quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Então agora vamos a dizer bem de quem?



Já tínhamos falado no Mário Soares e a nossa amiga augurou-lhe o Natal em casa, apesar de se dizer convicta, no que ambas – a minha irmã e eu – concordámos, que mais vale aliviar a carga do próprio e dos que lhe são próximos, quando o sofrimento é grande. Manter a vida acaba por ser crueldade, mas compreendemos que, quando se ama bem, a gente daria tudo para impedir a Átropos de cortar o fio que a Láquesis vai esticando da roca ou tear que a Cloto segura, sinistras figuras que presidem aos nossos destinos. É claro que Mário Soares tem amigos sinceros, como demonstraram a Maria Elisa, lamentando que a mocidade de hoje desconheça o herói da nossa democracia, porque não viveu na ditadura e não pode, pois, saborear-lhe os efeitos por comparação, a sua liberdade sendo dado adquirido, como parte das suas vidas, apenas ensombrada por tantos desmandos da insegurança actual. Quanto a Freitas do Amaral, nenhuma de nós acreditou na sua emoção, mas concordámos que ele está em todas, numa evolução de 180 graus, como tantos outros fizeram, que pareciam firmes nas convicções primeiras, de contestação contra a destruição dos velhos valores, mas acabaram por embarcar na mesma nau impelida pelas ajudas externas e que convinha não deixar escapar. Já o meu marido e eu tínhamos antes comentado o seu oportunismo e hipocrisia, mas a minha irmã usou o termo senilidade e a nossa amiga saiu-se com o “Está xexé” do seu desprezo.
Quanto ao Marcelo, não se cansaram de lhe tecer loas, a nossa amiga com receio de que ele não aguente tanta movimentação: - Veio dos Estados Unidos e antes de ir para casa, foi visitar o Mário Soares!
Referiu o caso de alguém que em Faro tomou conta de crianças abandonadas e Marcelo foi ao acender das luzes da árvore de Natal deles:
- Olha lá! Alguma vez algum presidente ia a Faro só para assistir ao acender das luzes de uma casa de crianças abandonadas? Pois Marcelo foi lá! Só tenho pena que ele não aguente e caia para o lado.
E falaram de outras singularidades, a minha irmã contou das molas que ele muda, a virar a roupa para o sol, e eu senti-me reconfortada nos meus trabalhos caseiros, pois ainda há dias fizera o mesmo, com um tapete que lavei, mudando-o para a parte de trás também secar, embora esse pormenor de esforço nada represente no andamento económico da nação.
A nossa amiga explicou que esteve a ler a história do pai de Marcelo lá por Moçambique, que ele ia ao mato, quando era governador, e falava com a malta toda, e eu falei em genes, mas a minha irmã explicou que o resto da família não era tão efusiva e eu admirei-me dos seus conhecimentos “substantivos”, palavra tão em moda agora como adjectivo, a classe gramatical “substantivo” retirada das análises morfológicas, substituída pelo genérico “nome”, classificado rebuscadamente em próprio e comum, até ver, e ainda por cima em outras subclasses de contáveis e não contáveis, o açúcar e a amizade estando entre os últimos, o pires e a chávena entre os primeiros, as lágrimas não sei bem onde colocar, assim como quaisquer águas, sejam as do mar sejam as das poças, o que me dá um complexo de incapacidade definidora, por muita complexidade com que queiramos sobrecarregar os miolos das crianças, suponho que igualmente figurando entre os nomes não contáveis.
A nossa amiga contou ainda, a propósito da tendência para a negatividade do cômputo geral das conversas, que, numa reunião com outras suas amigas, resolveu largar triunfalmente:
- Eu vou dizer uma coisa boa: não sei se vocês viram a notícia sobre a clínica Champalimaud que  estendeu a lista de tratamentos a diversos tipos de doenças…
Mas logo foi interrompida no seu entusiasmo:
Disse uma: -Pois olhe que eu já ouvi dizer que um operado ficou aleijado…
E outra acrescentou que uma pessoa lá tratada piorara...

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