terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Então não matou?



Estou a escutar Manuel Alegre, em entrevista na Sic Notícias. As perguntas são bem formuladas pelo entrevistador, António José Teixeira, as respostas são o mesmo de sempre, de democrata que cultiva o ódio contra os que detêm o poder, mascarado de piedade pelo povo subjugado e triste, de há cinquenta anos a esta parte, desde essa primeira edição da “Praça da Canção” que hoje se festeja, não, todavia, na “Praça da Alegria” da RTP, mas na Sic Notícias do Canal 5, mais compatível e cúmplice em manifestações desse soturno sentimento, transparente no seu “Soneto” de poeta e de psicólogo entendedor das idiossincrasias desse mesmo povo, apesar das mudanças que entretanto sofreu, graças ao Manuel Alegre e companheiros de libertação da tristeza poetada em subtis porquês e propostas de extinção, que depois se concretizaram. A conversa desenvolveu-se, assim,  a partir das memórias desse livro mítico, que, apesar de não ser, segundo o seu autor, um "livro panfletário", “teve efeitos políticos que nenhum discurso teria”. E terminou com a leitura do Soneto por si escolhido, denunciador das suas metas na vida – “É preciso matar esta tristeza”, assim termina:
Soneto
É preciso saber por que se é triste
é preciso dizer esta tristeza
que nós calamos tantas vezes mas existe
tão inútil em nós tão portuguesa.
 
É preciso dizê-la é preciso despi-la
é preciso matá-la perguntando
porquê esta tristeza como e quando
e porquê tão submissa tão tranquila.
 
Esta tristeza que nos prende em sua teia
esta tristeza aranha esta negra tristeza
que não nos mata nem nos incendeia
 
antes em nós semeia esta vileza 
e envenena ao nascer qualquer ideia.
É preciso matar esta tristeza.
Manuel Alegre, Praça da Canção, 1965
Enquanto lhe escutei o discurso, na voz soturna que sempre lhe conheci, achei que a uniformidade do conceito – se algum havia - era a característica desse, sem mudança de vírgula ou sequer de acento relativamente aos discursos passados - de crítica à austeridade e a quem a promove, hoje, de crítica à miséria e seus promotores, ontem, embora com menos donaire então, e maior subtileza - “et pour cause” - justificativa da escolha do tal Soneto comemorativo, sobre a temática da tristeza portuguesa intemporal.
Mas interrogado sobre as suas alternativas aos procedimentos de austeridade do actual Governo, escapou às respostas, não se atrevendo a corroborar os seus comparsas do rancor, ficcionistas da ilusão e da mentira, como faz o ministro grego Alexis Tsipras, que deles difere, todavia, no ar sorridente de aventureiro intrépido e atrevido. É certo que Alegre defendeu o radicalismo democrático, que é o seu, contra o radicalismo anti-social, que é o do Governo, o que subentende a demissão imediata do Governo, na mesma linha da esquerda unida ao PS, por manha, ou do PS unido à esquerda unida, por sofisma. Não, Alegre não tinha programa de alternativas, porque apenas lhe interessava deitar abaixo o Governo, como dantes, no tempo em que foi militar com tristeza. E raiva, que tudo subjugou e afundou no desastre da destruição pátria.
Em alegria.

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