Texto “O sentido das proporções” de Vasco
Pulido Valente (Público 31/1/2015):
«O sentido das proporções»
«A esquerda (com excepção do
PS) ficou entusiasmada com a chamada “vitória” do Syriza; e a direita ficou
deprimida e furiosa. Sem me querer meter nessa querela frívola, acho apropriado
tentar descrever as coisas como elas são. O Syriza ganhou a eleição com 36 por
cento dos votos; só chegou à maioria por causa das peculiaridades do regime grego
(que dá um bónus de 50 deputados ao partido mais votado) e da coligação que fez
com um partido pouco recomendável da extrema-direita. É difícil aceitar sem
mais que o Syriza representa legitimamente o povo grego, como por aí se diz com
grande convicção e arrogância. Na realidade, o Syriza representa um terço do
eleitorado grego; e ou consegue alargar as forças que o sustentam ou tenderá
para uma espécie qualquer de autoritarismo.
A retórica patriótica do primeiro-ministro Tsipras
também não me inspira grande simpatia. Os patriotas às vezes degeneram em
nacionalistas. E a conversa sobre a “humilhação” da Grécia e a intenção (em
princípio, estimável) de restaurar a sua dignidade e o seu orgulho não é
tranquilizadora. Com conversas destas se cometeram os maiores crimes da
história recente da Europa. Pior ainda, o carácter de outsider que o Syriza
reclama não me parece uma virtude. Um outsider rejeita, por definição, tudo o
que antes dele existia – o bom e o mau – e não costuma medir o risco da
mudança. Não vale a pena dar exemplos de outsiders que arrasaram um mundo, o
deles, com certeza, e a seguir o nosso. E, desculpe a esquerda, as cenas de
informalidade, além de ridículas, são um mau sinal, um sinal de agressividade
gratuita.
Uma escola de pensamento louva o Syriza por ter dado
um “abanão” na “Europa”. Seria bom neste capítulo não esquecer que a “Europa”
não se abana tão facilmente e que o Syriza é em si próprio insignificante.
Reconheço que um pequeno incidente pode provocar uma enorme catástrofe; basta pensar
no arquiduque assassinado em Sarajevo. Mas, tirando uma parte da esquerda, por
frustração e principalmente por cautela, não se vê na “Europa” uma súbita
ternura pelo sr. Tsipras e nenhuma inclinação para o ajudar. A política
deflacionista da Alemanha e de meia dúzia de países do norte já estava em crise
antes do Syriza aparecer em cena e continuará com ou sem ele. Claro que nada
impede a Grécia de se tornar num incómodo para a burocracia de Bruxelas: num
incómodo, não numa força decisiva. É bom não perder o sentido das proporções.»
Não sei se o PS ficou, de facto, menos satisfeito com
a vitória do Syriza, como afirma Vasco Pulido Valente, na sua excelente análise
sobre os resultados das eleições gregas, pois aquando das sondagens, que davam o
seu representante Alexis Tsipras à frente dos outros partidos, lembro-me das
fanfarronadas de António Costa - e congéneres políticos, claro, mas Costa foi,
naturalmente, o primeiro, (que os jornalistas televisivos e todos os demais não
perdoam, nas prioridades das deferências). Costa declarou, na sua voz
altissonante, que tal vitória grega condenava irremissivelmente os governos de
penúria, como o grego e o nosso, ainda sem saber das reacções europeias às destemidas
– se não descaradas - imposições do partido grego vitorioso. Entretanto, já
todos os nossos canais haviam alertado para o clima grego de penúria, embora as
pessoas gregas entrevistadas me parecessem relativamente sossegadas – Tsipras incluído,
que discursa com garra e sem má vontade, sem a gravata da formalidade, a
mostrar-se aberto à vida e à atenção do mundo, que nele reconhecerá a beleza perfeita
do “discóbolo” de Míron, com direitos de precedência nas questões de democracia
e de superioridade cultural irradiante da sua luz. Pontos de partida
suficientes para avançar nos seus direitos a um nível de vida sem ralações de
maior, pai idoso a merecer carinho e bom tratamento dos filhos gratos.
Cá por mim, desculpava-lhes a dívida, mas confesso que
por parti pris de gratidão, em função do significado que aquele país
pequeno, de tanta ilha e tanta aventura fabulosa e épica e trágica representará
sempre na dimensão do mundo.
E afinal, há tanto dinheiro por aí, tanto bilionário
por esse mundo que, sendo a dívida da Grécia uma ínfima parte desses biliões,
bem que se poderia ressarci-la, em colecta de simpatia pagadora, desses mesmos bilionários
gratos.
É certo que, sendo bilionários, dificilmente se
lembrarão dessas picuinhas de gratidão. mas bastava que pensassem que aquela
coisa simples dos triângulos rectângulos, cujo quadrado da hipotenusa iguala a
soma dos quadrados dos catetos, que eles aprenderam e os seus filhos também, foi
um tal Pitágoras grego que o demonstrou, quem sabe se servindo de ponto de
partida para os seus biliões, de sucessivos catetos aspirando a hipotenusas sucessivamente
maiores que a imagem demonstrativa do teorema simboliza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário