não serve para nada, excepto para preencher horários e convencer pedagogos da sua própria modernidade, o problema não se põe. Mas imagine-se que se passa a ouvir os meninos e as meninas acerca dos conteúdos e dos processos de ensino em Matemática, Física e coisas assim: na perspectiva optimista, arrasa-se num ápice com o que resta da exigência educativa. Na perspectiva pessimista, essa exigência faleceu há muito, pelo que ouvir crianças, pais, tios, sindicatos, professores, tutelas ou os órgãos sociais da Associação Recreativa de Massarelos não faz diferença nenhuma. »

Cito, para confronto de tempos, um artigo dos velhos tempos, contido em «Pedras de Sal» (1974) - este em 2ª edição em “Cravos Roxos” (Croniquetas verde-rubras) (1981) que, mostrando diferenças de actuação, revelam, todavia, mentalidades masculinas que não diferem muito das dos novos tempos, como a do sociólogo Alberto Gonçalves, ao deixar implícita uma feroz condenação, pela sua inanidade e desperdício de tempo – para além de perigosas consequências comportamentais, de libertinagem e misérias sociais – que tais programas escolares poderão provocar – num mundo cada vez mais sem travão: 

«Educação Sexual» (Pedras de Sal)
«A Mãe explica que tem dois filhos fortes e saudáveis, inteligentes e estudantes excepcionais.  Como são excepcionais, requerem muito silêncio na sua casa, e não deixam a sua mãe viúva fazer barulho, para eles poderem estudar com sossego e despotismo. A mãe torna-se pequenina e doce para os filhos, toda ela é beleza e doçura. E os filhos exigem sempre mais. E criticam-na pela falta de informação sexual que lhes deu. Parece que aos onze anos ainda acreditavam no Pai Natal dos sapatinhos, e não perdoam à mãe essas crenças passadas, com reflexos notórios sobre as ideologias presentes.
O Jorge protesta. Condena a crueldade dos rapazes, por acusarem a Mãe, não vê outra razão que a justifique senão excesso de mimo e de facilidades.
E o Cândido, com ares de autodidacta profundo e convicto, esclarece que não precisou das lições dos pais para a sua informação sexual. Sentiu sempre o máximo prazer em explorar sozinho esse atraente ramo do conhecimento humano.
O Jorge compartilha inteiramente o seu ponto de vista. Depreende-se que também se fartou de explorar o mesmo ramo sem ideias preconcebidas.  Acrescenta até que esses prazeres secretos se desvaneceriam em parte se fossem explicados sensaboronamente por um pai ou uma mãe amigos de explicar tudo.
Pôs-se, entretanto, o problema das escolas mistas que todos foram unânimes em apoiar, em desabono das especificamente femininas ou masculinas. O convívio entre os sexos não só desenvolve a camaradagem, como a próprias faculdades intelectuais, pelo espírito de emulação que cria.
E a Órea refere que na África do Sul um colégio feminino, dirigido por freiras, se caracterizava pelo excesso de fecundidade das donzelas, (com digna exclusão das freiras), engravidando com extrema facilidade, o que não sucedia no colégio misto da Órea, onde as raparigas não engravidavam.
À pergunta científica do Jorge sobre se já teriam conhecimento da pílula, a Órea informa eficientemente que nessa altura ainda se não usava disso. A pureza das donzelas resultava da sã camaradagem existente entre rapazes e raparigas, estimulante de um respeito mútuo.
Também se falou da Suécia e na educação sexual incutida nas suas escolas. As senhoras presentes dum modo geral sentem-se inibidas. Parece que o amor deverá sempre possuir um certo cunho de mistério para ser mais significativo. Todas gostaram de ter sido iniciadas nele pelos respectivos maridos. Os maridos também se sentem felizes e realizados por terem iniciado as respectivas esposas. O excesso de iniciação destas tê-los-ia atordoado e esmorecido.
Quanto às perguntas embaraçosas dos filhos, eu não tive grandes problemas. Expliquei-lhes sempre serenamente aquilo que poderia explicar, sem ferir a sua sensibilidade nem a minha, nem jamais insistir nesses assuntos e sobretudo sem adoptar o ar malandro ou humorístico que se toma perante eles, o que origina na criança um acréscimo de curiosidade também malandra, embora inicialmente natural e simples.
Tenho notado, com efeito, que os pais são muitas vezes os responsáveis pelos ares sabidos e finórios dos filhos, encarando o amor e os problemas sexuais  como pecados em que se não deve falar senão com ar de mistério.
Dificilmente esses jovens se habituarão a tratar o sexo oposto com camaradagem e respeito.
Para o complemento da educação sexual dos meus filhos, dei-lhes um livro precioso: “Donde vêm os meninos?” do escritor alemão Kurt Seelmann, no qual o problema da criação, explicado em paralelo na planta e na pessoa, se desenrola de uma maneira simples, natural e honesta, como deveriam fazê-lo sempre o pai ou a mãe que se debruçam sobre a curiosidade ingénua dos seus filhos.»

O problema de hoje, que Alberto Gonçalves ironiza na sua crónica, consiste também na inapetência para a leitura, os estudantes demasiado absorvidos  com as suas playstations e os seus facebooks  onde esgotam as suas faculdades ledoras, donde o livro aconselhado entre outros que se poderiam aconselhar, nem sequer faz sentido, quarenta anos depois.


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