Vem hoje no Público. É extraordinário
como tudo por cá se faz devagarinho! De resto, achava que o caso estava
arrumado, e o texto não passará de mais uma entrevista com mais uma opinião,
cheia de evasivas e nenhuma pressa de cortar cerce esse aborto, que é o AO, próprio de um país subdesenvolvido, como sempre
foi. Porque só o pode ser quando se cria um Acordo nos moldes deste, em que gentes que se dizem sábias, que até
compuseram um dicionário que muitas vezes consultei, da Academia das Ciências,
e onde encontrei omissão talvez de dezenas de palavras - e não só o robalo
citado na entrevista ou a semiótica - que por descuido não apontei então e tenho pena, embora
ciente de que, mesmo que informasse a Academia nesse sentido, não teria daí resultado
nenhuma correcção, nem em adenda. Pessoas que se atrevem a achincalhar a sua
língua, criando um tal mono desengonçado, depois de terem criado um Dicionário numa Academia de Ciências, Academia que,
evidentemente deve ser mais propícia ao gosto por retortas e aracnídeos do que
sensível à ciência das Letras - apesar da aplicação em aprofundar o sentido das
palavras em bases científicas de apreciar - e um governante primeiro ministro
que no seu último programa da Quadratura mostrou grotesca
insensibilidade à deformação linguística, que Pacheco Pereira não se dignou
contestar – estava-se, então, em troca adequada de galhardetes de despedida,
além de que em democracia não há que condenar, nem sequer a estupidez da vã
grosseria - são prova de um país sem
estrutura mental credível. E, a propósito de uma análise do comportamento
mesquinho e vil da nobreza inculta portuguesa que, no século XVIII, Luís António Verney aponta no seu “O
Verdadeiro Método de Estudar”, transcrevo uma nota em rodapé de Joaquim
Ferreira (Colecção Portugal, com excelente Prefácio do mesmo Editor), confirmativa
da asserção, ainda hoje tão proeminente, noutro tipo de “aristocracias”, emanadas de outros poderes:
“A embófia da fidalguia hispânica era tradicional
e bem conhecida. As anedotas corriam mundo. Quanto a Portugal ela raiava pelo
estonteamento e chegava, muitas vezes, à imbecilidade. Verney atribuía-a à
ignorância da história e à ausência do mundo exterior. A história ensinaria aos
nobres que houve imperadores de origem plebeia, e que um título hierárquico é
apenas um acto de munificência do soberano; o trato com o mundo exterior
dir-lhes-ia que os seus títulos nada valem fora da sua pátria, e que só a
virtude pessoal capta a veneração dos estranhos. Mas os nobres portugueses eram
quase todos uns tonéis de vaidade estúpida – razão da sua intransigência na
linha dos pergaminhos e da sua insolência no convívio com os humildes.
Não mudámos grande coisa. E a prova é o AO. O próprio título da entrevista “Nós consideramos que o normal é o
respeito pelas ortografias nacionais” é revelador de uma falta de convicção acobardada e
bacoca. Nada de definitivo se processa ainda, são apenas arrastados subsídios de aperfeiçoamento do AO.
E assim vamos empatando, até prescrever e os discordantes desistirem...
“Nós
consideramos que o normal é o respeito pelas ortografias nacionais”
O Presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Artur
Anselmo, anuncia para Janeiro um documento chamado Subsídios para o
Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico. É o retomar da polémica pelo lado
científico, num campo onde "a política é incompetente".
Público, 12 de Dezembro de 2016
Artur Anselmo é, aos 76 anos, impulsionador de um movimento
de rejuvenescimento da Academia Jornal PÚBLICO
Presidente da Academia das Ciências de Lisboa até finais de
2018, filólogo, professor, autor do recente História do Livro e Filologia (Ed.
Guimarães, 2015), Artur Anselmo é, aos 76 anos, impulsionador de um
movimento de rejuvenescimento da Academia, onde acabam de ser admitidos, na 1.ª
secção da Classe de Letras, Manuel Alegre, Helder Macedo (efectivos), António
Lobo Antunes e José Manuel Mendes (correspondentes). No dia 15 de Dezembro, às
15h, o ano académico encerrará com uma conferência do general Ramalho Eanes,
intitulada Portugal no Tempo e no Mundo. Para 2017, anuncia-se uma proposta
de revisão do acordo ortográfico de 1990 [AO90] sob o prisma da ciência, em
detrimento da política. Artur Anselmo explica as razões de tal iniciativa.
Um ano depois do colóquio Ortografia e Bom Senso,
anuncia-se um Dicionário para 2018 e um “aperfeiçoamento” do acordo
ortográfico. Isso significa o quê?
Muitos
confrades de ciências estão a participar nos trabalhos do Dicionário. Na área
da Química, da Biologia, da Botânica, das ciências da Terra, das ciências do
Espaço. Isso não aconteceu em 2001, porque o dicionário foi feito em boa parte,
sob a direcção do confrade João Malaca Casteleiro, por licenciados, professores
de português, jovens, pessoas que não eram especialistas. Daí lacunas terríveis
que ocorreram. No outro dia descobri que faltava a palavra “robalo”! Ou
“semiótica”! Ou “semiologia”!
E quanto ao chamado acordo ortográfico?
É
um problema científico. Por mais que nós possamos negociar com forças
políticas, sociais, sindicais, na base está a ciência. Isto é uma Academia das
Ciências! No dia em que aceitarmos de olhos fechados situações que ferem a
nossa inteligência, o senso comum e a tradição científica, não estamos a
cumprir as nossas obrigações.
Vemos que cada vez mais textos oficiais e oficiosos,
como por exemplo os dos museus, estão escritos numa ortografia mista, num
absoluto caos…
Eu
acrescento os boletins camarários e as legendas dos cinemas. O último boletim
da Câmara de Viana fala em concessão de uma estrada mas escreve com ç
cedilhado. É uma trapalhada. E o corrector não marca erro porque não faz
interpretação semântica!
Portugal passou de um acordo com 51 bases, o de 1945,
para um acordo com 21 bases, o de 1990, muitas delas decalcadas das anteriores.
Como explica isso?
São
transcrições abusivas, sem citar a fonte. Desde o primeiro dia que eu senti
isso. Isso chama-se plágio, plágio descarado, é crime.
Mas o que pode fazer a Academia, no ponto em que
estamos?
Eu
vivo numa casa onde há pessoas que pensam de maneira diferente da minha. E o
presidente da Academia não é o seu dono e muito menos o ditador da Academia. O
presidente tem acima dele o plenário de efectivos. Eu não faço nada de
significativo para a vida académica que não leve ao plenário! O que vai ser
apresentado é uma proposta no sentido de seguirmos a ordem alfabética de 1945,
mas assinalando, em bold (antigamente dizia-se negrito, ou normando) aquilo que
foi alterado. Portanto, teremos concepção com o P em bold. A pessoa quer saber
como escreve hoje e vai lá.
Mesmo assim, o problema fica por resolver. Porque
estamos a arrastar uma situação dúbia para o ensino, onde se misturam as normas
devido às grafias duplas e às facultatividades…
Porque o chamado acordo permite essas situações dúbias. Sendo o órgão de consulta do governo em matéria linguística, a Academia foi consultada em 1990 mas não foi consultada quando um ministro resolveu pô-lo em vigor. Como é que saímos disto? Com uma reunião interacadémica. Porque não há outra maneira de fazer as coisas.
Porque o chamado acordo permite essas situações dúbias. Sendo o órgão de consulta do governo em matéria linguística, a Academia foi consultada em 1990 mas não foi consultada quando um ministro resolveu pô-lo em vigor. Como é que saímos disto? Com uma reunião interacadémica. Porque não há outra maneira de fazer as coisas.
Mas o que é que significa aperfeiçoar o acordo, como
se diz?
Há
coisas que podem não causar grandes problemas. Porque, quer queiramos quer não,
há seis anos que isto anda nas escolas, há crianças que desde o primeiro ano
seguem as normas do acordo. Agora se numa negociação há pessoas que perdem logo
a cabeça, não é possível. Por isso é que, infelizmente, são as ditaduras que
conseguem resultados. Em 1945, não esqueçamos, Portugal vivia numa ditadura e o
Brasil também…
Em termos concretos, o que é que está a ser feito neste
momento na Academia?
Nós vamos agora publicar em Janeiro os Subsídios para o Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico. Estão prontos, foram feitos por uma equipa dirigida pela Ana Salgado, na última reunião já tiveram um acordo de princípio, agora vão ao plenário de efectivos. É uma contribuição, neste momento a Academia não pode fazer mais do que isto. Temos de agir com prudência, mas sem abandonar o critério científico.
Nós vamos agora publicar em Janeiro os Subsídios para o Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico. Estão prontos, foram feitos por uma equipa dirigida pela Ana Salgado, na última reunião já tiveram um acordo de princípio, agora vão ao plenário de efectivos. É uma contribuição, neste momento a Academia não pode fazer mais do que isto. Temos de agir com prudência, mas sem abandonar o critério científico.
No documento agora divulgado pela Academia diz-se
isto: “Qualquer tentativa de uniformização ortográfica nos diversos países que
usam a língua portuguesa como oficial é utópica.” Mas essa não é a base em que
assenta o acordo, nessa utopia?
Deve dizer que essa formulação levantou aqui muitas objecções. Nós consideramos que o normal é o respeito pelas ortografias nacionais. Os angolanos têm todo o direito de escrever kwanza com K e com W. Como o “center” dos americanos e o “centre” dos ingleses. A época mais pacífica em matéria ortográfica medeia entre 1955 e 2010; em 1955, Café Filho rasga, no Brasil, o acordo assinado por Getúlio Vargas; e em 2010 o senhor ministro meteu na cabeça aplicar uma coisa aprovada vinte anos antes, durante os quais nada se fez nada para melhorar o acordo! Houve o desinteresse mais completo!
Deve dizer que essa formulação levantou aqui muitas objecções. Nós consideramos que o normal é o respeito pelas ortografias nacionais. Os angolanos têm todo o direito de escrever kwanza com K e com W. Como o “center” dos americanos e o “centre” dos ingleses. A época mais pacífica em matéria ortográfica medeia entre 1955 e 2010; em 1955, Café Filho rasga, no Brasil, o acordo assinado por Getúlio Vargas; e em 2010 o senhor ministro meteu na cabeça aplicar uma coisa aprovada vinte anos antes, durante os quais nada se fez nada para melhorar o acordo! Houve o desinteresse mais completo!
Uma decisão mais clara, hoje, tem de passar pelo poder
político?
Tem
de passar. A Academia vai fazer uma sugestão e depois vai aguardar ser chamada
para participar em reuniões. Isto se o poder político estiver interessado em
fazê-lo. Eu tenho a maior confiança no actual Presidente da República, mas não
haver ninguém no governo que diga ‘talvez possamos melhorar isto’, faz-me uma
aflição tremenda.
Têm recebido, da parte de associações, reacções
adversas ao acordo?
Esse
problema preocupa-me muito. Pela correspondência que recebo, tenho a sensação
de que a Sociedade Portuguesa de Autores, o Pen Clube, a Associação Portuguesa
de Escritores, todos estes representantes da escrita em Portugal estão a
reagir. E contam-se pelos dedos os escritores que aceitam o chamado acordo
ortográfico.
Voltando à proposta da Academia: ao mexer no texto do
acordo, ao alterá-lo, não se está de certa maneira a acabar com ele? Porque é
um acordo internacional…
O que pode acontecer é que, a dada altura, as divergências sejam tão grandes que já não faça sentido nenhum voltar à ideia de um acordo. Por isso é que preferíamos a expressão “convenção”, porque uma convenção a todo o momento pode ser alterada.
O que pode acontecer é que, a dada altura, as divergências sejam tão grandes que já não faça sentido nenhum voltar à ideia de um acordo. Por isso é que preferíamos a expressão “convenção”, porque uma convenção a todo o momento pode ser alterada.
Mas isso significava deitar este acordo fora.
Claro.
Mas aí tinham de entrar os juristas. E o poder político também não está a dar
nenhuma importância aos juristas, porque já houve vários, e alguns eminentes,
que se pronunciaram e ficou tudo na mesma.
Privilegia-se, neste caso, ainda a política?
Sim,
e aí é que está o mal. Porque neste campo a política é incompetente. E por isso
deve ter cuidado, não deve meter o nariz onde não é chamada. E aqui não é
chamada. Em 1945, até à parte em que entrou o poder político, houve o cuidado
de só envolver nisto cientistas da língua. Aqui as coisas não começaram mal, o
pior foi depois. Ora quando o senhor ministro da Cultura, que eu muito respeito
como poeta, é interrogado sobre o acordo e diz ‘o meu editor é que trata’,
isto, francamente, não pode ser!
Nenhum comentário:
Postar um comentário