Há quarenta e tal anos, já o problema
da educação sexual era focado em algumas conversas de sala, não ultrapassando,
todavia, o comedimento retraído ou indiferente de grande parte, exceptuada a
intelectualidade progressista condenatória das hipocrisias da moral social de
convenções e tabus, como ela as
apelidava com saber e distância. De facto, nesses tempos “tenebrosos”, sem os
conhecimentos mediáticos que a televisão e mais ainda a internet, hoje em dia fornecem
em superavit, eram apenas os livros ou o cinema os difusores de conhecimentos
que, quando excediam as normas do tal comedimento puritano, a Censura – e não
só entre nós, julgo – se apressava a eliminar. Mas os meios mediáticos, além da
nossa revolução dos cravos, deram largas entre nós às ânsias da renovação, e
tais temas, como esse da educação sexual nas escolas, proliferaram em
estardalhaço, em liberalização de costumes e paralelismo com o mundo da selva que o National
Geographic tanto e tão bem se esforçou por nos mostrar, na majestade e
beleza de uma natureza sem artifício, embora as demonstrações sexuais da
natureza humana sejam exibidas – pelo menos durante uns tempos foram – com todo
o artificialismo da incontinência do desbragamento e da falsa luxúria. Apenas o
refiro, porque julgo que, tal como os filmes de violência, esses filmes
libidinosos causam certamente um impacto muito negativo, sobretudo numa
juventude pouco propensa a uma formação mais equilibrada, como é a juventude
portuguesa, desatenta e preguiçosa - com aquelas ressalvas que nos enchem de
bem-estar.
O texto de Alberto Gonçalves, contido
em “Dias Contados - O Pensamento Mágico” no DN de 22/6, entre os
diversos temas da sua mordacidade, constitui feroz sátira, que poderia servir
de apelo à atenção dos responsáveis pelas políticas de Educação:
Quarta-feira, 18 de Junho
O sexo e a idade
«Uma Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde
realizou um estudo sobre a implementação da educação sexual nas escolas. Os
resultados são dúbios. Por um lado, de acordo com o Jornal de Notícias,
"os alunos do ensino secundário gostariam ainda de estar mais envolvidos
nas atividades relativas à educação sexual nas escolas, manifestando
disponibilidade para serem "mentores, em atividades informativas e
formativas com colegas mais novos"". Por outro lado, os alunos em
geral sentem-se desmotivados - sempre uma maçada nestas questões - e
"criticaram a forma "idêntica e sem progressão" de
apresentação" dos assuntos. Vamos por partes.
Desde logo, é bom sinal que os petizes mais crescidos
pretendam ser "mentores" (um óbvio eufemismo) dos mais pequenitos no
que toca ao sexo. Sempre indicia que a existência dos adolescentes
contemporâneos não se esgota na PlayStation e no Facebook conforme se chegou a
temer. Pelo menos alguns percebem que, em matéria de possibilidades reais, a
Patrícia do 8.º G é preferível a Lara Croft.
Em contrapartida, talvez não se aconselhe ouvir as
recomendações de crianças a propósito das disciplinas a sério. No caso da
Educação Sexual, que não serve para nada, excepto para preencher horários e
convencer pedagogos da sua própria modernidade, o problema não se põe. Mas
imagine-se que se passa a ouvir os meninos e as meninas acerca dos conteúdos e
dos processos de ensino em Matemática, Física e coisas assim: na perspectiva
optimista, arrasa-se num ápice com o que resta da exigência educativa. Na
perspectiva pessimista, essa exigência faleceu há muito, pelo que ouvir
crianças, pais, tios, sindicatos, professores, tutelas ou os órgãos sociais da
Associação Recreativa de Massarelos não faz diferença nenhuma. »
Cito, para confronto de tempos, um
artigo dos velhos tempos, contido em «Pedras de Sal» (1974) - este em 2ª
edição em “Cravos Roxos” (Croniquetas verde-rubras) (1981) que,
mostrando diferenças de actuação, revelam, todavia, mentalidades masculinas que
não diferem muito das dos novos tempos, como a do sociólogo Alberto Gonçalves,
ao deixar implícita uma feroz condenação, pela sua inanidade e desperdício de
tempo – para além de perigosas consequências comportamentais, de libertinagem e
misérias sociais – que tais programas escolares poderão provocar – num mundo
cada vez mais sem travão:
«Educação Sexual» (Pedras de Sal)
«A Mãe explica que tem dois filhos fortes e
saudáveis, inteligentes e estudantes excepcionais. Como são excepcionais, requerem muito
silêncio na sua casa, e não deixam a sua mãe viúva fazer barulho, para eles
poderem estudar com sossego e despotismo. A mãe torna-se pequenina e doce para
os filhos, toda ela é beleza e doçura. E os filhos exigem sempre mais. E
criticam-na pela falta de informação sexual que lhes deu. Parece que aos onze
anos ainda acreditavam no Pai Natal dos sapatinhos, e não perdoam à mãe essas
crenças passadas, com reflexos notórios sobre as ideologias presentes.
O Jorge protesta. Condena a crueldade dos
rapazes, por acusarem a Mãe, não vê outra razão que a justifique senão excesso
de mimo e de facilidades.
E o Cândido, com ares de autodidacta profundo
e convicto, esclarece que não precisou das lições dos pais para a sua
informação sexual. Sentiu sempre o máximo prazer em explorar sozinho esse
atraente ramo do conhecimento humano.
O Jorge compartilha inteiramente o seu ponto
de vista. Depreende-se que também se fartou de explorar o mesmo ramo sem ideias
preconcebidas. Acrescenta até que esses
prazeres secretos se desvaneceriam em parte se fossem explicados
sensaboronamente por um pai ou uma mãe amigos de explicar tudo.
Pôs-se, entretanto, o problema das escolas
mistas que todos foram unânimes em apoiar, em desabono das especificamente
femininas ou masculinas. O convívio entre os sexos não só desenvolve a camaradagem,
como a próprias faculdades intelectuais, pelo espírito de emulação que cria.
E a Órea refere que na África do Sul um
colégio feminino, dirigido por freiras, se caracterizava pelo excesso de
fecundidade das donzelas, (com digna exclusão das freiras), engravidando com
extrema facilidade, o que não sucedia no colégio misto da Órea, onde as
raparigas não engravidavam.
À pergunta científica do Jorge sobre se já
teriam conhecimento da pílula, a Órea informa eficientemente que nessa altura
ainda se não usava disso. A pureza das donzelas resultava da sã camaradagem
existente entre rapazes e raparigas, estimulante de um respeito mútuo.
Também se falou da Suécia e na educação
sexual incutida nas suas escolas. As senhoras presentes dum modo geral
sentem-se inibidas. Parece que o amor deverá sempre possuir um certo cunho de
mistério para ser mais significativo. Todas gostaram de ter sido iniciadas nele
pelos respectivos maridos. Os maridos também se sentem felizes e realizados por
terem iniciado as respectivas esposas. O excesso de iniciação destas tê-los-ia
atordoado e esmorecido.
Quanto
às perguntas embaraçosas dos filhos, eu não tive grandes problemas. Expliquei-lhes
sempre serenamente aquilo que poderia explicar, sem ferir a sua sensibilidade
nem a minha, nem jamais insistir nesses assuntos e sobretudo sem adoptar o ar
malandro ou humorístico que se toma perante eles, o que origina na criança um acréscimo
de curiosidade também malandra, embora inicialmente natural e simples.
Tenho
notado, com efeito, que os pais são muitas vezes os responsáveis pelos ares
sabidos e finórios dos filhos, encarando o amor e os problemas sexuais como pecados em que se não deve falar senão
com ar de mistério.
Dificilmente
esses jovens se habituarão a tratar o sexo oposto com camaradagem e respeito.
Para
o complemento da educação sexual dos meus filhos, dei-lhes um livro precioso: “Donde
vêm os meninos?” do escritor alemão Kurt Seelmann, no qual o problema da
criação, explicado em paralelo na planta e na pessoa, se desenrola de uma
maneira simples, natural e honesta, como deveriam fazê-lo sempre o pai ou a mãe
que se debruçam sobre a curiosidade ingénua dos seus filhos.»
O
problema de hoje, que Alberto Gonçalves ironiza na sua crónica, consiste também
na inapetência para a leitura, os estudantes demasiado absorvidos com as suas playstations e os seus
facebooks onde esgotam as suas faculdades ledoras, donde o livro aconselhado entre
outros que se poderiam aconselhar, nem sequer faz sentido, quarenta anos depois.
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