Nem todas as propostas da tal PAAC foram charadas
difíceis, até me senti de bem comigo, porque me pareceu ter acertado em
algumas, em pouco tempo, como demonstrei, em alarido de satisfação, no domingo,
no café das 10 horas, à minha irmã e à minha/nossa amiga, (aliás mais
dela – da minha irmã – do que minha, o que já em tempos esclareci, com direitos
de prioridade antiga, zambeziana por excelência e saudosismo, cujas memórias as
fotos a branco e preto ajudam, por vezes, a recuperar.
A charada, por exemplo, que segue, item nº 5 da prova,
era de caras, e só podia ter como resposta a alínea D, como revelei, com prazer
lúdico, à mesa, sobre um guardanapo da casa e a caneta em acção:
«Item
5- A Júlia saiu de casa para visitar uma amiga: andou 1 km para oeste, 500
m para noroeste, 300 m para oeste, 500 m para sudeste e, por último, 1 km para
sul. Para voltar a casa pelo mesmo caminho, a Júlia necessita de andar:
(A)
1 km para sul, 500 m para sudoeste, 300 m para oeste, 500 m para nordeste e 1
km para oeste. (B) 1 km para sul, 500 m para sudeste, 300 m para oeste, 500 m
para noroeste e 1 km para oeste. (C) 1 km para norte, 500 m para nordeste, 300
m para este, 500 m para sudoeste e 1 km para este. (D)1 km para norte, 500 m
para noroeste, 300 m para este, 500 m para sudeste e 1 km para este.»
Outra proposta foi a dos feijões, justificativos da
crise com que nos debatemos, embora com excepções de vulto:
Itens
11 e 12
«A
Ana, o João, a Patrícia e o Miguel vão jogar o «Jogo dos feijões». Cada jogador
começa com o mesmo número de feijões. Durante o jogo, cada jogador pode perder
ou ganhar feijões. O vencedor é aquele que, no final do jogo, tem mais feijões.
No final do jogo, apurou-se o seguinte: o João tem o maior número de feijões; a
Ana tem o dobro dos feijões do Miguel; a Patrícia tem metade dos feijões do
Miguel.
11.
Qual
foi o jogador que ficou em terceiro lugar neste jogo? (A)Patrícia (B)Ana
(C)Miguel (D)João»
A mim deu-me , o João em 1º lugar, naturalmente, em 2º,
a Ana, em 3º o Miguel e em 4º lugar a pobre da Patrícia, sendo a alínea C) Miguel,
a minha resposta.
12.
«Qual
das opções contém a expressão e o número que completam corretamente a frase
seguinte?
Se
a Patrícia ficou com 4 feijões no final deste jogo, pode afirmar-se que o João
terá ficado,
/(A)
exatamente; 16 - (B)exatamente; 17 - (C)no
mínimo; 17 - (D) no mínimo; 16/
Respondi:
(C ) No mínimo com 17 feijões.
Pareceram-me de caras, mais, no entanto, a dos
feijões, habituada que estou a usá-los na sopa (especialmente os da lata, do
agrado do Bruno), ou no cozido à portuguesa, secos, que ponho de molho, antes.
Mas embirrei com a dos aviões: charada maçuda, comprida, remexida como o rabo
do lagarto do rabo cortado, que é rabo para aquém do lagarto: remexidamente,
o que nos assusta e desgosta. Para mais, um enunciado pretensioso e mastigado,
próprio apenas para quem conheça os aviões por dentro, o que não julgo que seja
coisa comum, pelo menos entre os professores com poucos anos de curso, salvo se
pertenceram ao Processo de Bolonha.
Eis a charada dos aviões, de que resultaram as
explosões de descortesia da minha amiga, que muito deplorei, cortês que sou, embora
a minha irmã também alinhasse na crítica, até porque já lera o artigo do Vasco
Pulido Valente – “A estupidez à solta”, saído no Público de 30/1,
com que Pulido Valente reiniciou a sua actividade, após um estranho interregno,
que nos afundou em escuridão.
Mais parece, a dos aviões, romance neo-realista de
outros tempos, comprovativo dos desníveis sociais ainda existentes, com
diferenciação nos espaços para as pernas, incompreensíveis numa democracia de
igualdade de direitos, que se conquistou em espalhafato festivaleiro, não
merecedora de tais discrepâncias actuais em relação às pernas e à dimensão dos
espaços sentados:
«Itens 8 a 10:
Uma
companhia aérea transporta passageiros em classe económica e em classe
executiva. As filas de A a C, com dois assentos de cada lado do corredor
central, pertencem à classe executiva. A classe económica é composta pelas
filas de D a M. De um lado do corredor, cada uma destas filas tem dois
assentos. Do outro lado do corredor, cada fila tem três assentos, com exceção
das filas G, H e I, que não existem nesse lado do corredor. Existem quatro
saídas de emergência, duas sobre as asas, entre as filas J e K, e duas no topo
da classe executiva, antes da fila A. Com esta disposição, os passageiros
sentados nas filas D e K têm mais espaço para as pernas do que os restantes
passageiros que viajam em classe económica. Todos os lugares em classe
executiva têm mais espaço para as pernas. Os preços dos lugares variam de
acordo com o voo e a classe pretendida.
8.
Num
determinado voo, a classe executiva está completa e cada bilhete custou 300
euros. Dos lugares em classe económica, apenas seis ficaram por vender e cada
bilhete custou 200 euros.
Qual
é a receita deste voo?
(A)
11 800 € ; (B)10 600
€; (C) 10 000 €; (D) 8 800 €»
Fascinada com a questão dos espaços para as pernas,
naturalmente em pânico de claustrofobia, nem me dei ao trabalho de tentar
resolver, para mais baralhada com a distribuição das cadeiras e das pernas, que
nem Hercule Poirot se daria ao cuidado de decifrar. Mas o problema continuou,
com o alarde próprio de quem costuma singrar nos ares, tal como fizeram outrora
os nossos antepassados nos mares, embora com muito mais incomodidades do que
essas das pernas, coitados:
«9.
Em
classe económica, os apoios de braços entre as cadeiras podem ser levantados, exceto
nos lugares com mais espaço para as pernas. Quando o voo não está cheio e as
condições atmosféricas são favoráveis, é permitido levantar estes apoios e
esticar as pernas sobre duas ou três cadeiras. No máximo, quantos passageiros
poderão usufruir desta vantagem?
(A)
Dezassete; (B) Treze;
(C) Oito; (D) Quinze»
Todavia, acho execranda essa possibilidade de esticar as pernas
sobre outras cadeiras, conquanto não duvide da imaculada limpeza das ditas numa
viagem de tal envergadura aérea.
«10.
No
plano de evacuação do avião, está previsto meio minuto, em média, para evacuar
um passageiro por uma saída de emergência. A cada lugar corresponde uma saída
de emergência, determinada pela fila e pelo lado do corredor. Num certo voo,
viajam 20 passageiros nas seis primeiras filas do avião, metade de cada lado do
corredor.
Em
caso de necessidade, estes passageiros terão de ser evacuados pela saída de
emergência localizada no topo da classe executiva. Os 25 passageiros que viajam
nas restantes filas, 12 de um lado do corredor e 13 do outro lado, serão
evacuados pela saída de emergência que está localizada sobre a asa do avião.
As
quatro saídas de emergência funcionam em simultâneo. Quanto tempo está previsto
demorar a evacuação dos 45 passageiros deste voo?
(A)
22 min 30 s; (B) 22 min 50 s; (C) 6 min 30 s; (D) 6 min 50 s»
A minha amiga não aguentou tanta pressão causada pelo
problema da evacuação do avião, receosa de que este explodisse antes da
evacuação total e ela própria explodiu:
«- Um tipo que promove tal enormidade parece
maluquinho. Coisa tão estranha aquilo que inventa! O homem não está bom da
cabeça!”
Eu ainda quis defender o Nuno Crato,
desresponsabilizando-o da elaboração da prova, mas também me senti paralisada
com a tragédia da evacuação, que nem os examinandos poupa, os quais. antes de
estarem ali, já tinham feito os cursos e os estágios competentes, só lhes
faltando a prática lectiva que decorre no tempo e na aplicação.
E a minha irmã concluiu piedosamente:
- Coitados dos professores assim humilhados por quem
tem a faca e o queijo na mão para lhes cortar as pernas! O Vasco Pulido Valente
tem toda a razão.
E estendeu-me o artigo, que leio já em casa, pois
esgotara-se o nosso tempo de café. E, claro, Vasco Pulido Valente aponta mais
algumas anomalias da prova, a charada dos futebóis, por exemplo, item 6, que
não podiam faltar no nosso panorama cultural, mesmo ao nível de um exame. Para
além do tal alarido em torno dos erros ortográficos que Pulido Valente não
aceita que se condenem, na flutuação de uma ortografia acéfala, criada na
penúria e na subordinação.
A estupidez à solta
30/01/2015
Dezenas de analfabetos que
gostam de se dar ares fizeram um escândalo com o aparente excesso de erros de ortografia,
pontuação e sintaxe dos 2490 professores que se apresentaram à “Prova de
Avaliação de Conhecimentos e Capacidades” (PACC). Deus lhes dê juízo.
Para começar, não há em Portugal uma ortografia
estabelecida pelo uso ou pela autoridade. Antes do acordo com o Brasil – um
inqualificável gesto de servilismo e de ganância –, já era tudo uma confusão.
Hoje, mesmo nos jornais, muita gente se sente obrigada a declarar que espécie
de ortografia escolheu. Pior ainda, as regras de pontuação e de sintaxe variam
de tal maneira que se tornaram largamente arbitrárias. Já para não falar na
redundância e na impropriedade da língua pública que por aí se usa, nas
legendas da televisão, que transformaram o português numa caricatura de si
próprio; ou na importação sistemática de anglicismos, derivados do “baixo”
inglês da economia e de Bruxelas.
De qualquer maneira, a pergunta da PACC em que os professores mais falharam acabou por ser a seguinte: “O seleccionador nacional
convocou 17 jogadores para o próximo jogo de futebol (para que seria?). Destes
17 jogadores, 6 ficarão no banco como suplentes. Supondo que o seleccionador
pode escolher os seis suplentes sem qualquer critério que restrinja a sua
escolha, poderemos afirmar que o número de grupos diferentes de jogadores
suplentes (é inferior, superior ou igual) ao número de grupos diferentes de
jogadores efectivos.” Excepto se a palavra “grupo” designar um conceito
matemático universalmente conhecido, a pergunta não faz sentido. Grupos de quê?
De jogadores de ataque, de médios, de defesas? Grupos dos que jogam no
estrangeiro e dos que, por acaso, jogam aqui? Não se sabe e não existe maneira
de descobrir ou de responder. O dr. Crato perdeu a cabeça.
Na terceira pergunta em que os professores mais
falharam, o dr. Crato agarrou nas considerações tristemente acéfalas de um
cavalheiro americano sobre “impressão e fabrico” de livros. Esse cavalheiro
pensa que há “livros em que a beleza é um desiderato” (ou seja, a beleza do
objecto) e outros “em que o encanto não é factor de importância
material” (em inglês, “material” não significa o que o autor da PACC
manifestamente julga). E o homenzinho acrescenta pressurosamente: “Quando
tentamos uma classificação, a distinção parece assentar entre uma obra útil e
uma obra de arte literária”. A obra de arte pede beleza ao tipógrafo (ao
tipógrafo?), a obra útil só pede “legibilidade e comodidade de consulta”.
Perante este extraordinário cretinismo, a PACC exige que os professores digam se
o “excerto” “ilustra” os dois termos de uma comparação, o primeiro, o segundo
ou nenhum deles. Uma pessoa pasma como indivíduos com tão pouca educação e tão
pouca inteligência se atrevem a “avaliar” alguém.
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