Um estilo a definir-se em progressiva
formulação irónica, tal é mais este artigo de Alberto Gonçalves, saído no DN de
8/2/15 – «Luzes da Ribalta» – denunciador de um crítico olhar atento
ao pormenor da frivolidade de actuação de uma sociedade provinciana, sem
grandes princípios educativos, e que por isso estica ainda mais as botas da sua
pose, tal como o fazia já no século XIX, segundo denúncia queirosiana. De
facto, o texto “Luzes da Ribalta” disso nos informa, a partir do
estardalhaço criado à volta de qualquer produção de êxito português, sobretudo
se tem a ocasião de ser utilizado lá fora, caso do candeeiro português num
filme de Hollywood, ou o chapéu de Johnny Depp manufacturado numa fábrica de
Oliveira de Azeméis. O que prova o nosso irredutível complexo de inferioridade
face ao estrangeiro.
Igualmente o tom trocista percorre o artigo intitulado
«Assim se vê a força da ANPC» (Autoridade Nacional da Protecção
Civil), que «embora falte à ANPC um “c”, vítima do acordo ortográfico, não
lhe falta empenho na salvação dos cidadãos desamparados face ao frio, ao calor
ou ao clima ameno.» E segue-se o excesso de informação paternalista da
ANCP, no caso de qualquer borrasca: «Para cúmulo, além de prever o frio, a
ANPC ensina aos incautos como lidar com ele. Muitas pessoas ainda possuem a
tendência natural de correr na neve em pelota, atitude que a ANPC desaconselha
rem favor do “uso de várias camadas de roupa”, coisa que, se pensarmos
bem, até faz mais sentido. Na estrada, aos que pensam que o gelo e a geada
favorecem velocidades superiores a 180 km/h, a ANPC recomenda uma “condução
defensiva”. No interior das habitações, a ANCP arrefece os instintos de
quem quer aproveitar as baixíssimas tarifas de electricidade e manter os aquecedores
ligados a noite inteira: convém desligá-los antes de dormir. E o mesmo vale
para as lareiras, já que o povo ignaro desconhece que o fogo pode incendiar uma
casa. A ANPC justifica o nome e cumpre plenamente a função primordial do Estado:
proteger-nos, visto que sozinhos não nos governamos. Seria justo sairmos à rua
a gritar vivas à ANPC, desde que esta nos lembre da necessidade de um agasalho.
Na verdade, quando penso em programas franceses que, sempre
que posso, me fazem deleitar-me frente à TV5, e comparo com os nossos, feitos
no alarido e diversão constantes, não posso deixar de concordar com a expressão
jocosa de Alberto Gonçalves, certamente que desejoso de ser tratado com menos
infantilidade. Um simples programa de culinária, «Dans la peau d’un chef»
por Christophe Michalak, antes do «Questions pour un Champion» reúne todos
os requisitos de um programa simultaneamente cultural, educativo, de arte, de requinte
e de educação, na sobriedade e precisão dos gestos e das falas, nos comentários
e simpatia dos chefes, na realização por estes de um prato artístico que será a
seguir imitado por dois concorrentes, em rigor horário, submetido à apreciação
dos chefes. O mesmo se dirá de programas como «Thalassa» que nos fazem
percorrer o mundo inteiro, no seu trabalho, nas suas paisagens, na sua cultura,
no seu dinamismo. E tantos outros, que nos dão a conhecer a França, na sua História,
na sua Arte, nas suas realizações. Para não falar em outros de diversão, de
extraordinária dimensão artística, como os de Patrick Sébastien, animador de “Le
plus grand cabaret du monde”, ou o dinâmico “Questions pour un Champion”
que em nada se equipara ao lânguido e exibicionista programa da Manuela Moura
Guedes na RTP.
Ao desviar-me da intenção primeira – a de comentar os
artigos de Alberto Gonçalves – julgo dar-lhe apoio no seu desejo reformista, de
ambicionar um melhor papel cultural para as nossas televisões, condicionados
embora por tantos obstáculos da nossa natureza generosa e chocalheira,
irradiando simpatia junto do povo festivaleiro. E pouco mais.
Quanto ao artigo «O buraco negro», que refere
o divisionismo do PS relativamente às argúcias de Alexis Tsipras, na resolução
do problema do défice grego, transcrevo o texto de Alberto Gonçalves, revelador
igualmente do “vazio” argumentativo de António Costa, na dualidade pró ou
contra Tsipras, que aponta a ambiguidade astuciosa do seu pensamento ambicioso
de poder.
Indicaria, em reforço do pró de Costa, como demonstração
provocatória pitoresca mais visível, a exclusão “espalhafatosa” da gravata convencional
junto dos camaradas espanhóis. A exclusão da gravata torna mais vazio o buraco.
Ou mais negro.
«O buraco negro»
«Há eleições na Grécia e, de acordo com a sua incompreensível
natureza, o PS divide-se. Certa ala hoje “marginal”, de Jaime Gama a Vital
Moreira, discorda dos “delírios” do Syriza, enquanto as escolas de pensamento
dominantes acham, sabe-se lá porquê, que o futuro de Portugal, da Europa e da
humanidade dependem do sucesso do Syriza.
A questão é: qual Syriza? Os valentes que sonham demolir a
hegemonia alemã ou os pelintras que imploram à Alemanha que não os deserde? Os revolucionários
que desprezam as obrigações acordadas ou os desgraçadinhos que não conseguem
uma reunião com a srª Merkel? Os pantomineiros que ameaçam sair da UE ou os pobres
diabos temerosos de que a UE corra com eles?
Entre as altíssimas figuras socialistas, a única que mostrou
perceber em absoluto a contraditória complexidade dos novos senhores gregos foi, sem grande
surpresa, o líder António Costa. Em dois ou três dias, esse vibrante indivíduo
celebrou a firmeza do Syriza, e a “involução” do Syriza, condenou a austeridade
e a renegociação da dívida, defendeu o rigor e a irresponsabilidade, admitiu
todas as soluções e comprometeu-se com nenhuma, desmontando de uma assentada as
más-línguas que o davam como sucessor natural dos monumentos ao vazio que
costumam mandar em nós. Nada disso: o génio do Dr. Costa é um vazio de outra
dimensão e gabarito, talvez só comparável a um buraco negro, uma metáfora e, se
não tivermos juízo, um destino.»
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