Uma página literária de grande relevo de pensamento,
abrangendo o fenómeno social dos nossos tempos que, aparentando a defesa de
direitos humanos, na realidade converge numa formidável alienação tumultuosa,
tantas vezes facinorosa, possibilitada pelas democracias que, em nome da fé ou
do altruísmo, ou do sentido de justiça e da igualdade, pratica as maiores
desigualdades e extremismos criminosos, na passividade dos governos apenas atentos
ao “rumor do ventre” da sociedade ou às alternativas ou/ou.
Tal me parece a página seguinte, de António da
Cunha Duarte Justo, publicada no “A Bem da Nação”:
«Quinta-feira, 12 de Fevereiro de 2015»
Marselha
«FALÊNCIA
DO MODELO RELIGIOSO E DO MODELO SECULAR?»
«Republicanismo e
Terrorismo em Luta contra a própria Descrença
Atentado de Paris –
Cultura árabe e sua Ficção em Efervescência
O mal é como o cuco;
procura ninhos alheios onde coloca os ovos que outros chocam.»
«Não nos encontramos num
conflito religioso como a república, o cinismo ou a ingenuidade da ‘correcção
política’ nos quer fazer entender; trata-se, por um lado, de um confronto de
culturas em que uma cultura árabe, através da religião, quer afirmar a sua
supremacia geoestratégica contra outras supremacias e mundivisões; trata-se da
falência de uma política ocidental de estratégica errada que tem desestabilizado
o mundo árabe e as sociedades ocidentais e trata-se por outro lado dos
paradigmas da ciência (razão) e da religião (sentimento) falidos que se
confrontam num estado secular vazio e desautorizado.
Estados malcomportados
recusam-se a encarar as consequências das suas ideologias, políticas económicas
e realidades sociais por elas criadas, pensando que os problemas com que se
debatem se podem iludir e adiar, bastando para isso qualificar o efervescer da
sociedade como conflito religioso ou como uma questão de estrangeiros,
extremistas e racistas descontentes. Isto não passa de uma impostura
fraudulenta, de que a república secular se serve, para jacobinamente
desacreditar a religião dos seus cidadãos para melhor poder continuar a
desobrigar-se num modo de vida ad hoc.
O cerrar fileiras da
classe política europeia e o sucesso da “marcha republicana” de Paris, não nos
pode iludir do facto que os modelos da religião, da ciência e da política
falharam, encontrando-se a sociedade no início de um caos de guerrilha e de
asilo interior. Profanaram o templo do povo e agora andam à procura dos cacos!
O Ocidente perdeu o
sentido, não me refiro ao religioso; perdeu o seu tecto metafísico, abusou de
si e dos outros; agora colhe os frutos do que plantou.
A alienação ideológica,
religiosa, secular, científica e política, em que se tem vivido, vai demolindo
todos os padrões acabando na autodestruição. Na falta de sentido e
visão global da vida, resta a guerrilha da opinião em nome de não importa o
quê. Uns combatem em nome da república contra Deus, outros em nome de Deus
contra a república, cada qual atrás da sua bandeira, sem contar com o próximo.
Chega a ter-se a impressão de que um estado ou uma religião que prescindisse de
combater perderia os seus heróis e os seus santos/mártires.
Numa sociedade moderna
stressada, tudo passa a ser soldado num campo de batalha em que todos se
provocam; os caricaturistas lutam pela liberdade, os islamistas combatem pelo
seu Maomé e os tolerantes lutam contra a intolerância dos intolerantes. Na nossa
luta pelas verdades republicanas tudo se julga bom sem notar que justifica a
luta pela luta e procura o sentido nela.
Se se observam as coisas
mais de perto, pode chegar-se à conclusão que o combate é o mesmo e tem a
mesma fonte: islamistas e caricaturistas combatem a própria
incredulidade. Os radicais da república, da liberdade ou da religião têm
problemas de balance, faltando, na sua personalidade, o equilíbrio entre
sentimento e razão, passando assim a um estado de recalcamento, nuns da
religiosidade (afecto), noutros da racionalidade. E como racionalidade e
afectividade não se juntam o homem combate-se a si mesmo.
Na Europa o povo sente-se
inseguro; não se sente levada a sério pela classe política e tem medo de falar
espontaneamente porque o seu falar pode não corresponder ao pensar
politicamente correcto que determina o que é opinião boa ou opinião má e
isto tem consequências drásticas imediatas no seu ambiente de convívio, porque,
de repente, pode ser deitado ao ostracismo, pelo simples facto de pensar
diferente da manada ou dos seus diferentes pastoreios. O pensar politicamente
correcto, tem medo do pensamento diferenciado e, para manter a sua hegemonia,
logo coloca uma opinião não conforme, na esquina ou cena dos extremistas de
direita ou de esquerda. Isto acontece na escola, entre colegas docentes, entre
amigos ou conhecidos e em meios sociais como Facebook, etc. Deste modo se evita
uma maneira de estar racional e humana porque evita o pensamento logo à partida
e impede a prática da tolerância.
Por todo o mundo há
incêndios e incendiários mas a sociedade encontra-se à chuva e o busílis é que
ninguém sabe onde abrigar-se. O que a sociedade civil critica na sociedade
árabe, como a prática do gueto, pratica-o ela mesma, na medida em que cria os
seus guetos de opiniões e mentalidades cerradas (partidárias, religiosas,
ideológicas) numa sociedade declarada aberta mas com carris ideológicos que
determinam o desencontro das pessoas.
Por vezes tem-se a
impressão de que, na opinião pública, estados laicos se servem do Islão e da
religião para segundas intenções. Onde se procuram culpados não se procura
solução; ao poder interessa manter as massas distraídas e em filas para que uns
se contentem com o ter razão e outros com ter o poder.
A classe política, em
muitos sectores, brinca com o fogo, contentando-se com o rumor do ventre da
sociedade que se expressa em posições antagónicas de grupos, por vezes
direccionados, que se desqualificam uns aos outros e deste modo ilibam os
governos de responsabilidades. Além de não saberem lidar com sentimentos só
sabem enquadrar a realidade em termos alternativos de sim-não e de ou-ou.»
Continua em “O pensamento está de
férias em tempos emocionais”
António da Cunha Duarte
Justo
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