terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O biberão



Tenho presentes três artigos sobre o braço de ferro entre o governo grego e aqueles a quem deve e pretende continuar a dever, criança mimada e permanentemente na infância, que só tem direito a receber. E os que lhe seguem a linha do atropelo, que eles acham heróica, de truques para não pagar, enfiam-se no mesmo princípio de mamada sôfrega da teta europeia, num balido que acham enternecedor.
São textos extensos, sobretudo o de José Manuel Fernandes, que acabei por transcrever na íntegra excepto o de António da Cunha Duarte Justo – publicado no “A Bem da Nação”, tem por título e subtítulo - «O UIVAR DOS LOBOS EM TORNO DA ACRÓPOLE- Em vão na Esperança do Zé do Telhado» e dele extraio os passos seguintes, o primeiro de crítica, o segundo de hipótese de solução:

…«Enquanto uma opinião pública coitadinha reagir como reage, as personalidades representantes das instituições continuarão a justificar a política de cúpulas de Bruxelas e a justificar grupos marginais que apostam em políticas de “Zé do Telhado”. Actualmente não é possível uma discussão objectiva porque cada pessoa investe demasiado capital na sua opinião. O aspecto positivo de que a Grécia se pode gloriar é ter chamado a atenção para a política unilateral da troika, uma política contra o povo e a favor das instituições.
Quanto à Grécia, a Alemanha tem de aceitar um compromisso podre porque se a Grécia saísse do Euro a Alemanha perderia os 60 mil milhões de Euros que lhe emprestou. Portugal emprestou 1,1 mil milhões de euros. De recordar que o perdão de metade da dívida grega em 2012 (de 100 mil milhões de euros), então nas mãos de privados, prejudicou bancos portugueses: o BCP e o BPI perderam então 590 milhões de euros. Por outro lado, os problemas das instituições bancárias são saldados com o dinheiro do contribuinte.
O problema do Euro vem das diferentes economias e diferente produtividade entre os diferentes países e regiões e da diferente distribuição das empresas produtivas. Um mesmo euro forte para todas as economias discrimina as economias mais fracas. Por isso, como alguns ecónomos defendem, os países com pouca competitividade deveriam ter ao mesmo tempo o euro e a moeda nacional (euro, dracma, etc.); deste modo, estes poderiam dar resposta às diferentes economias e concorrer com os países fortes porque teriam a moeda interna com que regulariam o mercado interno de maneira aferida ao país; deste modo quem quisesse consumir produtos importados teria de pagar muito mais e os países mais fortes teriam mais dificuldade em exportar porque os seus produtos seriam mais caros.»…

Do mesmo blog “A Bem da Nação”, o artigo de José Manuel Fernandes

ESTOU FARTO DO CHORADINHO DOS DESGRAÇADINHOS DOS GREGOS
Por José Manuel Fernandes - 14/2/2015

«Os problemas da Grécia não começam agora no Syriza nem acabarão com o Syriza. São problemas antigos, entranhados, que fazem do país um corpo cada vez mais estranho numa união monetária como o euro.
Escolho algumas frases quase ao acaso. Frases de uma espécie de “discurso único” sobre a Grécia em que esta é sempre apresentada como vítima. Vive-se “uma grave crise humana”, escreve-se na carta que 32 personalidades enviaram ao primeiro-ministro. E, claro, não há razão para qualquer “discurso punitivo”, a Grécia não tem culpa de nada. A chanceler Merkel, como sentenciou Mário Soares, é que a “responsável principal pela desgraça da Grécia “. Tudo por causa de “uma política destruidora”, explicou de seguida o professor Louçã, como agora é apresentado. E, também, por causa do “delírio especulativo” que criou “uma pilha de dívida”, algo que se aplica certamente a um país onde 80% da dívida é hoje detida pelos seus parceiros europeus, país que também paga as menores taxas de juro e até beneficia de um período de carência. Claro que tudo isto coincide e reforça o que Alexis Tsipras diz que sempre que tem um microfone pela frente: “devastaram o Estado” e “criaram uma enorme crise humanitária”. Quem o ouve diria que fala do Darfour.
Este discurso é cansativo e unilateral. Pode parecer muito piedoso, mas acabará por não ajudar a Grécia no longo prazo. E obscurece o tema que devíamos estar a debater: pode uma zona monetária com uma moeda como o euro fazer conviver no seu interior, sem constantes sobressaltos, crises e tensões, países tão diferentes como a Grécia e a Holanda, ou Portugal e a Finlândia?
É por isso que é importante contrariar este “discurso único” e, sobretudo, desmontar muitos dos mitos que o alimentam.

O primeiro mito é que a Grécia de hoje é a herdeira da Grécia da Antiguidade, a Grécia que devemos a nossa civilização e que inspirou a nossa democracia.
Esta ideia só muito parcialmente é verdadeira. A cultura grega clássica nasceu e cresceu numa região muito mais vasta do que a da Grécia actual. Basta pensar que, se de facto Sócrates, Platão ou Tucídides eram atenienses, Heródoto, o primeiro dos historiadores, era de Halicarnasso (hoje Bodrum, na Turquia); Arquimedes, o matemático, era de Siracusa, na Sícilia; Tales de Mileto, o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia, era de Mileto, hoje na Turquia; Heráclito, o “pai da dialéctica, era de Éfeso, igualmente na Turquia; Aristóteles era de Estagira, que fica hoje na Grécia mas que na época pertencia à Macedónia; Euclides, o “pai da geometria”, era de Alexandria, no Egipto; Pitágoras, o do célebre teorema, se nasceu na ilha grega de Samos, desenvolveu a sua escola em Crotona, uma povoação no sul de Itália; e por aí adiante.
Por outro lado, se pensarmos nas famosas sete maravilhas do mundo antigo, cinco deles pertencem indiscutivelmente ao mundo grego, mas dessas só duas, a Estátua de Zeus em Olimpo e o Colosso de Rodes, ficavam no que é a actual Grécia. Duas estavam no que é hoje a Turquia – o Templo de Ártemis em Éfeso e o Mausoléu de Halicarnasso – e a última no Egipto, o Farol de Alexandria.
A Grécia moderna tem menos de dois séculos, pois antes o seu território estava sob domínio otomano. Quando o país foi criado, havia uma tão radical ausência de ligação ao passado que foi preciso inventar uma família real. O nosso D. Pedro IV chegou a ser convidado para ser o primeiro rei da nova Grécia independente, mas como recusou o trono acabou por ser entregue a Otão da Baviera, filho de Luís I. Estávamos em 1832 e ele tinha apenas 18 anos.
A Grécia que hoje conhecemos nasceu assim por vontade das grandes potências europeias – Reino Unido, França e Rússia –, que a criaram na Conferência de Londres. Tudo para, algumas décadas passadas, voltar a perder a soberania, já que o país declarou bancarrota em 1983 (três anos depois de Portugal) e foi obrigado a ficar sob a tutela dos credores. Uma Comissão Financeira Internacional instalou-se em Atenas e passou a controlar directamente o orçamento de Estado. Era a troika desses tempos, mas com menos cerimónia e menos piedade: 10% da população acabou por emigrar.
A história lá prosseguiu, com momentos de glória e de tragédia, mais uma bancarrota em 1932, mas sempre com um traço distintivo, bem definido pelo historiador grego Nicolas Bloudanis: “na Grécia o Estado só funciona de forma intermitente”. Pior: “de cada vez que o Estado funcionou menos mal, tratava-se de um Estado autoritário onde as liberdades políticas e civis estavam limitadas. (…) Na memória colectiva grega o Estado é um Estado autoritário de que convém desconfiar”.
Foi este país que em 1974 saiu, tal como nós, de uma ditadura, mas que, ao contrário de nós, beneficiou desde o primeiro momento de uma espécie de “via rápida” para a adesão à então CEE. Alguns líderes dessa época, como o presidente francês Giscard d’Estaing, achavam que a Europa não seria Europa sem uma Grécia que viam como genuína herdeira da Grécia da Antiguidade Clássica. Foi ilusão que durou pouco tempo: fazendo jus à sua real natureza de país entre o balcânico e o levantino, a Grécia logo tratou de se opor à entrada de Portugal e Espanha, ameaçando com um veto que só foi ultrapassado quando Bruxelas enviou ainda mais dinheiro para Atenas. Um país solidário, portanto.

Não concordo, todavia, com o que afirma José Manuel Fernandes sobre o a herança grega como mito, apoiado na tese da vastidão dos espaços onde nasceram tantos ilustres, o que minimiza a importância da Grécia antiga. Parece-me sacrilégio, caso para se retomar Pessoa:

A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.
Fernando Pessoa
 (Mensagem, 1934)

Discordo da tese, lembrando,« os olhos gregos», que foi neles que o Ocidente se espelhou, renascendo, como Fénix, em outras civilizações, a latina mais recuada, as ocidentais mais recentes, a própria “Pedra da Roseta”, contribuindo, nas alturas napoleónicas, para decifrar a escrita egípcia mais antiga, por aquela conter a tradução em grego do trecho escrito em demótico e em escrita hieroglífica, o que prova o vasto e antigo domínio da língua grega.
Esse facto deve estar na origem do proteccionismo europeu sobre a Grécia actual, mas não é justo nem honroso para a Grécia a trapalhada que criou e que os ocidentais sedentos absorvem, sem respeito por valores de honra ou brio.

 Leiamos a análise seguinte de José Manuel Fernandes:
«O segundo mito é que, se é verdade que os gregos cometeram erros e falsificaram as contas, toda a culpa da situação actual é dos alemães e das suas “políticas punitivas”
Não, não e não. Os gregos não cometeram apenas alguns erros que, com paciência e pedagogia, certamente ultrapassariam. Os gregos sempre actuaram de acordo com uma cultura política que pouco ou nada tem a ver com a da Europa Ocidental e, se algum erro maior fez a Europa, esse erro foi permitir a sua adesão à moeda única, fechando os olhos a todas as evidências e ao mais elementar bom-senso.
De facto não deve haver em nenhum outro país do euro hábitos políticos tão clientelares e nepotistas como os da Grécia. Durante décadas os dois principais partidos, o PASOK e Nova Democracia – que são também os dois principais responsáveis pela situação a que o país chegou –, como que pertenciam a duas famílias, os Caramanlis e os Papandreou. Mas não eram apenas os partidos que se estruturavam em torno de grandes famílias, o país também os seguia de acordo com o mesmo tipo de tradição. Como descrevia na época o mesmo Nicolas Bloudanis, na Grécia “não se votava por ideologia” – até porque verdadeiramente esses dois partidos pouco se diferenciam ideologicamente –, votava-se em função dos benefícios materiais (e dos empregos) que podiam ser distribuídos. O que nem sequer é demasiado estranho, pois se apesar de tudo os gregos não foram totalmente absorvidos pelos otomanos isso deveu-se à sua fidelidade a duas velhas tradições culturais: a rouspheti, ou dispensa recíproca de favores e de protecções, e a mesa, ou rede de contactos e conhecimentos. O terreno era pois propício ao suborno e à cunha.
A vitória do Syriza pode ter a virtude de quebrar, pelo menos em parte, estas lógicas ancestrais, lógicas que se entrelaçam com a corrupção e a fuga aos impostos. Mas, em contrapartida pode fazer regredir o pouco que, apesar de tudo, tinha evoluído na abertura da economia. Basta recordar que, antes do resgate, a Grécia mantinha centenas de empresas nacionalizadas na década de 1980, quando na Europa já se privatizava, o que fazia com que o Estado empregasse directamente 45% da população activa. O poder dos políticos gregos sempre se baseou muito na distribuição de sinecuras e convivia bem com sindicatos poderosos que tinham garantido que, nalgumas empresas do Estado, se chegassem a pagar-se 18, 20 ou mesmo 22 ordenados por ano. O número de funcionários públicos também era imenso: o dobro da média europeia em proporção da população. Para além disso, eram pagos acima da média: um relatório da OCDE anterior ao resgate indica-nos que um terço do total do dinheiro pago em salários em toda a economia grega era só para pagar aos funcionários públicos.
Se este era o quadro geral, todos nos recordamos da história dos 45 jardineiros que tratavam dos quatro arbustos de um dos hospitais públicos de Atenas. Ou do Instituto para a Protecção do Lago Kopais, um lago que está seco desde 1930. Ou de as filhas dos funcionários públicos falecidos enquanto estas ainda eram menores receberem uma pensão vitalícia.
E se o Estado gastava desta forma, e tinha mais funcionários do que qualquer outro, não foi preciso chegar a austeridade para não funcionar minimamente. Ainda hoje, por exemplo, entidades como a Transparency Internacional combatem situações como as que eram prática corrente nos hospitais, onde só com subornos se conseguia uma consulta a tempo e horas, e só com subornos muito maiores se chegava à mesa de operações. Era esse o sistema instituído e todos sabiam como ele funcionava.
Enquanto isto, não se pagavam impostos. Mais uma vez é famosa a história de os serviços tributários utilizarem helicópteros para localizarem as casas com piscinas para poderem cobrar a respectiva contribuição, mas é menos conhecido o facto de não existir na Grécia um registo cadastral minimamente funcional que permitisse, por exemplo, calcular um imposto equivalente ao IMI. Foi para tornear esse problema que esse imposto começou a ser cobrado com a conta da electricidade, uma decisão tomada no tempo da troika e que levou ao incumprimento e ao corte da luz a centenas de milhares de gregos.
Um Estado clientelar e gigante, uma economia dependente e corporativa, um sistema político nepotista e uma sociedade civil habituada á corrupção e à dependência: não é possível imaginar terreno mais fértil para, quando o dinheiro barato da moeda única começou a chegar, se terem cometido todos os excessos. Todos os nossos problemas, que eram e são muitos, são uma brincadeira de crianças ao lado dos gregos.
O terceiro mito é que foi o resgate que estrangulou a Grécia, fez crescer a sua dívida, uma dívida que agora é impagável.
Não há dúvida que quando a troika chegou a Atenas cometeu muitos erros de abordagem, alguns dos quais até corrigiria depois na Irlanda e em Portugal. Houve medidas de uma imensa brutalidade – basta recordar que enquanto em Portugal se preservou e até se actualizaram as pensões mais baixas, na Grécia nem prestações na casa dos 300 euros escaparam.
Mas essa é só uma parte da história. A outra é que nunca, desde a primeira hora, o governo grego, os políticos gregos, fizeram um real esforço para reformarem o seu país. Começavam sempre por dizer que “não é possível”, “não vai funcionar”, acabavam por ceder depois de culparem a Alemanha, e a seguir arrastavam os pés. No princípio chegou a acontecer ter havido um acordo para reduzir os salários dos funcionários públicos, uma condição imposta para a Grécia conseguir os primeiros empréstimos, a lei ter saído e depois, nas costas do ministro das Finanças, vários membros do Governo terem criado criaram novos suplementos remuneratórios que repunham os vencimentos anteriores. Muitas leis exigidas nos acordos também foram rapidamente aprovadas no parlamento para depois ficarem meses ou anos à espera dos decretos regulamentares. Para ver a ineficiência com que o programa foi aplicado basta lembrar que com dois resgates, mais quase dois anos de troika do que nós e um sector público muito maior do que o nosso, as receitas das privatizações gregas nem chegam a ser metade das conseguidas no nosso país.
Não surpreende assim que a espiral recessiva que tantos previram para o nosso país e que não se materializou, tenha na Grécia provocado uma queda de 25% do PIB. Mesmo assim é necessário colocar de novo as coisas em perspectiva: apesar dessa queda, o PIB per capita, em paridade de poder de compra, dos gregos é neste momento sensivelmente igual ao dos portugueses. O nosso salário mínimo também é menor do que o grego, e muito menor ficará se o Syriza levar por diante as suas intenções.
Tudo isto mostra que, se por lá a “catástrofe” é assim tão grande, não é por falta de riqueza, é pela conjugação de muitas destes factores de que tenho vindo a falar e que convenientemente são sempre esquecidos. Mais: na última reunião do Eurogrupo os ministros das Finanças da Eslováquia, da Eslovénia ou de Malta lembraram que mesmo sendo nos seus países, na altura, menor o PIB per capita, eles mesmo assim emprestaram dinheiro aos gregos. Já alguns ministros de antigos países do Leste recordaram a Varoufakis que aquilo que tinham emprestado correspondia ao que gastavam em subsídios de desemprego. 
Resta o argumento final: a dívida não é sustentável, pelo que a Grécia precisa ainda de mais ajuda (mais dinheiro) da Europa. Mais uma vez estamos perante uma “verdade mediática” que lida mal com a realidade dos factos. Primeiro, porque nenhum outro país do grupo dos que foram resgatados beneficiou até hoje de um perdão de dívida como a Grécia já teve. Foi em 2012, representou cerca de metade da dívida que estava então em mãos de privados e tirou do deve e haver da Grécia 100 mil milhões de euros, uma quantia que, se fossemos nós os beneficiados, nos aliviaria de muitas das nossas aflições. Nessa operação dois bancos portugueses, o BCP e o BPI, perderam 590 milhões de euros, dinheiro que fez muita falta ao financiamento da nossa economia.
Mas o ponto principal nem sequer é esse. A Grécia já tem condições muito melhores do que Portugal ou a Irlanda – prazos mais dilatados, melhores juros, carência no pagamento desses juros. O resultado é que enquanto nós, com uma dívida proporcionalmente muito mais baixa (127% do PIB contra 180%), pagamos o equivalente a 5% do PIB em juros, a Grécia pagará entre 2,5% e 3,6%. Ou seja, a dívida grega é maior mas pesa-lhes menos. E isso é que conta. Mais: não somos só nós que, proporcionalmente, suportamos uma carga de juros superior à dos gregos, os italianos e os irlandeses também estão na mesma situação.
O quarto e último mito é que, liberta (de novo) de parte da dívida, a Grécia voltaria a crescer, a ser próspera e, por isso, pagaria mais facilmente o remanescente dos empréstimos.
Não há nenhum político que não goste de ter dinheiro para gastar e distribuir. Não é preciso ter “consciência social”, basta querer ser reeleito. Por isso a simples ideia de que haveria mais dinheiro no orçamento porque passaria a haver menos dinheiro para pagar juros é muito tentadora. Já é muito menos evidente que isso induzisse um crescimento económico sustentável e é fácil ver porquê. Primeiro, temos a experiência do passado: dinheiro barato e abundante foi o que a Grécia teve até à crise de 2008, mas isso não deixou a sua economia mais forte e mais competitiva, bem pelo contrário. Depois, temos a evidência das reformas que ficaram pela metade, o que significa que a Grécia está muito longe de estar em condições para concorrer num mundo globalizado permanecendo, ao mesmo tempo, no colete-de-forças de uma moeda única. Finalmente, há o programa do Syriza, o possível retrocesso em algumas dessas reformas e o regresso a um passado próprio de uma economia fechada, protegida e ineficiente.
Um bom exemplo daquilo de que falamos é o que se passa no Porto do Pireu. Um terço foi privatizado e é hoje gerido por uma companhia chinesa. É eficiente, é um modelo de organização, tem cada vez mais movimento e faz cada vez mais negócio. Os outros dois terços continuam nas mãos do Estado – e dos sindicatos – e continuam a perder clientes e movimento, sendo um espaço sujo e por vezes degradado. Neste momento ninguém ainda percebeu se este pedaço do porto do Pireu vai acabar por ser privatizado, como estava previsto e parece ser vontade do ministro das Finanças, ou se tudo fica como está, como quer o ministro da Marinha.
A vitória do Syriza talvez mude alguma coisa na cultura de nepotismo que sempre dominou a política grega, pode ser que até consiga combater a corrupção com mais eficácia e até ser mais diligente no combate à evasão fiscal. Mas essa vitória não mudou a natureza da Grécia nem os seus hábitos culturais: só a perspectiva de que ia ganhar levou milhões de gregos a deixarem da pagar impostos, abrindo num só mês um buraco de 1,6 mil milhões de euros, buraco que tornou ainda mais difícil a vida ao Governo que depois elegeram.
É por estas e por outras – e por tudo o que distancia a Grécia de ser um país capaz de cumprir com as regras de uma união monetária – que não vejo forma de esta não voltar ao dracma, mais cedo ou mais tarde. Sendo que nestas coisas mais cedo costuma ser melhor do que mais tarde.»

Finalmente, o texto dos pontos nos ii, de Vasco Pulido Valente, «A “Europa” e os portugueses» (Público, 14/2/15), a lição de História a lembrar o falhanço da União Europeia que jamais poderia resultar, não só pelos desníveis de produtividade e de competências entre os povos que a formam, como porque, se as diferentes educações e diferente poder económico criam segregacionismos patentes até mesmo entre as camadas sociais de cada país, o que não sucederá com tais desníveis entre países de diferentes velocidades de progressão na marcha do tempo?

A “Europa” e os portugueses
Vasco Pulido Valente
«Quando se discute a Grécia, em Portugal ou na Finlândia, os gregos são tratados como se fossem uma extensão normal do “homem europeu”, que, evidentemente, nunca existiu. Nas querelas financeiras 1 é 1 e o resto não conta.
Desde sempre que, bem à francesa, a “construção” que a burocracia de Bruxelas promoveu foi abstracta e universalista. A realidade não interessava aos “pais” dessa utopia que se veio a chamar a “União”. Não distinguiam, nem queriam distinguir, entre um luterano da Turíngia e um ortodoxo de Salónica. Distribuíam direitos e deveres como se toda a gente entendesse os direitos da mesma maneira ou tomasse os deveres igualmente a sério. E o euro, além de ser um erro técnico (hoje reconhecido e lamentado), pela sua própria natureza ignora a diferença.
Ao princípio, depois das matanças de 1939-1945, não se falou do passado. Os franceses precisavam do carvão da Alemanha e a Alemanha não se importava de pagar os camponeses da França. Infelizmente, a combinação não se ficou, como propunha o livre câmbio da Inglaterra, num “mercado comum”. Pouco a pouco um entendimento de pura mercearia acabou por se transformar na utopia da Europa política, exemplo para o mundo e grande potência. A Grécia vivera desde o século XV ao século XIX no império turco; a Itália até quase ao fim do século XIX era parte do Império austríaco, parte do Papa e parte dos Bourbons- Sicília, que tranquilamente continuavam no século XIX; a Alemanha nasceu em 1870; Portugal e Espanha só saíram das ditaduras de Franco e de Salazar em 1974-1976. Mas que importavam a cultura e a história? No grande saco de Bruxelas cabia fosse quem fosse, lambuzado de uma retórica vácua e de mão estendida à caridade do próximo.
A “solidariedade” da “Europa”, que hoje se invoca, não se manifestou em mais do que alguns subsídios relutantes, em troca de uma arregimentação que ninguém pedira ou agradecia. Quando agora os portugueses discutem com exaltação se devem ou não devem apoiar a Grécia ou juram candidamente reformar a União, não se lembram, como de costume, que o seu peso é nulo e, pior ainda, que a “Europa” é irreformável. Não há nada que a una; e o caos não se regenera por si próprio. Se a Alemanha manda, manda pelo poder inequívoco do dinheiro. E se a Alemanha não mandar, nem a sombra da utopia se salva.»

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