Um artigo simples, claro, de um jovem que sabe pensar. Na
realidade, foi tanta a arrogância do Syrisa, feita de promessas sorridentemente absurdas ao
povo grego, libertando-o dos encargos contraídos, e anunciando uma nova era de
abundância, que mais parecia o José bíblico interpretando o sonho do Faraó das
vacas e das espigas gordas, anunciando os sete anos de prosperidade, embora
precedidos de sete anos de vacas magras. Como suponho que os Gregos já passaram
os tempos da magreza, veremos se Alexis Tsipras acertou na previsão, aliado ao
poderoso faraó russo que não terá tantos escrúpulos para lhe perdoar a dívida com
ele contraída, como já o fez a Europa à Grécia, e como as esquerdas dos povos
devedores entendem que também devia fazer com eles, num regabofe pegado, em
macarrónico preceito de “ridendo, praemiat mores debitores” .
Eis o artigo de Alexandre
Homem Cristo, publicado no “A Bem da Nação”:
TSIPRAS, UM INIMIGO DA LIBERDADE?
Muitos
esperam que do Syriza nasça uma alternativa de política económica, mas aquilo
que o Governo grego se propôs executar é bem diferente – a ruptura profunda com
os alicerces do liberalismo europeu
A
esquerda europeia andou anos à deriva. Compreende-se, portanto, a sua euforia
(nomeadamente em Portugal) face à vitória do Syriza, normal em quem acredita
estar perante algo que nunca teve – uma alternativa às políticas de
austeridade. Mas passada uma semana da eleição do novo governo grego, vai-se
tornando incompreensível a aceitação acrítica das suas primeiras decisões que
noutras circunstâncias fariam soar os alarmes.
Existe,
logo à partida, um problema de expectativas. Muitos esperam que do Syriza nasça
uma alternativa de política económica (sobre a gestão das dívidas dos países
europeus e sobre o cumprimento das metas orçamentais). Mas aquilo que o Governo
grego se propôs executar esta semana é bem diferente – uma ruptura profunda com
os alicerces do liberalismo europeu. Aos microfones, Tsipras apresenta-se como
salvador da democracia. Mas, na verdade, fez muito mais para nos convencer de
que é um inimigo da liberdade. Isto porque, em apenas sete dias, sobressaíram
dois inquietantes sinais de que o seu projecto político implica a fragilização
das instituições europeias.
Comecemos
pelo início: a coligação. Em menos de uma hora de conversações, Tsipras chegou
a acordo para a constituição do Governo com o partido dos Gregos Independentes
(Anel), oriundos da direita populista. À primeira vista, estranha-se a
facilidade de entendimento entre dois partidos que se posicionam em polos
ideológicos opostos. Depois, percebe-se. Tal como todos os partidos populistas
europeus são anti-troika e anti-austeridade, Syriza e Anel estão unidos por
essa causa. E não é porque consultaram os mesmos economistas: é porque o
combate à austeridade é hoje a forma mais popular de abanar os alicerces das
instituições europeias. O alvo do Syriza, do Anel ou, por exemplo, do Front
National francês sempre foi este: romper com os princípios fundamentais (e
forçosamente liberais) da União Europeia. Por isso, nada mais irrelevante que Syrizae
Anel discordem sobre o resto. Já se sabe: o que une os revolucionários é a
revolução, não o que se lhe segue.
O
segundo sinal desta ruptura com os princípios europeus ficou concretizado com a
espontânea aproximação de Atenas a Moscovo. No dia em que tomou posse como
primeiro-ministro, Tsipras reuniu com o embaixador russo. Três dias depois, a
Grécia opôs-se a novas sanções europeias à Rússia em reacção ao ataque das
forças pró-russas em Mariupol. No dia seguinte, o ministro das finanças russo é
entrevistado pela CNBC, afirmando a disponibilidade dos russos para financiar
os gregos. A sequência de eventos fala por si.
Do
ponto de vista táctico, a aproximação de Tsipras a Putin é um erro evidente, do
qual cedo se arrependerá – tanto porque a Europa lida mal com as chantagens de
Moscovo como porque a economia russa, à beira de uma recessão grave e a olhar
com terror para a queda do preço do petróleo, mal se consegue financiar a si
própria, quanto mais aos outros.
Mas
maior erro é analisar-se a questão do ponto de vista da táctica. É que o que
separa Bruxelas e Moscovo não cabe numa folha de excel – é todo um conjunto de
valores, liberdades e princípios democráticos que está em causa. Muito do que
nos define como sociedades livres (liberdade de expressão, de imprensa, de
associação política) é uma miragem na Rússia de Putin. E se Tsipras concretizar
essa aproximação à Rússia, estará inevitavelmente a afastar-se desses valores
liberais.
Nesta
fase, não é certo o que será mais inquietante. Se os sinais que vêm da Grécia.
Se a cegueira eufórica com que têm sido recebidos, na esperança de que a onda
alastre a Espanha por via do Podemos (que este fim-de-semana fez uma
manifestação de força). Por enquanto, são apenas isso, sinais. E daí a
interrogação que consta do título. Mas será bom para todos (gregos, espanhóis e
europeus) que não se convertam em certezas.
Não
é aceitável um governo cuja identidade se afirma pela recusa dos princípios da
liberdade. Nem é aceitável que tal política tenha espaço no coração da nossa
Europa.
2/2/2015
Alexandre
Homem Cristo
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