Mais uns “Dias Contados” da nossa leitura
dominical, do Fórum do DN, assinado por Alberto Gonçalves, no
prazer da leitura de um discurso de ironia brincalhona e corajosa, de free-lancer
que não se submete a ditames por encomenda, porque sabe bem ponderar escolher
os seus. Um discurso de rebeldia, mas de pessimismo também, que aliás é o que se
pode ter num hoje em dia progressivamente absurdo, nas notícias, nacionais e
estrangeiras, reflexo de acções por conta dos povos e dos governos, num
encaminhar de descalabro em paralelo com um viver de liberdade e bem-estar
material sem peso nem medida.
Trata o primeiro artigo de Alberto Gonçalves - A
tragédia menor - da inanidade
dos discursos solucionadores da “tragédia” de mais uma imundície nacional –
desta vez do BES – com a estranha proposta de solução de dois Bancos – o Bom e o
Mau – (a que faltou, em meu parecer, a do Banco assim-assim). Acusado de
favorecer o Governo de Passos Coelho, Alberto Gonçalves conclui que «antes
de irromper no fascinante universo partidário, tentaria a sorte como chofer de
praça, carpinteiro de limpos ou pequeno traficante de analgésicos. A dignidade
acima de tudo. Se pareço tolerar um Governo atroz é apenas porque as
alternativas me parecem intoleráveis. Parece absurdo? Eis a política, sobre a
qual toda a repulsa peca por escassa.»
Segue-se “Boicotes”, sobre o anti-semitismo actual,
que se dá o caso de ter longa tradição
histórica, por vezes condenada quando é grande o exagero no extermínio daqueles, hoje defendido por
Israel demonstrar a força do seu poder – o que não é tolerável: «O
que distingue a indignação perante as crianças, reais ou encenadas, mortas em
Gaza da indiferença face às crianças mortas em qualquer outro lugar é a autoria
das mortes. A Israel está vedada a possibilidade de defesa, ainda que contra a
maior selvajaria. É habitual acusar os judeus de "vitimização", mas o
papel de vítimas é o único que os anti-semitas, perdão, anti--sionistas,
historicamente permitem aos judeus: o direito de se deixarem assassinar em
silêncio. Absurdamente, Israel discorda, resiste e, graças ao poderio bélico,
subjuga o adversário. Tamanha perversão não se admite. Só se admite Israel
resignado e de preferência extinto. Até lá, os "boicotes" continuam,
embora possamos chamá-los pelo seu verdadeiro nome.»
O terceiro artigo – “Autarca em digressão” –
sobre António Costa, não requer comentário, o assunto acatando diferentes
pontos de vista.
Quanto ao quarto artigo – A Alegoria da Caverna
sobre o caso dos professores submetidos a
exame, negativo para estes, pelos erros de ortografia, há um lapso na
metáfora escolhida, creio que por distracção apressada, a questão tendo mais a
ver com a aquisição gradual do verdadeiro conhecimento, o do conhecimento
filosófico, (as Ideias segundo Platão) que superam as do senso comum (as
sombras da Caverna) que Camões traduz magistralmente nas redondilhas «Sobolos
rios que vão»:
«E aquela humana figura,
que cá me pode alterar,
não é quem se há-de buscar:
é raio da Fermosura,
que só se deve de amar.
que cá me pode alterar,
não é quem se há-de buscar:
é raio da Fermosura,
que só se deve de amar.
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Que os olhos e a luz que ateia
o fogo que cá sujeita,
não do sol, mas da candeia,
é sombra daquela Ideia
que em Deus está mais perfeita.
E os que cá me cativaram
são poderosos afeitos
que os corações têm sujeitos;
sofistas que me ensinaram
maus caminhos por direitos.»
o fogo que cá sujeita,
não do sol, mas da candeia,
é sombra daquela Ideia
que em Deus está mais perfeita.
E os que cá me cativaram
são poderosos afeitos
que os corações têm sujeitos;
sofistas que me ensinaram
maus caminhos por direitos.»
Eis os textos de «Dias
Contados» de Alberto Gonçalves:
A tragédia menor
por ALBERTO GONÇALVES
10 agosto 2014
«A
propósito da solução para o BES, António José Seguro teme que os contribuintes
venham a assumir os erros dos privados, António Costa lamenta que os pequenos
accionistas se afundem com o "banco mau", a menina Catarina do BE
disse umas coisas naturalmente desvairadas e o PCP, que ainda há semanas pedia
a nacionalização do banco, acusa o Governo de resgatar o banco com dinheiros
públicos. Eu, que acho misteriosa qualquer operação financeira acima dos cem
mil euros, tenho uma única certeza: com ou sem BES, o "novo" ou o
"velho", o fisco continuará a aliviar-me com regularidade.
Se
o caso BES serve de alguma coisa, é de lição. O arranjinho encontrado é uma
desgraça? Talvez, mas talvez não pudesse ser melhor, ou talvez, a julgar pelas
assarapantadas reacções da esquerda, pudesse ser bastante pior. E este falso
paradoxo é, afinal, uma educação acerca do máximo que se deve esperar da acção
governativa, que nunca é a arte de procurar a resposta ideal, e sim a de tentar
fugir à resposta catastrófica. Décadas de recorrentes desilusões democráticas
teriam sido evitadas se os cidadãos - e os políticos - observassem esse simples
preceito.
Esqueçam
o pormenor (desculpem o eufemismo) do BES e pensem no "quadro geral":
o Governo é lamentável? Das indecisões às péssimas decisões, da retórica
reformista à incapacidade de reformar, da fama "neoliberal" ao proveito
dos impostos, do folclore de Relvas aos amigos na Santa Casa, claro que sim. Só
que a questão é outra: descontados os fiéis e os oportunistas, alguém encontra
nas oposições o esboço de um governo preferível? Dito de maneira diferente, o
País estaria menos sufocado com o dr. Seguro ou o dr. Costa (a fim de evitar
embaraços, nem menciono o PCP e as setenta agremiações destinadas a unir a
esquerda)?
Semanalmente,
diversos exaltados acusam-me, nas "caixas" de comentários do DN online,
de escrever a expensas do poder ou de sonhar em alcançá-lo. Para mal da minha
conta bancária, a primeira acusação é falsa; para bem da nação, a segunda é
delirante: antes de irromper no fascinante universo partidário, tentaria a
sorte como chofer de praça, carpinteiro de limpos ou pequeno traficante de
analgésicos. A dignidade acima de tudo. Se pareço tolerar um Governo atroz é
apenas porque as alternativas me parecem intoleráveis. Parece absurdo? Eis a
política, sobre a qual toda a repulsa peca por escassa.»
Boicotes
6/8
«Dentro
do interessante debate anti-semitismo versus "anti-sionismo", há a
notícia de que no Reino Unido um deputado quer declarar a zona que representa
"Israel free", ou seja interdita a produtos e pessoas de Israel.
Nem
é preciso evocar certo acontecimento do século XX: das cruzadas às limpezas de
guetos no Leste, passando pelos regulares massacres no Norte de África e pelos pogroms
russos, enxotar "israelitas", ou frequentemente exterminá-los, é
costume antigo. E se os tempos vigentes exigem acrescida impostura, a verdade é
que "boicotes" assim são muito mais do que uma consequência do
conflito do Médio Oriente: são, na sua essência, uma tradição com longuíssimos
séculos.
O
que distingue a indignação perante as crianças, reais ou encenadas, mortas em
Gaza da indiferença face às crianças mortas em qualquer outro lugar é a autoria
das mortes. A Israel está vedada a possibilidade de defesa, ainda que contra a
maior selvajaria. É habitual acusar os judeus de "vitimização", mas o
papel de vítimas é o único que os anti-semitas, perdão, anti--sionistas,
historicamente permitem aos judeus: o direito de se deixarem assassinar em
silêncio. Absurdamente, Israel discorda, resiste e, graças ao poderio bélico,
subjuga o adversário. Tamanha perversão não se admite. Só se admite Israel
resignado e de preferência extinto. Até lá, os "boicotes" continuam,
embora possamos chamá-los pelo seu verdadeiro nome.»
O autarca em digressão
7/8
«Nem
Agosto cala o dr. Costa, para mal dos nossos pecados e das suas ambições
políticas. Se o homem nada tem de extraordinário, quase tudo o que diz o é.
Agora deu uma entrevista à Visão na qual afirma que "muita gente
votou" nele nas autárquicas a fim de lhe "dar força para assumir
outras responsabilidades". Jura? Como se mede tal intenção? Havia um post
scriptum ao lado do "x" a rezar "Salve a pátria, doutor!"?
Qualquer dia, o edil de Salvaterra de Magos aparece a explicar que afinal a sua
eleição destinava-se a pousá-lo em Belém. Ou o chefe da freguesia de Nespereira
(Lousada) a garantir que de facto foi escolhido a pensar na Comissão Europeia.
Brincadeiras
à parte, a verdade é que se confirma uma concepção muito peculiar da democracia
e da relação de confiança entre eleitor e eleito. Para o dr. Costa, a
democracia é, em mais do que um sentido, um cheque em branco. E a confiança é
ilimitada.
Só
isto explica que o dr. Costa ignore orgulhosamente as funções que deveria
desempenhar em benefício da campanha interna do PS. Um dia, se o deixarem,
tratará de trocar "outras responsabilidades" pelas responsabilidades
que bem entender, leia-se trocar a salvação da pátria pelo empenho em afundá-la
com rapidez. A começar pelos lisboetas, já toda a gente percebeu que o dr.
Costa não é brilhante. Convinha perceber-se que esse filho da leviandade e da
ambição é capaz de ser perigoso. E perigos temos que cheguem, obrigadinho.»
A alegoria da caverna
9/8
«Dez
mil professores foram sujeitos a uma prova de avaliação de conhecimentos. A
maioria considerou a prova "básica" e "ridícula". Quase
dois terços cometeram erros de ortografia, além de erros de pontuação e
sintaxe. Uma percentagem indeterminada (e o sr. Nogueira do sindicato) atribuiu
os erros ao Acordo Ortográfico. Contas feitas, apenas 10% dos erros se deveram
a alterações na grafia. Uma federação sindical (a Fenprof) acha que a prova
serve "para denegrir a imagem dos professores, achincalhá-los publicamente
e, dessa forma, contribuir para a degradação da sua imagem social".
Permito-me
discordar. Quem sai denegrido, achincalhado e degradado de tudo isto é o
Ministério da Educação, que acaba por aprovar cerca de 85% dos candidatos,
muitos dos quais se preparam para leccionar através de variantes da língua que
só existem nas respectivas cabeças. Trata-se, claro, da "geração mais
qualificada de sempre". Suponho que a menos qualificada comunicasse por
rabiscos em cavernas. E mesmo assim enganava-se a soletrar. »
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