segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Não se pode dizer que sejam maus condutores os portugueses



Sintra, uma cidade de verdes e penhas, de alturas e planuras, de monumentos e muitos carros, de travesseiros da Periquita. Fomos lá na quinta feira passada, mas, por não termos conseguido um espaço para o carro junto do Palácio da Vila, continuámos subindo, à procura de Seteais, onde, por idêntica falta de espaço, na entrada para o seu parque, os carros enfileirados num e noutro lado das bermas, continuámos subindo até Monserrate. Contava rever em Seteais o descritivo d’ OS MAIAS, da paisagem vista através do arco, como fizera há tantos anos – “Foi há vinte? Há trinta? / Nem eu sei já quando…”, diria um Junqueiro saudoso - com umas turmas do 11º , para sensibilizar o Bruno, que, coitadinho, ainda está no 6º, mas poderia isso despertá-lo  em termos pictóricos, pois é bom observador.
Em Monserrate, onde só entrevira, quando lá fora, (eram as minhas netas mais velhas ainda adolescentes), o Palácio e o Parque, pudemos percorrer os espaços deste até ao Palácio, «uma das mais belas criações arquitectónicas e paisagísticas do Romantismo em Portugal: o Parque e Palácio de Monserrate, testemunhos ímpares dos eclectismos do século XIX», segundo extraio da Internet.

«O Palácio combina influências góticas, indianas e sugestões mouriscas, bem como  motivos exóticos e vegetalistas que se prolongam harmoniosamente no exterior… Os jardins receberam espécies vindas de todo o mundo e foram organizados por áreas geográficas. O relvado fronteiro ao Palácio permite o descanso merecido, durante a descoberta de um dos mais ricos jardins botânicos portugueses... O palácio foi projectado pelo arquitecto James Knowles e construído em 1858, por ordem de Sir Francis Cook, Visconde de Monserrate, enquanto a elaboração dos jardins foi entregue ao pintor William Stockdale, ao botânico William Nevill, e a James Burt, mestre jardineiro. Este palácio que foi a residência de Verão da família Cook, foi construído sobre as ruínas da mansão neo-gótica edificada pelo comerciante inglês Gerard de Visme, que possuiu a concessão da importação do pau-brasil em Portugal e foi o responsável pelo primeiro palácio de Monserrate. William Beckford alugou a propriedade em 1793, realizando obras no palácio, começando a criar um jardim paisagístico…  Durante a década de vinte o palácio seria posto à venda, acabando por ser adquirido pelo Estado em 1949… Nos jardins deste Palácio podem ver-se vários exemplares botânicos. Encontra-se classificado como Imóvel de interesse Público desde 1978».

A subida, lá dos fundos onde descemos para visitar o palácio em reparação, foi menos difícil do que a descida, pela nobre calçada à portuguesa desfeiteadora dos pés e do equilíbrio. Não houve mais pés para percorrer a mata, várias vezes amparada que fui pelo Luís e pela Ângela, os pais do Bruno. No Palácio, aparelhos sofisticados, do tipo de écran táctil, segundo o esclarecimento da Ângela, tornavam-se morosos e de informação débil, fracos substitutos dos cicerones de antes, fossem estes competentes, (o que raramente, contudo, acontecia, os designados para esses cargos sem grande preparação técnica, como o do Palácio de Vila Viçosa, que visitámos  com a minha mãe, e que limitava as suas informações – irónicas - aos aspectos anedóticos das biografias dos nobres que lá viveram).
Regressando a Sintra, passámos por Seteais, a estrada cada vez mais bordejada de automóveis impossibilitando uma vez mais a visita  ao parque do arco merecedor do belo descritivo queirosiano. Quando arrumámos o carro - no adro de uma pequena igreja - soubemos que estávamos em S. Pedro de Sintra, muito longe do centro da cidade. Comemos bitoques numa esplanadazinha, o Bruno estava contente, uma família feliz que decidira visitar palácios após a descodificação de um roteiro de passeio em Sintra do seu livro de leitura, passeio que o avô se prontificara a custear, preservando, contudo, comodamente, a sua integridade física, escusando-se a participar no passeio a pretexto do necessário acompanhamento do nosso Fox. Regressados a Sintra, em lenta fila, demos volta ao Palácio sempre no lento carro, mas em vão procurámos poiso. Decidimos subir para a Pena, o que pôs à prova a arte de condução do Luís, que precisa de vencer um certo pânico actual de guiar e que se revelou um ás do pedal. De resto, guiar em Sintra é uma autêntica odisseia, que requer perícia e nervos. A própria subida à Pena, bem íngreme, era percorrida por carros que, desistindo, se alinhavam nas bermas, subida a serra a pé por inúmeros visitantes. Mas o Luís foi avançando, receoso de ter que amparar a mãe, decididamente em knock-out de pés. Arrumado o carro, num lugar providencial do último parque, comprados os bilhetes numa construção propícia, que contém ainda esplanada e casas de banho, resolvemos subir até ao Palácio num dos carros eléctricos Hop on hop off que o desenvolvimento turístico criou.
O Palácio da Pena tem um exterior deslumbrante, e a vista em redor é-o igualmente, nos espaços mais longínquos e mais próximos, casado o colorido das casas com o verde do monte e do parque. Um breve texto da Internet o apresenta:
«O Parque e o Palácio da Pena, implantados na serra de Sintra e fruto do génio criativo de D. Fernando II, são o expoente máximo do Romantismo do século XIX em Portugal, com referências arquitectónicas de influência manuelina e mourisca. O Palácio foi construído para ser observado de qualquer ponto do Parque, floresta e jardins luxuriantes com mais de quinhentas espécies arbóreas oriundas dos quatro cantos do mundo.»
Lembrava-me de um interior mofento, quando o visitara há mais de trinta anos, mas o Palácio está a ser reparado e as lembranças dos aposentos – o quarto onde a Rainha D. Amélia passou a sua última noite antes de partir para o exílio, em 1910, os quadros pintados por D. Carlos, com motivos da serra, e os seus objectos de geógrafo, além da riqueza dos mobiliários e objectos, tudo foi encantador para mim. Apreciei também a ordem na disposição das filas dos visitantes, com cordões a separar as filas, tudo apresentado com boa orientação, que os mais de 5000 visitantes diários, no verão, requerem - no inverno descendo para 2000 - mas são dados gratificantes para o desenvolvimento do nosso turismo. Admirei os turistas de tantas nacionalidades, muitos com filhos, investindo sadiamente na educação destes.
O regresso no Hop on hop off  levou-nos ao Chalet da Condessa d’Edla, cantora de ópera, segunda mulher de Dom Fernando de Coburgo, após a morte de D. Maria II. O descritivo da internet informa sobre as características, sem referir que o recheio foi leiloado, e que por isso o “coquette” chalet se encontra vazio:
«Na segunda metade do século XIX, D. Fernando II e a sua futura segunda mulher, Elise Hensler, Condessa d’Edla, criaram no Parque da Pena um Chalet e um Jardim de caráter privado e sensibilidade romântica, espaço de refúgio e recreio do casal. Localizado de forma estratégica a poente do Palácio da Pena, o edifício segue o modelo dos Chalets Alpinos, então em voga na Europa. Da ecléctica decoração sobressaem as pinturas murais, os estuques, os azulejos e o uso exaustivo da cortiça como elemento ornamental. No exterior, o jardim que envolve o Chalet reúne vegetação autóctone e espécies botânicas provenientes dos quatro cantos do mundo, conformando uma paisagem exótica em que se destacam a Feteira da Condessa, o Jardim da Joina, o Caramanchão e os lagos.»

O maestro  Cruges, no passeio a Sintra com o apaixonado Carlos, que aí busca ansiosamente a sua amada Maria Eduarda,  após peripécias de um pendor humorístico nesse capítulo VIII d’ OS MAIAS, que se lê e se relê com riso, emoção e deslumbramento, após as várias referências às queijadas que deverá comprar para a mãe - (“Que diabo, não me hão de esquecer as queijadas!”) - coroará o final do capítulo com o berro que faz parar o break e assusta os dois companheiros de regresso, Carlos e Alenquer, quando este, embalado, recitava um dos seus poemas românticos: “Esqueceram-me as queijadas!” Não aconteceu comigo que tinha a mente fisgada, não nas queijadas, mas nos travesseiros da Periquita. Mas ao almoço, perguntando à nossa hospedeira prestável, se não havia travesseiros da Periquita noutro sítio que não na Periquita, inconquistável na avalanche de carros em torno, fui informada de que os havia no café da Natália, pouco distante dali. Surgiu, então, a ideia do regresso a casa passando pelo café da Natália em S. Pedro de Sintra. Fomos aos travesseiros, a Ângela e eu, ao tal café, que se revelou um espaço sensacional de bolos de deslumbrante aspecto, e quando regressámos ao carro abri com ânsia a caixa dos travesseiros, para terminarmos em imediata delícia gustativa um dia delicioso em todos os sentidos, (pés esquecidos), embora, naturalmente, incompleto, tantas são as possibilidades de visitas maravilhosas em Sintra.
Mas  o descritivo de Eça do quadro visto de Seteais, sintetizará em beleza o que foi para nós um dia de encanto:

(Alencar) «Endireitou-se logo, já toda a emoção o deixara, mostrava os maus dentes num sorriso amigo, e exclamou, apontando para o arco:
«Agora, Cruges, filho, repara tu naquela tela sublime.
O maestro embasbacou. No vão do arco, como dentro de uma pesada moldura de pedra, brilhava, à luz rica da tarde, um quadro maravilhoso, de uma composição quase fantástica, como a ilustração de uma bela lenda de cavalaria e de amor. Era no primeiro plano o terreiro, deserto e verdejando, todo salpicado de botões amarelos; ao fundo, o renque cerrado de antigas árvores, com hera nos troncos, fazendo ao longo da grade uma muralha de folhagem reluzente; e emergindo abruptamente dessa copada linha de bosque assoalhado, subia no pleno resplendor do dia, destacando vigorosamente num relevo nítido sobre o fundo de céu azul claro, o cume airoso da serra, toda cor de violeta escura, coroada pelo castelo da Pena, romântico e solitário no alto, com o seu parque sombrio aos pés, a torre esbelta perdida no ar, e as cúpulas brilhando ao sol como se fossem feitas de ouro...»

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