A propósito do texto “CLEPTOMANIA», enviou o Coronel
Adriano Miranda Lima para esse texto, publicado no A Bem da Nação, o
comentário que segue, que, como os outros seus comentários e textos tem o selo
da competência e da elegância discursiva. O Dr. Salles bem o reconheceu e publicou-o
como texto principal no seu blog.
«Esta opinião da Dra. Berta Brás parece-me mais
realista do que a análise do texto a que se refere.
Afinal, “isto está-nos na massa do sangue”, diz, e com
razão. E é por isso que é impossível anunciar uma era de regeneração e
redenção. É que não basta cortar uma ou outra árvore (podem ser muito mais do
que aquilo que supomos) para se poder afiançar que a floresta está sã e
promissora de abundante seiva e madeira. Sabemos bem que não, e é a nossa
História que o diz.
Revisitemos o desaire que foi o constitucionalismo
monárquico e o descalabro em que se saldou a I República para termos
forçosamente de concluir que o problema está na nossa incapacidade de nos
organizarmos em liberdade e com sentido de responsabilidade colectiva. Salazar
conseguiu um período de interregno com a sua imposta visão doméstica de um povo
rendido e conformado com a sua modéstia, ao mesmo tempo que acreditava na sua
ficção de um império contra os ventos da História, sem reparar na flagrante
contradição entre os extremos da sua utopia. Com o 25 de Abril, fez-se a festa
do exorcismo do “fascismo”, mas tanto bastou para a demagogia e a cegueira
arrasarem com o que tinha sido amealhado pelo velho de Santa Comba. Só os mais
lúcidos poderiam ter compreendido que o salazarismo foi a versão coerente da
nossa impotência económico-social colectiva (mesmo possuindo um império) e que
as reivindicações selvagens não tinham o sortilégio do Toque de Midas.
A adesão à CEE, que se julgava ser o virar da página,
pode ter sido o caminho menos indicado para um povo que precisava parar para
pensar, dentro dos seus muros e de si mesmo. A partir daí, de ilusão em ilusão,
de deslumbramento em deslumbramento, abdicámos de fazer a autognose que se
impunha, e não tardaríamos a chegar a esta perigosa encruzilhada. Não, não é
por culpa do José Sócrates que estamos nesta situação. O caldo de cultura foi
criado ou iniciado pelo chamado Cavaquismo (rédea solta para toda a sorte de
negócios e compadrios), e isto temos de reconhecer sem sofismas. O outro, o
Sócrates, quanto muito pode ser o bode sacrificial, com culpa ou sem ela, para
a lavagem dos nossos pecados. E se assim for, até tenho pena porque, mesmo a
provar-se em tribunal a sua “cleptomania”, considero que foi o governante que
mais visão estratégica teve para o país, como, aliás, o reconheceu o insuspeito
Santana Lopes. De resto, em matéria de culpas sobram à saciedade exemplos de
como nunca as conseguiremos assumir.
Se no seio de uma família responsável pela mais
importante instituição bancária assistimos a uma despudorada
auto-desculpabilização, tal como acontece na classe política que nos governa,
como esperar que outros menos visíveis (cidadãos e interesses privados) possam
um dia reconhecer e pedir perdão por se terem apropriado fraudulentamente de
dinheiros europeus que se destinavam a relançar a nossa economia? Sim, a culpa
é de todos, e “está-nos na massa do sangue”. É trágico mas é verdade. A
hipocrisia de alguns analistas (intelectuais, jornalistas, etc.) é tanta que
tentam distanciar-se e passar a mensagem de que são virgens impolutas, mas é
apenas uma questão de oportunidade para cometerem os mesmos erros e os mesmos
pecados. Está na "massa do sangue". Agora, vêm à tona vestígios do
que a Inquisição instilou na psique e na memória do nosso povo: a necessidade
de apontar o dedo e encontrar um culpado, a melhor maneira de mascarar as
culpas colectivas. Este festim de purga e revanchismo é que me repugna e quando
vejo pessoas com alguma responsabilidade intelectual e moral a ir na toada fico
preocupado porque isso sinaliza a nossa congénita incapacidade de ir ao fundo
de nós mesmos para sarar os males congénitos. Sim, acredito que a maldita
Inquisição foi uma das grandes responsáveis pelos nossos males e ainda hoje os
seus efeitos estão aí e impedem que possamos encontrar os meios para a cura
psicanalítica que se impõe. Herculano, Quental, Queirós e outros puseram o dedo
nesta chaga.
Transcrevo o comentário com que respondi ao escrito do
Coronel:
«Eu agradeço ao Sr. Coronel Adriano M.
Lima o longo e esclarecido comentário sobre a espécie de idiossincrasia que nos
define como nação, que provém de vários factores, entre os quais um ensino
anquilosado de longos anos, sem abertura para a modernidade e o progresso, mas,
sobretudo, pelo abandono cultural a que o povo foi votado, escravo de senhores
e sem outros direitos / deveres que os de trabalhar e servir, a iliteracia
mantendo-se ainda hoje em vários casos, um povo habituado a expedientes - pois
não é parvo - para singrar, sem outros hábitos de orientação que não sejam os
da lamúria e da acusação toscas. Os seus comentários eruditos ou textos muito
valorizam o A Bem da Nação.»
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