domingo, 28 de dezembro de 2014

Nunca apanharemos a carruagem



Um extenso artigo de António da Cunha Duarte Justo, publicado no A Bem da Nação - Do caso insólito de uma Nação inteira em orgasmo fora do lugar - que, da terra onde vive e ensina, na Alemanha,  põe o dedo uma vez mais nas muitas feridas que tanto excitam o nosso pequeno país, mas o não convencem a colaborar com uma Justiça que procura estabelecer hábitos mais sólidos de higiene moral, mas o não consegue. Porque o povo, sem ginástica mental e deixando-se envolver apenas emocionalmente nos acontecimentos de escândalo, segue os guardadores de rebanhos da sua afeição, que todos visam deitar abaixo o Governo da Nação, sem reparar nos esforços que foram necessários para se atingir alguma credibilidade. O que o povo vê é apenas o seu próprio sacrifício de agora, não os aumentos consideráveis que os sucessivos governos lhe foram dando aos vencimentos com dinheiro alheio,  para lhe tapar os olhos e os deixar seguir, a esses, no seu próprio viaduto, bem montado de esquemas e contrapartidas, em distensão corruptiva de extraordinário efeito. E Duarte Justo cita-lhes os nomes, desses casos escondidos que remontam de longe. Por isso, quando um deles é acusado e feito prisioneiro, alguns desses amigalhaços protegem-no, visitam-no, defendem-no com emoção e cólera, ou apenas no silêncio cuidadoso da sua preocupação por si próprios. E ninguém grita “Mea culpa também”!

Do caso insólito de uma Nação inteira em orgasmo fora do lugar

José Sócrates – o Berlusconi português – parece um figo maduro a gingar na figueira 25 de Abril. Esta tem muitos outros figos prontos a cair e outros ainda a amadurecer, neste jardim outonal de brandos costumes “à beira mar plantado”. Será que Portugal se quer restabelecer? Por enquanto, ainda se encontram muitos outros figos melados bem agarrados à figueira já murcha por tanto chupar e pela já sumida terra do jardim. Mas Portugal se se quer salvar, por algum lado há-de começar. Do húmus dos figos caídos talvez a terra se torne fértil.
O Ministério Público na sequência de investigação de casos de crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais mandou deter José Sócrates (ex-primeiro ministro) para interrogatório judicial e também um sujeito ligado ao grupo Lena, outro à empresa de Carlos Santos Silva e um outro representante da empresa multinacional farmacêutica Octapharma, de que José Sócrates é empregado desde 2013, segundo informou o jornal Sol.
Muitos “inocentes”, ficaram escandalizados pelo facto de Sócrates ter sido preso no aeroporto de Lisboa às 22H, à chegada de Paris e lá já se encontrarem as câmaras de TV, caso que os leva a especular sobre “fugas de informações”.
Fuga de informações?! Quando é que as não houve em Portugal? Isto parece conversa encomendada para desviar do assunto principal (a corrupção institucionalizada) para coisas marginais. A opinião pública portuguesa é geralmente encharcada com coisas que falam ao coração para desviar da mente e assim desobrigarem a atenção duma corrupção tanto da esquerda como da direita mas que se quer manter anónima nas caves da nação. Também a Justiça e os órgãos do Estado precisam do folclore das detenções para se irem safando; a corrupção também banha as suas praias; não vivêssemos nós num Portugal tão pequenino de amigos e vizinhos.
Também se fala de “Justiça versus Política”! Isso também não, nunca houve; o que sempre houve foi uma política telenovela para o povo português e muitíssimos mações e amigos bem posicionados também na Justiça que bem sabem contribuir para a desinformação. Justiça atenta à política seria completamente impossível no nosso Portugal moderno atendendo à actividade da maçonaria (de timbre inglês e francês) e outras forças fomentadoras da promiscuidade política, financeira, dos Media e da Justiça, que manobram a partir de um Portugal subterrâneo, onde se encontram em erupção, desde as Invasões Francesas.
O problema da interferência e conivência entre os poderes é já antigo, é um legado republicano que vem não só da politização da Justiça mas da “judicialização” da política que se deve a um Estado minado por organizações fortes, num país pequeno onde todos os grandes se conhecem e se julgam ser a casa do povo de um país ordinariamente partidarizado porque despolitizado. Defender uns para atacar outros implicaria reduzir a questão à alternativa: Lúcifer ou Belzebu; o que significaria continuar a fomentar um pensar bipolar que leva a pactuar com a corrupção!
A Democracia portuguesa está já saturada de corrupção; é de recordar, entre outros, os casos dos diamantes em torno de Soares, dos projectos para um novo aeroporto, das parcerias público-privadas (PPP), da Casa Pia, dos Submarinos, dos vistos gold, de José Sócrates, etc.; tudo deu em águas de bacalhau; tudo isto revela apenas a ponta do icebergue, num Portugal de esquerdas que se tornaram milionárias quando queriam acabar com as direitas milionárias.
Chegou a hora em que seria óbvio salvar a honra da República e devolver a dignidade ao povo, deixando de continuar a pensar apenas no tradicional sistema bipolar. Seria chegada a hora de saudar e apoiar as forças do Ministério Público e de Juízes que mostrem carácter e boa intenção, para que se comece a arrumar com o suborno e a corrupção encostada ao Estado Português; em vez disso enxovalha-se o juiz que precisaria da força de uma opinião pública renovada, para se atreverem a iniciar outros processos. Muitos acólitos dos diferentes senhorios ficam medrosos e logo se apressam a desculpar a corrupção vigente, com o argumento que personalidades do outro partido também são corruptas, segundo a máxima: os meus são ladrõezitos e os dos outros são ladrões. Nesta lógica, do salve-se a ladroeira, legitima-se toda a corrupção e o país em vez de se regenerar continua a masturbar-se, como sempre.
A coragem do juiz poderia ser um sinal de que a honradez e a justiça de muita gente desorganizada mas honrada querem ter palavra em Portugal. Naturalmente, também a Justiça deveria, para se tornar credível, proferir um mea culpa e deixar de se servir de direitos reservados para Deputados, Secretários de Estado e Ministros; não o faz porque acima da Justiça imperam certamente outros interesses e outras ordens.
Se o povo não está atento – e não pode está-lo – esta será a hora dos operadores subterrâneos do Estado que desconversarão sobre esta “tragédia pessoal” de grande quilate, de modo a ficar tudo na mesma, com tudo a favor da contínua tragédia de um povo indefeso. Partidarizar o discurso é justificar a corrupção que em Portugal é institucional, como já foi constatado publicamente.
Sem a mudança radical da Justiça portuguesa, Portugal não toma emenda. Portugal não tomará emenda enquanto continuar a analisar a sua vida sob as perspectivas partidárias.
A prisão de José Sócrates parece um acto desesperado no sentido de recuperar alguns créditos na confiança popular. Naturalmente, para engavetar este tubarão teriam de engavetar muitíssimos outros e estes não deixam porque são todos amigos entre si e a rede que os assiste foi feita à prova de corrupção. Em Portugal, e em países frágeis, em vez de se engavetar os criminosos engavetam-se os processos.
A questão é de tal modo enredada e a luta das famílias tradicionais e das famílias partidárias é tal, num Portugal pequenino mas dos grandinhos, que não deixa espaço para uma solução satisfatória. Enquanto em Portugal, para se subir, for preciso entrar em instituições parasitas do Estado, não será possível formar-se uma alternativa honrosa.
Sócrates, ex-primeiro ministro português, agora o número 44 da Prisão de Évora, é uma grande oportunidade para toda a nação pensar sobre as razões que levaram Portugal e as instituições portuguesas a chegar ao ponto extremo onde chegaram.
António da Cunha Duarte Justo

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