Um
meu grande prazer, quando leccionava literatura, era encontrar respostas bem
escritas nos testes, que logo dava como modelo, na correcção que apresentava
por escrito, também com a minha própria versão, não para efeitos de
sobreposição mas de outras hipóteses de solução. Guardo ainda algumas dessas
correcções, que reencontrei na mudança
de casa e me fizeram recuperar vivências felizes de outro tempo.
Um
dia, nos avanços maravilhosos da modernidade, a Internet proporcionou-me
leituras que igualmente me entusiasmaram e me fizeram participar nestes espaços
cibernéticos de distância e proximidade. Os meus filhos Artur e Ricardo acharam
que eu podia ter o meu blog, Ensinaram-me as manobras indispensáveis, o Artur
criou os adornos artísticos da sua envolvência – uma bandeira portuguesa de
especial fabrico, na cimeira, umas flores de cacto, tão belas quanto efémeras,
do nosso jardim, no final da página. Assim fui participando e reagindo, desde
2008, nos vendavais do nosso mundo, para sentir a vida, embora tendo presente as
críticas ferinas do Velho do Restelo aos mareantes atrevidos, que se deve
sempre rever com atenção - para saborear paralelamente.
Já que nesta gostosa vaïdade
Tanto enlevas a leve fantasia,
Já que à bruta crueza e feridade
Puseste nome, esforço e valentia,
Já que prezas em tanta quantidade
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que já
Temeu tanto perdê-la Quem a dá:
Tanto enlevas a leve fantasia,
Já que à bruta crueza e feridade
Puseste nome, esforço e valentia,
Já que prezas em tanta quantidade
O desprezo da vida, que devia
De ser sempre estimada, pois que já
Temeu tanto perdê-la Quem a dá:
«Não tens junto contigo o Ismaelita,
Com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
Se tu pola de Cristo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras e riqueza mais desejas?
Não é ele por armas esforçado,
Se queres por vitórias ser louvado?
«Deixas criar às portas o inimigo,
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o Reino antigo,
Se enfraqueça e se vá deitando a longe;
Buscas o incerto e incógnito perigo
Por que a Fama te exalte e te lisonje
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia.
(Lus.
IV, 99-101)
Assim,
mau grado as condenações, sempre possíveis, sinto prazer nesta aventura
participativa, e no meu blog transcrevo muitas vezes os textos que me tornam
feliz, nesta parcimónia em que vivemos actualmente em questão de beatitude, uma
felicidade de descoberta de valores que servem de apoio ao nosso orgulho pátrio,
também parcimonioso.
Desta
vez, foi o artigo de Teresa de Sousa,
saído no Público de 10/8, o responsável
pelo bem-estar espiritual, artigo que retrata, com seriedade e firmeza,
os cordelinhos por que se move o mundo conturbado, de violência e condenação da
dita, de interesses e cinismos sem trégua, e de ajudas que pretendem muitas
vezes encobri -los.
Uma
análise feita com rigor de informação e escrita com elegância e clareza, em
torno do Presidente de um povo líder nos destinos do mundo, condenado a participar numa guerra que antes condenara –
a do Iraque – onde o terrorismo sectário se impôs, como, de resto, em outros
focos incendiários em que os fundamentalismos estrebucham e provocam, para
impor os seus interesses a coberto da bandeira dos seus dogmas religiosos. E Obama,
de repente, não tem mãos a medir para acudir aos focos de incêndio que estalam –
no leste europeu, na Palestina que exige generosidade incondicional no socorro
humanitário contra a vizinha e invejada Israel, a quem não admite retaliação
contra as suas próprias provocações. E Obama, que não quer sacrificar os seus
homens, e dentro das premissas pacifistas que estabeleceu quando chegou ao
poder, é obrigado, de repente, a agir - na Ásia com quem estabeleceu acordos
económicos, na África, onde pretende avançar em termos económicos, já atrasado
em relação à China, na Rússia de Putin, cuja impassibilidade e aparente
cooperação de repente se revelam na sua fragilidade, por conta do cinismo e ambição
de comando de antiga superpotência que o caso da Ucrânia aclarou…
Sintamos
a justeza de análise de Teresa
de Sousa… Nada de
novo, afinal, num mundo de ambições e tentativas. Temos outras prioridades por
cá.
«O
mundo trocou as voltas a Obama»
Quem diria que, três anos depois de pôr termo a uma
guerra a que sempre se opôs, Barack Obama se visse confrontado com a decisão de
intervir militarmente no Iraque?
Trata-se
de uma intervenção limitada, também de natureza humanitária, para evitar um
massacre e para impedir que os jihadistas do “Estado Islâmico” (uma nova versão
mais radical da Al Qaeda) cheguem à cidade de Erbil, capital do Curdistão
iraquiano. Desde Junho que o Iraque está a ferro e fogo, com uma poderosa e violenta
a ofensiva do “Estado Islâmico do Iraque e do Levante” que ninguém viu chegar,
correndo o risco sério de desagregação. “Bagdad pediu oficialmente a Washington
que bombardeie a ofensiva jihadista” escreve o Monde no dia 20 de Junho a toda
a largura da sua primeira página. Obama ignorou o apelo. Na quita-feira,
subitamente, invocou razões humanitárias para lançar raids aéreos no Norte do
país. Mas também garantiu aos americanos que “não haverá botas no terreno” nem
os EUA se deixarão arrastar para um novo conflito.
Simbolicamente,
esta decisão do Presidente mostra até que ponto o guião que apresentou para
construir uma nova relação da América com o mundo foi demasiadas vezes posto em
causa. O Presidente, como reconhecem muitos analistas em Washington, fez muitas
coisas certas. Quis dar prioridade à diplomacia e reduzir o uso da força ao
último recurso. Quis partilhar a responsabilidade da América pela segurança
mundial com os aliados regionais e através das organizações multilaterais.
Prometeu estender a mão aos “inimigos” para abrir um caminho à negociação.
Dirigiu-se directamente ao mundo islâmico (no Cairo) para lhes garantir que a
América não era sua inimiga. O mundo trocou-lhe as voltas. Talvez porque amigos
e inimigos se deixaram cair na tentação de sobrestimar o declínio do poder
americano, que a Grande Recessão veio acentuar. Obama prometeu uma nova
forma de liderar o mundo. Os seus adversários entenderam a mensagem como um
sinal de fraqueza. Os seus aliados também.
África
foi, provavelmente, o continente que mais vibrou com a sua eleição e também
aquele que menos lhe exigiu. Só agora Obama teve tempo para organizar uma
cimeira africana, com uma nova estratégia que vá além do combate ao terrorismo.
A África começa hoje a ser olhada como a nova “economia emergente”. O
Presidente sabe que ainda tem capital político para gastar. “A influência
americana no continente é pateticamente pequena, quando comparada à chinesa e à
europeia”, escreve o colunista do New York Times David Brook. Mobilizou as
empresas americanas, que corresponderam com um montante de 14 mil milhões de
dólares para investir. Provavelmente, Obama não poderia imaginar, quando
preparou a cimeira que devia aos africanos, que, na mesma semana, teria de
ordenar raids aéreos sobre o Iraque, reforçar as sanções económicas contra a
Rússia ou tentar pôr cobro à guerra de Gaza, lembrando-lhe que falhou na
promessa de resolver um conflito que retirava aos palestinianos a sua própria
dignidade. A incerteza e a imprevisibilidade são as características que
predominam em períodos de transição da dimensão daquele que estamos a viver. Obama
queria dedicar-se à “reconstrução” da nação americana e envolver-se o menos
possível num mundo cuja segurança continua a depender, em grande medida, da
América. Não teve essa sorte.
A
invasão do Iraque foi a guerra desnecessária que a América travou, que Obama
sempre criticou e à qual quis pôr termo o mais depressa possível. Não
antecipou o risco de fragmentação. Entretanto, a Primavera Árabe transformou-se
num triste Inverno (a única excepção é a Tunísia), sem sequer dar tempo aos EUA
para rever a sua estratégia regional. “Felizmente”, escreve Robert Kagan, um
crítico de Obama, “o Presidente ignorou os realistas que o aconselhavam a
manter-se ao lado dos ditadores em colapso”. A Síria trava uma guerra civil
sem fim à vista, que se traduz numa gigantesca tragédia humana. A Líbia
está em desagregação. Um embaixador americano morreu em Bengazi. O
Presidente recebeu na Casa Branca o Presidente egípcio Mohamed Morsi (membro da
Irmandade Muçulmana) democraticamente eleito. Agora precisa do novo poder
militar instalado no Cairo para intermediar a guerra em Gaza. O Grande Médio
Oriente, que Bush queria democratizar à força, está mergulhado no caos. A
dúvida paira sobre as negociações com o Irão para encontrar uma solução
pacífica para o seu programa nuclear, que foram o maior êxito da sua política. Teerão
partilha com os EUA a mesma preocupação perante o risco de desagregação do
Iraque entre xiitas (no poder), sunitas e curdos. Pelo contrário, a Arábia
Saudita, velha aliada da América, olha com desconfiança essa aproximação,
enquanto arma as forças jihadista na Síria e no Iraque. Também as alianças já
não são o que eram nesta perigosa rivalidade entre xiitas e sunitas pela
hegemonia regional.
O pivô asiático
Quando
chegou à Casa Branca em 2009 Barack Obama tinha a sua própria concepção sobre
as prioridades externas da América e a forma de as alcançar. A primeira
visita de Hillary Clinton depois de tomar posse como secretária de Estado foi à
Ásia. Com o centro de gravidade da economia a passar do Atlântico para o
Pacífico e com a cada vez mais rápida ascensão da China ao estatuto de
superpotência, o novo Presidente considerou que estava aí o maior desafio
estratégico que os Estados Unidos tinham de enfrentar nas próximas décadas.
Foi o tempo em que muito se falou de G2, apesar do G20, e em que a Europa
ficou a roer as unhas sem saber qual era o seu papel na nova doutrina americana.
Obama
quis mostrar a Pequim que os EUA continuavam a ser uma potência asiática embora
disposta a cooperar com a China na resolução dos grandes problemas mundiais. Seria
sempre um exercício difícil: combinar a “contenção” com a “cooperação”. A
China já deixou para trás a “ascensão pacífica”, afirma-se em África ou na
América Latina como um actor político importante, investe nas economias
europeias do Sul, fragilizadas pela crise da dívida, enquanto reforça o seu
poderio naval para impor o seu domínio nos mares da China do Sul e da China
Oriental. Não hesita em “exercitar os músculos” na disputa que trava com
o Japão em torno de uma ilha habitada por tartarugas. A chegada de Shinzo Abe
ao poder, com um discurso nacionalista e alguns gestos desnecessários que
lembraram a memória das calamidades cometidas na II Guerra, criou um clima de
tensão. O problema é que os japoneses, com razão ou sem ela, começam a duvidar
da vontade americana de travar uma guerra para defendê-los. Abe “iniciou
uma agenda de reformas da política de defesa, destinadas a melhorar o
capacidade do Japão para responder às grandes tendências regionais”, escreve
Sheila Smith do Council on Foreign Relations. As economias dos dois países
asiáticos têm hoje um elevado nível de interdependência (o Japão é o maior
investidor na China) mas a História também ensina que o poder destruidor do
nacionalismo é ilimitado. Numa crítica à política de Obama na Ásia, Gideon
Rachman, colunista do Financial Times,
escreve que “até à data, os esforços americanos foram suficientes para
antagonizar a China mas não para tranquilizar os aliados.”
Visto
do lado de cá do Atlântico, o pivô americano para o Pacífico suscitou algum
nervosismo. Obama chegou à Casa Branca determinado reconciliar-se com os
aliados europeus (o que não seria difícil vista a onda de entusiasmo que a sua
eleição causou), cansados das guerras de Bush, mas também a inverter as
péssimas relações entre Washington e Moscovo herdadas da fase final do mandato
do seu antecessor. Avisou que a relação transatlântica tinha um preço:
partilhar mais equitativamente o fardo da segurança europeia, incluindo uma
maior responsabilidade pela segurança regional. A América continuaria a
“liderar” só que “do banco de trás”. Esse foi o modelo aplicado à Líbia, quando
o Reino Unido e a França decidiram que era preciso intervir.
O jogo de Putin
A
cimeira da NATO em Lisboa, em Novembro de 2010, serviu para adoptar um novo
conceito estratégico que reafirmava o compromisso do Artº 5º do Tratado de
Washington. Mas serviu também para encenar uma nova era de cooperação com a
Rússia que anunciava um ponto final definitivo à Guerra Fria. Dmitri
Medvedev apresentava a face mais simpática da Rússia e parecia entender que o
Ocidente era essencial para sua modernização. Obama ofereceu-lhe a participação
no sistema de defesa antimíssil destinado a proteger o território da Aliança. O
Presidente via na Rússia um parceiro importante para a resolução de alguns
conflitos regionais e um interlocutor fundamental para o seu objectivo de
reduzir drasticamente as armas nucleares. O alargamento da NATO ficava
implicitamente congelado, cabendo à Europa integrar esses países de fronteira
através de acordos de associação. Nada ainda fazia suspeitar da reviravolta a
que acabamos de assistir nos últimos meses.
O
regresso de Vladimir Putin mudou tudo, ainda que não imediatamente. Foi o
Presidente russo que poupou Obama a uma guerra que não queria travar contra o
regime sírio, quando Bashar Al-Assad atravessou a linha vermelha, ao utilizar
armas químicas contra a população. Obama ficou sem alternativa, senão um castigo
militar. Londres disse que sim mas David Cameron conseguiu tirar a água do
capote, levando a decisão a Westminster, que a rejeitou. Obama seguiu-lhe o
exemplo, prometendo ir ao Congresso. Acabou por ser Putin a salvá-lo in
extremis (salvando ao mesmo tempo os seus enormes interesses na Síria)
ao obter de Damasco a garantia de entrega do seu arsenal químico. Putin já dissera muitas vezes ao que vinha: restituir
à Rússia o estatuto de superpotência respeitada a nível global. Na Geórgia, pôs
em prática a maneira como tencionava fazê-lo, alegando a protecção das minorias
russas perante a passividade ocidental. Este era o pretexto. O objectivo era
recuperar a sua influência sobre o chamado “estrangeiro próximo”, da Ucrânia
até à Ásia central. Quando em Dezembro de 2013 impediu o governo
pró-russo de Kiev de assinar um acordo de associação negociado com a União
Europeia, estabeleceu um novo limite para a sua relação com o Ocidente. Com a
anexação da Crimeia, ultrapassou outro tabu: a alteração das fronteiras
europeias pela força. Putin escolheu definitivamente o seu lado: contra o
Ocidente. O anúncio do fim da Guerra Fria apenas durou três anos. Obama
dizia há um ano perante as Nações Unidas que o mundo “não estava no tempo da
Guerra Fria nem existe um ‘Grande Jogo’ a ganhar”. A dureza com que se
tem referido à Rússia revela um sentimento de traição. Numa entrevista
recente à Economist afirma sem contemplações que “a Rússia não fabrica nada nem
os imigrantes fazem bicha para ir para Moscovo à procura de uma oportunidade”.
Acrescenta que é preciso garantir “que eles não entrem numa escalada até ao
ponto em que as armas nucleares voltem a entrar na discussão”.
Não
se sabe ainda onde vai acabar este antagonismo entre o Ocidente e a Rússia que
Putin está a testar na Ucrânia. Desta vez, são os bálticos ou os polacos que
temem que a América não esteja disposta a morrer por eles. A NATO vai reunir-se
em Setembro numa cimeira onde terá de reavaliar de novo a sua missão. A Economist
interrogava recentemente: “A América está disposta a lutar por quem?” É esta a questão que assombra os aliados”. Obama quis
libertar-se do fardo da segurança europeia. Putin obrigou-o a reconsiderar.
Conter a Rússia ou conter a China? Ou conter ambas? A China também quer criar a
sua própria zona de influência na Ásia.
“Kerry
simboliza o dilema do papel global dos Estados Unidos no século XXI”, escreve a
Spiegel alemã, comentando os esforços do chefe da diplomacia americana, que
corre de incêndio para incêndio sem conseguir apagar as chamas. “Até que ponto
pode a política externa americana ser bem-sucedida se depende mais de palavras
fortes do que de tanques e porta-aviões”. Esta é a crítica dos velhos falcões
republicanos, que acusam Obama de ter alienado a credibilidade americana.
Edward
Luce escreve na sua coluna habitual no Financial Times que “é a incerteza, e
não a China, que está a substituir o poder americano”. O estado do mundo
parece dar-lhe razão. Os adversários de Obama na América acusam-no de não
compreender as ameaças que a América enfrenta quando reduz o orçamento da
defesa. Que é, no entanto, sete vezes maior do que o russo e igual ao dos 10
países seguintes na lista dos maiores orçamentos. A economia começa a dar
sinais da sua tradicional vitalidade. E, ao contrário da China ou da Rússia,
a América continua a ser o íman que consegue atrair toda a gente que quer uma
nova oportunidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário