quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Pícaro



Um estilo a definir-se em progressiva formulação irónica, tal é mais este artigo de Alberto Gonçalves, saído no DN de 8/2/15 – «Luzes da Ribalta» – denunciador de um crítico olhar atento ao pormenor da frivolidade de actuação de uma sociedade provinciana, sem grandes princípios educativos, e que por isso estica ainda mais as botas da sua pose, tal como o fazia já no século XIX, segundo denúncia queirosiana. De facto, o texto “Luzes da Ribalta” disso nos informa, a partir do estardalhaço criado à volta de qualquer produção de êxito português, sobretudo se tem a ocasião de ser utilizado lá fora, caso do candeeiro português num filme de Hollywood, ou o chapéu de Johnny Depp manufacturado numa fábrica de Oliveira de Azeméis. O que prova o nosso irredutível complexo de inferioridade face ao estrangeiro.
Igualmente o tom trocista percorre o artigo intitulado «Assim se vê a força da ANPC» (Autoridade Nacional da Protecção Civil), que «embora falte à ANPC um “c”, vítima do acordo ortográfico, não lhe falta empenho na salvação dos cidadãos desamparados face ao frio, ao calor ou ao clima ameno.» E segue-se o excesso de informação paternalista da ANCP, no caso de qualquer borrasca: «Para cúmulo, além de prever o frio, a ANPC ensina aos incautos como lidar com ele. Muitas pessoas ainda possuem a tendência natural de correr na neve em pelota, atitude que a ANPC desaconselha rem favor do “uso de várias camadas de roupa”, coisa que, se pensarmos bem, até faz mais sentido. Na estrada, aos que pensam que o gelo e a geada favorecem velocidades superiores a 180 km/h, a ANPC recomenda uma “condução defensiva”. No interior das habitações, a ANCP arrefece os instintos de quem quer aproveitar as baixíssimas tarifas de electricidade e manter os aquecedores ligados a noite inteira: convém desligá-los antes de dormir. E o mesmo vale para as lareiras, já que o povo ignaro desconhece que o fogo pode incendiar uma casa. A ANPC justifica o nome e cumpre plenamente a função primordial do Estado: proteger-nos, visto que sozinhos não nos governamos. Seria justo sairmos à rua a gritar vivas à ANPC, desde que esta nos lembre da necessidade de um agasalho.

Na verdade, quando penso em programas franceses que, sempre que posso, me fazem deleitar-me frente à TV5, e comparo com os nossos, feitos no alarido e diversão constantes, não posso deixar de concordar com a expressão jocosa de Alberto Gonçalves, certamente que desejoso de ser tratado com menos infantilidade. Um simples programa de culinária, «Dans la peau d’un chef» por Christophe Michalak, antes do «Questions pour un Champion» reúne todos os requisitos de um programa simultaneamente cultural, educativo, de arte, de requinte e de educação, na sobriedade e precisão dos gestos e das falas, nos comentários e simpatia dos chefes, na realização por estes de um prato artístico que será a seguir imitado por dois concorrentes, em rigor horário, submetido à apreciação dos chefes. O mesmo se dirá de programas como «Thalassa» que nos fazem percorrer o mundo inteiro, no seu trabalho, nas suas paisagens, na sua cultura, no seu dinamismo. E tantos outros, que nos dão a conhecer a França, na sua História, na sua Arte, nas suas realizações. Para não falar em outros de diversão, de extraordinária dimensão artística, como os de Patrick Sébastien, animador de “Le plus grand cabaret du monde”, ou o dinâmico “Questions pour un Champion” que em nada se equipara ao lânguido e exibicionista programa da Manuela Moura Guedes na RTP.
Ao desviar-me da intenção primeira – a de comentar os artigos de Alberto Gonçalves – julgo dar-lhe apoio no seu desejo reformista, de ambicionar um melhor papel cultural para as nossas televisões, condicionados embora por tantos obstáculos da nossa natureza generosa e chocalheira, irradiando simpatia junto do povo festivaleiro. E pouco mais.
Quanto ao artigo «O buraco negro», que refere o divisionismo do PS relativamente às argúcias de Alexis Tsipras, na resolução do problema do défice grego, transcrevo o texto de Alberto Gonçalves, revelador igualmente do “vazio” argumentativo de António Costa, na dualidade pró ou contra Tsipras, que aponta a ambiguidade astuciosa do seu pensamento ambicioso de poder.
Indicaria, em reforço do pró de Costa, como demonstração provocatória pitoresca mais visível, a exclusão “espalhafatosa” da gravata convencional junto dos camaradas espanhóis. A exclusão da gravata torna mais vazio o buraco. Ou mais negro.

«O buraco negro»
«Há eleições na Grécia e, de acordo com a sua incompreensível natureza, o PS divide-se. Certa ala hoje “marginal”, de Jaime Gama a Vital Moreira, discorda dos “delírios” do Syriza, enquanto as escolas de pensamento dominantes acham, sabe-se lá porquê, que o futuro de Portugal, da Europa e da humanidade dependem do sucesso do Syriza.
A questão é: qual Syriza? Os valentes que sonham demolir a hegemonia alemã ou os pelintras que imploram à Alemanha que não os deserde? Os revolucionários que desprezam as obrigações acordadas ou os desgraçadinhos que não conseguem uma reunião com a srª Merkel? Os pantomineiros que ameaçam sair da UE ou os pobres diabos temerosos de que a UE corra com eles?
Entre as altíssimas figuras socialistas, a única que mostrou perceber em absoluto a contraditória complexidade  dos novos senhores gregos foi, sem grande surpresa, o líder António Costa. Em dois ou três dias, esse vibrante indivíduo celebrou a firmeza do Syriza, e a “involução” do Syriza, condenou a austeridade e a renegociação da dívida, defendeu o rigor e a irresponsabilidade, admitiu todas as soluções e comprometeu-se com nenhuma, desmontando de uma assentada as más-línguas que o davam como sucessor natural dos monumentos ao vazio que costumam mandar em nós. Nada disso: o génio do Dr. Costa é um vazio de outra dimensão e gabarito, talvez só comparável a um buraco negro, uma metáfora e, se não tivermos juízo, um destino.»

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