quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Cabeças, Sentenças, Contendas




Mais uns “Dias Contados” da nossa leitura dominical, do Fórum do DN, assinado por Alberto Gonçalves, no prazer da leitura de um discurso de ironia brincalhona e corajosa, de free-lancer que não se submete a ditames por encomenda, porque sabe bem ponderar escolher os seus. Um discurso de rebeldia, mas de pessimismo também, que aliás é o que se pode ter num hoje em dia progressivamente absurdo, nas notícias, nacionais e estrangeiras, reflexo de acções por conta dos povos e dos governos, num encaminhar de descalabro em paralelo com um viver de liberdade e bem-estar material sem peso nem medida.
Trata o primeiro artigo de Alberto Gonçalves - A tragédia menor - da inanidade dos discursos solucionadores da “tragédia” de mais uma imundície nacional – desta vez do BES – com a estranha proposta de solução de dois Bancos – o Bom e o Mau – (a que faltou, em meu parecer, a do Banco assim-assim). Acusado de favorecer o Governo de Passos Coelho, Alberto Gonçalves conclui que «antes de irromper no fascinante universo partidário, tentaria a sorte como chofer de praça, carpinteiro de limpos ou pequeno traficante de analgésicos. A dignidade acima de tudo. Se pareço tolerar um Governo atroz é apenas porque as alternativas me parecem intoleráveis. Parece absurdo? Eis a política, sobre a qual toda a repulsa peca por escassa.»

Segue-se “Boicotes”, sobre o anti-semitismo actual,  que se dá o caso de ter longa tradição histórica, por vezes condenada quando é grande o exagero  no extermínio daqueles, hoje defendido por Israel demonstrar a força do seu poder – o que não é tolerável: «O que distingue a indignação perante as crianças, reais ou encenadas, mortas em Gaza da indiferença face às crianças mortas em qualquer outro lugar é a autoria das mortes. A Israel está vedada a possibilidade de defesa, ainda que contra a maior selvajaria. É habitual acusar os judeus de "vitimização", mas o papel de vítimas é o único que os anti-semitas, perdão, anti--sionistas, historicamente permitem aos judeus: o direito de se deixarem assassinar em silêncio. Absurdamente, Israel discorda, resiste e, graças ao poderio bélico, subjuga o adversário. Tamanha perversão não se admite. Só se admite Israel resignado e de preferência extinto. Até lá, os "boicotes" continuam, embora possamos chamá-los pelo seu verdadeiro nome.»

O terceiro artigo – “Autarca em digressão” – sobre António Costa, não requer comentário, o assunto acatando diferentes pontos de vista.

Quanto ao quarto artigo – A Alegoria da Caverna sobre o caso dos professores submetidos a  exame, negativo para estes, pelos erros de ortografia, há um lapso na metáfora escolhida, creio que por distracção apressada, a questão tendo mais a ver com a aquisição gradual do verdadeiro conhecimento, o do conhecimento filosófico, (as Ideias segundo Platão) que superam as do senso comum (as sombras da Caverna) que Camões traduz magistralmente nas redondilhas «Sobolos rios que vão»:
«E aquela humana figura,
que cá me pode alterar,
não é quem se há-de buscar:
é raio da Fermosura,
que só se deve de amar.
23
Que os olhos e a luz que ateia
o fogo que cá sujeita,
não do sol, mas da candeia,
é sombra daquela Ideia
que em Deus está mais perfeita.
E os que cá me cativaram
são poderosos afeitos
que os corações têm sujeitos;
sofistas que me ensinaram
maus caminhos por direitos.»

Eis os textos de «Dias Contados» de Alberto Gonçalves:
A tragédia menor
por ALBERTO GONÇALVES
10 agosto 2014
«A propósito da solução para o BES, António José Seguro teme que os contribuintes venham a assumir os erros dos privados, António Costa lamenta que os pequenos accionistas se afundem com o "banco mau", a menina Catarina do BE disse umas coisas naturalmente desvairadas e o PCP, que ainda há semanas pedia a nacionalização do banco, acusa o Governo de resgatar o banco com dinheiros públicos. Eu, que acho misteriosa qualquer operação financeira acima dos cem mil euros, tenho uma única certeza: com ou sem BES, o "novo" ou o "velho", o fisco continuará a aliviar-me com regularidade.
Se o caso BES serve de alguma coisa, é de lição. O arranjinho encontrado é uma desgraça? Talvez, mas talvez não pudesse ser melhor, ou talvez, a julgar pelas assarapantadas reacções da esquerda, pudesse ser bastante pior. E este falso paradoxo é, afinal, uma educação acerca do máximo que se deve esperar da acção governativa, que nunca é a arte de procurar a resposta ideal, e sim a de tentar fugir à resposta catastrófica. Décadas de recorrentes desilusões democráticas teriam sido evitadas se os cidadãos - e os políticos - observassem esse simples preceito.
Esqueçam o pormenor (desculpem o eufemismo) do BES e pensem no "quadro geral": o Governo é lamentável? Das indecisões às péssimas decisões, da retórica reformista à incapacidade de reformar, da fama "neoliberal" ao proveito dos impostos, do folclore de Relvas aos amigos na Santa Casa, claro que sim. Só que a questão é outra: descontados os fiéis e os oportunistas, alguém encontra nas oposições o esboço de um governo preferível? Dito de maneira diferente, o País estaria menos sufocado com o dr. Seguro ou o dr. Costa (a fim de evitar embaraços, nem menciono o PCP e as setenta agremiações destinadas a unir a esquerda)?
Semanalmente, diversos exaltados acusam-me, nas "caixas" de comentários do DN online, de escrever a expensas do poder ou de sonhar em alcançá-lo. Para mal da minha conta bancária, a primeira acusação é falsa; para bem da nação, a segunda é delirante: antes de irromper no fascinante universo partidário, tentaria a sorte como chofer de praça, carpinteiro de limpos ou pequeno traficante de analgésicos. A dignidade acima de tudo. Se pareço tolerar um Governo atroz é apenas porque as alternativas me parecem intoleráveis. Parece absurdo? Eis a política, sobre a qual toda a repulsa peca por escassa.»

Boicotes
6/8
«Dentro do interessante debate anti-semitismo versus "anti-sionismo", há a notícia de que no Reino Unido um deputado quer declarar a zona que representa "Israel free", ou seja interdita a produtos e pessoas de Israel.
Nem é preciso evocar certo acontecimento do século XX: das cruzadas às limpezas de guetos no Leste, passando pelos regulares massacres no Norte de África e pelos pogroms russos, enxotar "israelitas", ou frequentemente exterminá-los, é costume antigo. E se os tempos vigentes exigem acrescida impostura, a verdade é que "boicotes" assim são muito mais do que uma consequência do conflito do Médio Oriente: são, na sua essência, uma tradição com longuíssimos séculos.
O que distingue a indignação perante as crianças, reais ou encenadas, mortas em Gaza da indiferença face às crianças mortas em qualquer outro lugar é a autoria das mortes. A Israel está vedada a possibilidade de defesa, ainda que contra a maior selvajaria. É habitual acusar os judeus de "vitimização", mas o papel de vítimas é o único que os anti-semitas, perdão, anti--sionistas, historicamente permitem aos judeus: o direito de se deixarem assassinar em silêncio. Absurdamente, Israel discorda, resiste e, graças ao poderio bélico, subjuga o adversário. Tamanha perversão não se admite. Só se admite Israel resignado e de preferência extinto. Até lá, os "boicotes" continuam, embora possamos chamá-los pelo seu verdadeiro nome.»

O autarca em digressão
7/8
«Nem Agosto cala o dr. Costa, para mal dos nossos pecados e das suas ambições políticas. Se o homem nada tem de extraordinário, quase tudo o que diz o é. Agora deu uma entrevista à Visão na qual afirma que "muita gente votou" nele nas autárquicas a fim de lhe "dar força para assumir outras responsabilidades". Jura? Como se mede tal intenção? Havia um post scriptum ao lado do "x" a rezar "Salve a pátria, doutor!"? Qualquer dia, o edil de Salvaterra de Magos aparece a explicar que afinal a sua eleição destinava-se a pousá-lo em Belém. Ou o chefe da freguesia de Nespereira (Lousada) a garantir que de facto foi escolhido a pensar na Comissão Europeia.
Brincadeiras à parte, a verdade é que se confirma uma concepção muito peculiar da democracia e da relação de confiança entre eleitor e eleito. Para o dr. Costa, a democracia é, em mais do que um sentido, um cheque em branco. E a confiança é ilimitada.
Só isto explica que o dr. Costa ignore orgulhosamente as funções que deveria desempenhar em benefício da campanha interna do PS. Um dia, se o deixarem, tratará de trocar "outras responsabilidades" pelas responsabilidades que bem entender, leia-se trocar a salvação da pátria pelo empenho em afundá-la com rapidez. A começar pelos lisboetas, já toda a gente percebeu que o dr. Costa não é brilhante. Convinha perceber-se que esse filho da leviandade e da ambição é capaz de ser perigoso. E perigos temos que cheguem, obrigadinho.»

A alegoria da caverna
9/8
«Dez mil professores foram sujeitos a uma prova de avaliação de conhecimentos. A maioria considerou a prova "básica" e "ridícula". Quase dois terços cometeram erros de ortografia, além de erros de pontuação e sintaxe. Uma percentagem indeterminada (e o sr. Nogueira do sindicato) atribuiu os erros ao Acordo Ortográfico. Contas feitas, apenas 10% dos erros se deveram a alterações na grafia. Uma federação sindical (a Fenprof) acha que a prova serve "para denegrir a imagem dos professores, achincalhá-los publicamente e, dessa forma, contribuir para a degradação da sua imagem social".
Permito-me discordar. Quem sai denegrido, achincalhado e degradado de tudo isto é o Ministério da Educação, que acaba por aprovar cerca de 85% dos candidatos, muitos dos quais se preparam para leccionar através de variantes da língua que só existem nas respectivas cabeças. Trata-se, claro, da "geração mais qualificada de sempre". Suponho que a menos qualificada comunicasse por rabiscos em cavernas. E mesmo assim enganava-se a soletrar. »

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