domingo, 10 de agosto de 2014

Bom Selvagem



Uma história mitológica
É a fábula de Florian que se segue,
Que conta do rei de Creta,
- Minos de sua graça -
Filho de Zeus e de Europa
E juiz no Hades tenebroso.
Um cargo bem espinhoso,
Já Salomão o sentia
Nos casos que resolvia.
Por aqui nem é tanto assim,
Que em vez do ver se te avias
Que Nino quis aplicar,
Os processos são acumulados
Sem embaraços madraços,
Para a Justiça se poder protelar
E os casos serem prescritos
Sem atritos.
Eis, pois, Nino a decidir
Sobre o castigo a aplicar
Duma assentada
A sete nomes do poder -
Maneira prática de decidir
Segundo a fórmula “todos à molhada”.
Mas não havendo peso possível
Para equilibrar a balança
Na dança de cada sentença,
Tantos eram os pecados
De tão finos pecadores,
Que desciam, não subiam
No seu prato,
A solução foi, pois,
Uma substituição de valores:
Nada de pesos prefabricados,
Para pôr na balança da Justiça.
O melhor, de facto,
É considerar
Que os pobrezinhos é que são os bem formados
Para contrabalançar com os dos pecados.
Não admira que Florian o consinta,
Vivendo numa época pré romântica,
 Sentimental com muita pinta,
Que Rousseau ajudou a promover
A valer.
A nossa Justiça hoje em dia
Também se fia
Nesses considerandos que faz que os maus
Sejam sempre os do poder e os bons
Os miserandos.
É fatal.
O próprio Cristo já o dizia,
Achando-os bem-aventurados
Por merecerem os Céus,
Juntos de Deus.
Fatal, sim, mas pouco crível
Num parecer menos sensível.
Porque, por mais que se pinte
Se ponha ou se diga,
Com mais ou menos ficção,
Em toda a parte há de tudo,
Como na botica.
E as classes sociais
Não são especiais
Nessa condição.
Eu, pelo menos,
Penso  que não.

«A balança de Minos»
«Minos, não podendo mais bastar
Ao fatigante ofício de ouvir e de julgar
Cada sombra descida ao tenebroso  império
De um Hades de mistério,
Imaginou, como solução
Para tal confusão
De trabalho excessivo,
Mandar fazer uma balança
Onde, num dos pratos  colocaria
Cinco ou seis mortos, e no outro prato
Um certo peso que a sentença
Determinaria.
Se o peso subisse, então, com mais vagar,
Os casos examinaria;
Se o peso baixasse, pelo contrário,
Sem escrúpulo faria punir.
O método era seguro, decisivo e claro;
Minos estava feliz consigo próprio.
Num certo dia, pois,
A bordo do Estígio a morte reúne
Simultaneamente,
Dois reis, um ministro de peso, um herói, três sábios.
Minos fá-los pesar conjuntamente.
O peso sobe. Coloca dois,
E depois três, mas em vão os pôs;
Quatro não fazem melhor,
O prato  não há meio de descer.
Minos, surpreendido,
Tira da balança os inúteis pesos,
Outro meio experimenta, mais eficiente;
Vendo, perto dali, um pobre homem de bem
Que num canto escuro esperava em silêncio,
Coloca-o como contrapeso bastante:
Eis as sete sombras que sobem,
Imediatamente.»

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