Tenho presentes três artigos sobre o braço
de ferro entre o governo grego e aqueles a quem deve e pretende continuar a
dever, criança mimada e permanentemente na infância, que só tem direito a
receber. E os que lhe seguem a linha do atropelo, que eles acham heróica, de
truques para não pagar, enfiam-se no mesmo princípio de mamada sôfrega da teta
europeia, num balido que acham enternecedor.
São textos extensos, sobretudo o de José Manuel
Fernandes, que acabei por transcrever na íntegra excepto o de António da
Cunha Duarte Justo – publicado no “A Bem da Nação”, tem por título e
subtítulo - «O UIVAR DOS LOBOS EM TORNO DA ACRÓPOLE- Em vão na Esperança
do Zé do Telhado» e dele extraio os passos seguintes, o primeiro de
crítica, o segundo de hipótese de solução:
…«Enquanto
uma opinião pública coitadinha reagir como reage, as personalidades
representantes das instituições continuarão a justificar a política de cúpulas
de Bruxelas e a justificar grupos marginais que apostam em políticas de “Zé do
Telhado”. Actualmente não é possível uma discussão objectiva porque cada pessoa
investe demasiado capital na sua opinião. O aspecto positivo de que a Grécia se
pode gloriar é ter chamado a atenção para a política unilateral da troika, uma
política contra o povo e a favor das instituições.
Quanto à
Grécia, a Alemanha tem de aceitar um compromisso podre porque se a Grécia
saísse do Euro a Alemanha perderia os 60 mil milhões de Euros que lhe
emprestou. Portugal emprestou 1,1 mil milhões de euros. De recordar que o
perdão de metade da dívida grega em 2012 (de 100 mil milhões de euros), então
nas mãos de privados, prejudicou bancos portugueses: o BCP e o BPI perderam
então 590 milhões de euros. Por outro lado, os problemas das instituições
bancárias são saldados com o dinheiro do contribuinte.
O
problema do Euro vem das diferentes economias e diferente produtividade entre
os diferentes países e regiões e da diferente distribuição das empresas
produtivas. Um mesmo euro forte para todas as economias discrimina as economias
mais fracas. Por isso, como alguns ecónomos defendem, os países com pouca
competitividade deveriam ter ao mesmo tempo o euro e a moeda nacional (euro,
dracma, etc.); deste modo, estes poderiam dar resposta às diferentes economias
e concorrer com os países fortes porque teriam a moeda interna com que
regulariam o mercado interno de maneira aferida ao país; deste modo quem
quisesse consumir produtos importados teria de pagar muito mais e os países
mais fortes teriam mais dificuldade em exportar porque os seus produtos seriam
mais caros.»…
Do mesmo blog “A Bem da Nação”, o artigo de José
Manuel Fernandes
ESTOU
FARTO DO CHORADINHO DOS DESGRAÇADINHOS DOS GREGOS
Por José
Manuel Fernandes - 14/2/2015
«Os
problemas da Grécia não começam agora no Syriza nem acabarão com o Syriza. São
problemas antigos, entranhados, que fazem do país um corpo cada vez mais
estranho numa união monetária como o euro.
Escolho
algumas frases quase ao acaso. Frases de uma espécie de “discurso único” sobre
a Grécia em que esta é sempre apresentada como vítima. Vive-se “uma grave crise
humana”, escreve-se na carta que 32 personalidades enviaram ao
primeiro-ministro. E, claro, não há razão para qualquer “discurso punitivo”, a
Grécia não tem culpa de nada. A chanceler Merkel, como sentenciou Mário Soares,
é que a “responsável principal pela desgraça da Grécia “. Tudo por causa de
“uma política destruidora”, explicou de seguida o professor Louçã, como agora é
apresentado. E, também, por causa do “delírio especulativo” que criou “uma
pilha de dívida”, algo que se aplica certamente a um país onde 80% da dívida é
hoje detida pelos seus parceiros europeus, país que também paga as menores
taxas de juro e até beneficia de um período de carência. Claro que tudo isto
coincide e reforça o que Alexis Tsipras diz que sempre que tem um microfone
pela frente: “devastaram o Estado” e “criaram uma enorme crise humanitária”.
Quem o ouve diria que fala do Darfour.
Este
discurso é cansativo e unilateral. Pode parecer muito piedoso, mas acabará por
não ajudar a Grécia no longo prazo. E obscurece o tema que devíamos estar a
debater: pode uma zona monetária com uma moeda como o euro fazer conviver no
seu interior, sem constantes sobressaltos, crises e tensões, países tão
diferentes como a Grécia e a Holanda, ou Portugal e a Finlândia?
É por
isso que é importante contrariar este “discurso único” e, sobretudo, desmontar
muitos dos mitos que o alimentam.
O
primeiro mito é que a Grécia de hoje é a herdeira da Grécia da Antiguidade, a
Grécia que devemos a nossa civilização e que inspirou a nossa democracia.
Esta
ideia só muito parcialmente é verdadeira. A cultura grega clássica nasceu e
cresceu numa região muito mais vasta do que a da Grécia actual. Basta pensar
que, se de facto Sócrates, Platão ou Tucídides eram atenienses, Heródoto, o
primeiro dos historiadores, era de Halicarnasso (hoje Bodrum, na Turquia);
Arquimedes, o matemático, era de Siracusa, na Sícilia; Tales de Mileto, o
primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia, era de Mileto, hoje na
Turquia; Heráclito, o “pai da dialéctica, era de Éfeso, igualmente na Turquia;
Aristóteles era de Estagira, que fica hoje na Grécia mas que na época pertencia
à Macedónia; Euclides, o “pai da geometria”, era de Alexandria, no Egipto;
Pitágoras, o do célebre teorema, se nasceu na ilha grega de Samos, desenvolveu
a sua escola em Crotona, uma povoação no sul de Itália; e por aí adiante.
Por outro
lado, se pensarmos nas famosas sete maravilhas do mundo antigo, cinco deles
pertencem indiscutivelmente ao mundo grego, mas dessas só duas, a Estátua de
Zeus em Olimpo e o Colosso de Rodes, ficavam no que é a actual Grécia. Duas
estavam no que é hoje a Turquia – o Templo de Ártemis em Éfeso e o Mausoléu de
Halicarnasso – e a última no Egipto, o Farol de Alexandria.
A Grécia
moderna tem menos de dois séculos, pois antes o seu território estava sob
domínio otomano. Quando o país foi criado, havia uma tão radical ausência de
ligação ao passado que foi preciso inventar uma família real. O nosso D. Pedro
IV chegou a ser convidado para ser o primeiro rei da nova Grécia independente,
mas como recusou o trono acabou por ser entregue a Otão da Baviera, filho de
Luís I. Estávamos em 1832 e ele tinha apenas 18 anos.
A Grécia
que hoje conhecemos nasceu assim por vontade das grandes potências europeias –
Reino Unido, França e Rússia –, que a criaram na Conferência de Londres. Tudo
para, algumas décadas passadas, voltar a perder a soberania, já que o país
declarou bancarrota em 1983 (três anos depois de Portugal) e foi obrigado a
ficar sob a tutela dos credores. Uma Comissão Financeira Internacional
instalou-se em Atenas e passou a controlar directamente o orçamento de Estado.
Era a troika desses tempos, mas com menos cerimónia e menos piedade: 10% da população
acabou por emigrar.
A
história lá prosseguiu, com momentos de glória e de tragédia, mais uma
bancarrota em 1932, mas sempre com um traço distintivo, bem definido pelo
historiador grego Nicolas Bloudanis: “na Grécia o Estado só funciona de forma
intermitente”. Pior: “de cada vez que o Estado funcionou menos mal, tratava-se
de um Estado autoritário onde as liberdades políticas e civis estavam
limitadas. (…) Na memória colectiva grega o Estado é um Estado autoritário de
que convém desconfiar”.
Foi este
país que em 1974 saiu, tal como nós, de uma ditadura, mas que, ao contrário de
nós, beneficiou desde o primeiro momento de uma espécie de “via rápida” para a
adesão à então CEE. Alguns líderes dessa época, como o presidente francês
Giscard d’Estaing, achavam que a Europa não seria Europa sem uma Grécia que
viam como genuína herdeira da Grécia da Antiguidade Clássica. Foi ilusão que
durou pouco tempo: fazendo jus à sua real natureza de país entre o balcânico e
o levantino, a Grécia logo tratou de se opor à entrada de Portugal e Espanha,
ameaçando com um veto que só foi ultrapassado quando Bruxelas enviou ainda mais
dinheiro para Atenas. Um país solidário, portanto.
Não concordo, todavia, com o que afirma José Manuel
Fernandes sobre o a herança grega como mito, apoiado na tese da vastidão
dos espaços onde nasceram tantos ilustres, o que minimiza a importância da
Grécia antiga. Parece-me sacrilégio, caso para se retomar Pessoa:
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
Fernando Pessoa (Mensagem, 1934)
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
Fernando Pessoa (Mensagem, 1934)
Discordo da tese, lembrando,« os olhos gregos», que foi neles que o Ocidente
se espelhou, renascendo, como Fénix, em outras civilizações, a latina mais recuada,
as ocidentais mais recentes, a própria “Pedra da Roseta”, contribuindo, nas
alturas napoleónicas, para decifrar a escrita egípcia mais antiga, por aquela conter
a tradução em grego do trecho escrito em demótico e em escrita hieroglífica, o
que prova o vasto e antigo domínio da língua grega.
Esse facto deve estar na
origem do proteccionismo europeu sobre a Grécia actual, mas não é justo nem
honroso para a Grécia a trapalhada que criou e que os ocidentais sedentos
absorvem, sem respeito por valores de honra ou brio.
Leiamos a análise seguinte de José Manuel
Fernandes:
«O
segundo mito é que, se é verdade que os gregos cometeram erros e falsificaram
as contas, toda a culpa da situação actual é dos alemães e das suas “políticas
punitivas”
Não, não
e não. Os gregos não cometeram apenas alguns erros que, com paciência e
pedagogia, certamente ultrapassariam. Os gregos sempre actuaram de acordo com
uma cultura política que pouco ou nada tem a ver com a da Europa Ocidental e,
se algum erro maior fez a Europa, esse erro foi permitir a sua adesão à moeda
única, fechando os olhos a todas as evidências e ao mais elementar bom-senso.
De facto
não deve haver em nenhum outro país do euro hábitos políticos tão clientelares
e nepotistas como os da Grécia. Durante décadas os dois principais partidos, o
PASOK e Nova Democracia – que são também os dois principais responsáveis pela
situação a que o país chegou –, como que pertenciam a duas famílias, os
Caramanlis e os Papandreou. Mas não eram apenas os partidos que se estruturavam
em torno de grandes famílias, o país também os seguia de acordo com o mesmo
tipo de tradição. Como descrevia na época o mesmo Nicolas Bloudanis, na Grécia
“não se votava por ideologia” – até porque verdadeiramente esses dois partidos
pouco se diferenciam ideologicamente –, votava-se em função dos benefícios
materiais (e dos empregos) que podiam ser distribuídos. O que nem sequer é
demasiado estranho, pois se apesar de tudo os gregos não foram totalmente
absorvidos pelos otomanos isso deveu-se à sua fidelidade a duas velhas
tradições culturais: a rouspheti, ou dispensa recíproca de favores e de
protecções, e a mesa, ou rede de contactos e conhecimentos. O terreno era pois
propício ao suborno e à cunha.
A vitória
do Syriza pode ter a virtude de quebrar, pelo menos em parte, estas lógicas
ancestrais, lógicas que se entrelaçam com a corrupção e a fuga aos impostos.
Mas, em contrapartida pode fazer regredir o pouco que, apesar de tudo, tinha
evoluído na abertura da economia. Basta recordar que, antes do resgate, a
Grécia mantinha centenas de empresas nacionalizadas na década de 1980, quando
na Europa já se privatizava, o que fazia com que o Estado empregasse directamente
45% da população activa. O poder dos políticos gregos sempre se baseou muito na
distribuição de sinecuras e convivia bem com sindicatos poderosos que tinham
garantido que, nalgumas empresas do Estado, se chegassem a pagar-se 18, 20 ou
mesmo 22 ordenados por ano. O número de funcionários públicos também era
imenso: o dobro da média europeia em proporção da população. Para além disso,
eram pagos acima da média: um relatório da OCDE anterior ao resgate indica-nos
que um terço do total do dinheiro pago em salários em toda a economia grega era
só para pagar aos funcionários públicos.
Se este
era o quadro geral, todos nos recordamos da história dos 45 jardineiros que
tratavam dos quatro arbustos de um dos hospitais públicos de Atenas. Ou do
Instituto para a Protecção do Lago Kopais, um lago que está seco desde 1930. Ou
de as filhas dos funcionários públicos falecidos enquanto estas ainda eram
menores receberem uma pensão vitalícia.
E se o
Estado gastava desta forma, e tinha mais funcionários do que qualquer outro,
não foi preciso chegar a austeridade para não funcionar minimamente. Ainda
hoje, por exemplo, entidades como a Transparency Internacional combatem
situações como as que eram prática corrente nos hospitais, onde só com subornos
se conseguia uma consulta a tempo e horas, e só com subornos muito maiores se
chegava à mesa de operações. Era esse o sistema instituído e todos sabiam como
ele funcionava.
Enquanto
isto, não se pagavam impostos. Mais uma vez é famosa a história de os serviços
tributários utilizarem helicópteros para localizarem as casas com piscinas para
poderem cobrar a respectiva contribuição, mas é menos conhecido o facto de não
existir na Grécia um registo cadastral minimamente funcional que permitisse,
por exemplo, calcular um imposto equivalente ao IMI. Foi para tornear esse
problema que esse imposto começou a ser cobrado com a conta da electricidade,
uma decisão tomada no tempo da troika e que levou ao incumprimento e ao corte
da luz a centenas de milhares de gregos.
Um Estado
clientelar e gigante, uma economia dependente e corporativa, um sistema
político nepotista e uma sociedade civil habituada á corrupção e à dependência:
não é possível imaginar terreno mais fértil para, quando o dinheiro barato da
moeda única começou a chegar, se terem cometido todos os excessos. Todos os
nossos problemas, que eram e são muitos, são uma brincadeira de crianças ao
lado dos gregos.
O
terceiro mito é que foi o resgate que estrangulou a Grécia, fez crescer a sua
dívida, uma dívida que agora é impagável.
Não há
dúvida que quando a troika chegou a Atenas cometeu muitos erros de abordagem,
alguns dos quais até corrigiria depois na Irlanda e em Portugal. Houve medidas
de uma imensa brutalidade – basta recordar que enquanto em Portugal se
preservou e até se actualizaram as pensões mais baixas, na Grécia nem
prestações na casa dos 300 euros escaparam.
Mas essa
é só uma parte da história. A outra é que nunca, desde a primeira hora, o
governo grego, os políticos gregos, fizeram um real esforço para reformarem o
seu país. Começavam sempre por dizer que “não é possível”, “não vai funcionar”,
acabavam por ceder depois de culparem a Alemanha, e a seguir arrastavam os pés.
No princípio chegou a acontecer ter havido um acordo para reduzir os salários
dos funcionários públicos, uma condição imposta para a Grécia conseguir os
primeiros empréstimos, a lei ter saído e depois, nas costas do ministro das
Finanças, vários membros do Governo terem criado criaram novos suplementos
remuneratórios que repunham os vencimentos anteriores. Muitas leis exigidas nos
acordos também foram rapidamente aprovadas no parlamento para depois ficarem
meses ou anos à espera dos decretos regulamentares. Para ver a ineficiência com
que o programa foi aplicado basta lembrar que com dois resgates, mais quase
dois anos de troika do que nós e um sector público muito maior do que o nosso,
as receitas das privatizações gregas nem chegam a ser metade das conseguidas no
nosso país.
Não
surpreende assim que a espiral recessiva que tantos previram para o nosso país
e que não se materializou, tenha na Grécia provocado uma queda de 25% do PIB.
Mesmo assim é necessário colocar de novo as coisas em perspectiva: apesar dessa
queda, o PIB per capita, em paridade de poder de compra, dos gregos é neste
momento sensivelmente igual ao dos portugueses. O nosso salário mínimo também é
menor do que o grego, e muito menor ficará se o Syriza levar por diante as suas
intenções.
Tudo
isto mostra que, se por lá a “catástrofe” é assim tão grande, não é por falta
de riqueza, é pela conjugação de muitas destes factores de que tenho vindo a
falar e que convenientemente são sempre esquecidos. Mais: na última reunião do
Eurogrupo os ministros das Finanças da Eslováquia, da Eslovénia ou de Malta
lembraram que mesmo sendo nos seus países, na altura, menor o PIB per capita,
eles mesmo assim emprestaram dinheiro aos gregos. Já alguns ministros de
antigos países do Leste recordaram a Varoufakis que aquilo que tinham
emprestado correspondia ao que gastavam em subsídios de desemprego.
Resta o
argumento final: a dívida não é sustentável, pelo que a Grécia precisa ainda de
mais ajuda (mais dinheiro) da Europa. Mais uma vez estamos perante uma “verdade
mediática” que lida mal com a realidade dos factos. Primeiro, porque nenhum
outro país do grupo dos que foram resgatados beneficiou até hoje de um perdão
de dívida como a Grécia já teve. Foi em 2012, representou cerca de metade da
dívida que estava então em mãos de privados e tirou do deve e haver da Grécia
100 mil milhões de euros, uma quantia que, se fossemos nós os beneficiados, nos
aliviaria de muitas das nossas aflições. Nessa operação dois bancos
portugueses, o BCP e o BPI, perderam 590 milhões de euros, dinheiro que fez
muita falta ao financiamento da nossa economia.
Mas o
ponto principal nem sequer é esse. A Grécia já tem condições muito melhores do
que Portugal ou a Irlanda – prazos mais dilatados, melhores juros, carência no
pagamento desses juros. O resultado é que enquanto nós, com uma dívida
proporcionalmente muito mais baixa (127% do PIB contra 180%), pagamos o
equivalente a 5% do PIB em juros, a Grécia pagará entre 2,5% e 3,6%. Ou seja, a
dívida grega é maior mas pesa-lhes menos. E isso é que conta. Mais: não somos
só nós que, proporcionalmente, suportamos uma carga de juros superior à dos gregos,
os italianos e os irlandeses também estão na mesma situação.
O quarto
e último mito é que, liberta (de novo) de parte da dívida, a Grécia voltaria a
crescer, a ser próspera e, por isso, pagaria mais facilmente o remanescente dos
empréstimos.
Não há nenhum
político que não goste de ter dinheiro para gastar e distribuir. Não é preciso
ter “consciência social”, basta querer ser reeleito. Por isso a simples ideia
de que haveria mais dinheiro no orçamento porque passaria a haver menos
dinheiro para pagar juros é muito tentadora. Já é muito menos evidente que isso
induzisse um crescimento económico sustentável e é fácil ver porquê. Primeiro,
temos a experiência do passado: dinheiro barato e abundante foi o que a Grécia
teve até à crise de 2008, mas isso não deixou a sua economia mais forte e mais
competitiva, bem pelo contrário. Depois, temos a evidência das reformas que
ficaram pela metade, o que significa que a Grécia está muito longe de estar em
condições para concorrer num mundo globalizado permanecendo, ao mesmo tempo, no
colete-de-forças de uma moeda única. Finalmente, há o programa do Syriza, o
possível retrocesso em algumas dessas reformas e o regresso a um passado
próprio de uma economia fechada, protegida e ineficiente.
Um bom
exemplo daquilo de que falamos é o que se passa no Porto do Pireu. Um terço foi
privatizado e é hoje gerido por uma companhia chinesa. É eficiente, é um modelo
de organização, tem cada vez mais movimento e faz cada vez mais negócio. Os
outros dois terços continuam nas mãos do Estado – e dos sindicatos – e
continuam a perder clientes e movimento, sendo um espaço sujo e por vezes
degradado. Neste momento ninguém ainda percebeu se este pedaço do porto do
Pireu vai acabar por ser privatizado, como estava previsto e parece ser vontade
do ministro das Finanças, ou se tudo fica como está, como quer o ministro da
Marinha.
A
vitória do Syriza talvez mude alguma coisa na cultura de nepotismo que sempre
dominou a política grega, pode ser que até consiga combater a corrupção com
mais eficácia e até ser mais diligente no combate à evasão fiscal. Mas essa
vitória não mudou a natureza da Grécia nem os seus hábitos culturais: só a
perspectiva de que ia ganhar levou milhões de gregos a deixarem da pagar
impostos, abrindo num só mês um buraco de 1,6 mil milhões de euros, buraco que
tornou ainda mais difícil a vida ao Governo que depois elegeram.
É por
estas e por outras – e por tudo o que distancia a Grécia de ser um país capaz
de cumprir com as regras de uma união monetária – que não vejo forma de esta
não voltar ao dracma, mais cedo ou mais tarde. Sendo que nestas coisas mais
cedo costuma ser melhor do que mais tarde.»
Finalmente, o texto dos
pontos nos ii, de Vasco Pulido Valente, «A “Europa” e os portugueses» (Público,
14/2/15), a lição de História a lembrar o falhanço da União Europeia que
jamais poderia resultar, não só pelos desníveis de produtividade e de
competências entre os povos que a formam, como porque, se as diferentes
educações e diferente poder económico criam segregacionismos patentes até mesmo
entre as camadas sociais de cada país, o que não sucederá com tais desníveis
entre países de diferentes velocidades de progressão na marcha do tempo?
A
“Europa” e os portugueses
Vasco Pulido
Valente
«Quando se discute a Grécia, em
Portugal ou na Finlândia, os gregos são tratados como se fossem uma extensão
normal do “homem europeu”, que, evidentemente, nunca existiu. Nas querelas
financeiras 1 é 1 e o resto não conta.
Desde sempre que, bem à francesa, a “construção” que a
burocracia de Bruxelas promoveu foi abstracta e universalista. A realidade não
interessava aos “pais” dessa utopia que se veio a chamar a “União”. Não
distinguiam, nem queriam distinguir, entre um luterano da Turíngia e um
ortodoxo de Salónica. Distribuíam direitos e deveres como se toda a gente
entendesse os direitos da mesma maneira ou tomasse os deveres igualmente a
sério. E o euro, além de ser um erro técnico (hoje reconhecido e lamentado),
pela sua própria natureza ignora a diferença.
Ao princípio, depois das matanças de 1939-1945, não se falou
do passado. Os franceses precisavam do carvão da Alemanha e a Alemanha não se
importava de pagar os camponeses da França. Infelizmente, a combinação não se
ficou, como propunha o livre câmbio da Inglaterra, num “mercado comum”. Pouco a
pouco um entendimento de pura mercearia acabou por se transformar na utopia da
Europa política, exemplo para o mundo e grande potência. A Grécia vivera desde
o século XV ao século XIX no império turco; a Itália até quase ao fim do século
XIX era parte do Império austríaco, parte do Papa e parte dos Bourbons-
Sicília, que tranquilamente continuavam no século XIX; a Alemanha nasceu em
1870; Portugal e Espanha só saíram das ditaduras de Franco e de Salazar em
1974-1976. Mas que importavam a cultura e a história? No grande saco de
Bruxelas cabia fosse quem fosse, lambuzado de uma retórica vácua e de mão
estendida à caridade do próximo.
A “solidariedade” da “Europa”, que hoje se invoca, não se
manifestou em mais do que alguns subsídios relutantes, em troca de uma
arregimentação que ninguém pedira ou agradecia. Quando agora os portugueses
discutem com exaltação se devem ou não devem apoiar a Grécia ou juram candidamente
reformar a União, não se lembram, como de costume, que o seu peso é nulo e,
pior ainda, que a “Europa” é irreformável. Não há nada que a una; e o caos não
se regenera por si próprio. Se a Alemanha manda, manda pelo poder inequívoco do
dinheiro. E se a Alemanha não mandar, nem a sombra da utopia se salva.»
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