Não admira, dado o velho hábito de consulta
do oráculo, que os gregos se tenham deixado arrebatar pelas falsas promessas
das suas pitonisas modernas, seguindo as interpretações sibilinas destas dos
rumos a seguir, certamente que na mira, de uma mudança choruda no seu próprio
destino de pitonisas. Mas é assustadora esta armadilha em que se deixaram
envolver, para obterem ventos favoráveis para a conquista de nova Tróia,
aparentemente mais complicada do que a antiga.
Se é como afirma o artigo de Rui Ramos,
publicado no “A Bem da Nação” parece uma miserável trapaça de um grupo de
meninos brincalhões da actualidade grega, que não se importaram de fazer
promessas mistificatórias de salvação da pátria, com o cavalo salvador da sua
astúcia, esquecidos de que Tróia já foi, não volta a ser:
NÃO HÁ REVOLUÇÕES GRÁTIS
Quem
derrotou o Syriza não foi a pressão da Alemanha, foi o medo que o Syriza tem
dos gregos, a quem mentiu e enganou para ganhar as eleições.
Já
todos sabemos o que conseguiu o Syriza: em vez da troika, passou a haver
"instituições"; em vez do programa, "acordo"; em vez de
credores, "parceiros"; em vez de austeridade, "condições".
Enfim,
a transfiguração semântica servirá para muita coisa, mas não chega para
esconder que o Syriza enganou os gregos, quando, para ganhar as eleições,
prometeu que bastava dar dois berros à Merkel para tudo se tornar fácil. Agora,
como todos os mentirosos, resta-lhe continuar a mentir, recorrendo ao delírio
verbal consentido pelos seus parceiros europeus para inventar "batalhas
ganhas" em guerras perdidas.
Na
Grécia, à esquerda e à direita, já muita gente percebeu a "ilusão"
encenada por Tsipras e Varoufakis. Manolis Glezos, o patriarca do Syriza, com
um sentido da decência que os seus correligionários mais novos não têm, pediu
entretanto as devidas desculpas ao povo grego. Há quem diga que ficou tudo na
mesma. Não, tudo ficou muito pior, porque o circo do Syriza deixou a Grécia
mais isolada, mais desacreditada, mais fraca, e mais longe da recuperação
económica. O saldo orçamental primário, por exemplo, já desapareceu. Com
inimigos destes, a troika não precisa de amigos.
No
exterior, o clube de fãs do Syriza vai tentar fingir que este foi apenas
mais um caso de prepotência alemã. Não foi nada disso. A Grécia não é um
país ocupado e não estamos no século XIX. Ninguém iria bombardear Atenas para
forçar o pagamento da dívida, como aconteceu ao Egipto em 1882. Então, porque é
que o Syriza não ousou romper as negociações, renegar a dívida, sair do euro,
afirmar a soberania, e em vez disso se submeteu a um acordo duríssimo? Não foi
por causa da "pressão europeia", mas porque teve de reconhecer que
não existe na Grécia uma maioria para romper com a União Europeia, o euro, o
"capitalismo" e a "democracia burguesa", como desejariam os
revolucionários da extrema-esquerda.
Na
Europa do sul, os que têm imediatamente a perder com uma revolução são a
maioria, ao contrário do que acontece, por exemplo, na Venezuela, o país-modelo
do Syriza. A hemorragia de dinheiro dos bancos foi um sinal da pouca inclinação
da Grécia para sacrificar as suas poupanças e patrimónios numa aventura fora da
União Europeia (desde o começo da crise, os depósitos em relação ao PIB já
caíram de 131% para 77%). O Syriza cedeu porque teve medo do que lhe fariam os
gregos se por acaso Varoufakis voltasse a casa para anunciar uma desvalorização
de 50% sob a forma de um novo dracma. A alternativa foi chamar
"instituições" à troika.
O
truque dos contestatários do ajustamento e das reformas na Europa do sul tem
sido o de fingir que toda a população está com eles. Não está. É óbvio que
ninguém gosta de cortes e pouca gente está entusiasmada com mudanças. Mas
também é óbvio que quase toda a gente sabe que as alternativas são piores. Os
programas de assistência evitaram bancarrotas e pouparam os vários países a
tormentos muito maiores do que os que infligiram. É por isso que, apesar de
todas as dificuldades, a Grécia aguentou cinco anos de troika, e agora, com o
Syriza, preferiu continuar sob as "instituições" (para usar o novo
vocabulário grego).
No
passado, ajustamentos do tipo que a Grécia experimentou deram resultados
rapidamente, como sucedeu em Portugal a partir de 1985. Agora, não. Há quem
explique a dificuldade pelo modo como a zona euro funciona, impedindo
desvalorizações e não prevendo transferências entre países. Com todo o
respeito, parece-me que não é bem essa a questão: transferências há, o que não
há é muita vontade de efectuar o equivalente interno das antigas
desvalorizações da moeda e muito menos ânimo para sanear e modernizar administrações,
ou abrir e flexibilizar mercados. Por isso, a inflação, com a sua "ilusão
monetária", continua a parecer a muitos especialistas indispensável para
restaurar a competitividade de países como a Grécia.
O
problema da Grécia é que não deseja voltar à desvalorização e à inflação, mas
não conseguiu ainda organizar-se para existir de outra maneira. A questão é
fundamentalmente política: não há, na classe dirigente, muita gente disponível
para se comprometer num projecto reformista. Em França, Hollande teve de
recorrer ao poder presidencial para fazer passar a lei Macron, de modo a
dispensar os deputados socialista de sujarem as mãos em reformas.
As
classes dirigentes falharam, mas o seu falhanço serviu mais uma vez, no caso da
Grécia, para tornar manifesta a insustentável irrelevância da chamada
"esquerda radical", a quem a crise emprestou um simulacro de vida.
Não há revoluções grátis. Por isso, no mundo actual, onde não há petróleo, não
há revolução. Até o Podemos, em Espanha, parece não dispensar o dinheiro
venezuelano. Sem rendimentos petrolíferos, a "esquerda radical"
não é mais do que retórica, colarinhos abertos, cachecóis – e mentiras.
23/2/2015
Rui
Ramos
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