quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Um poema de Fernando Pessoa (de 15 - 11 - 1908 )



A luz que vem das estrelas,
Diz — pertence-lhes a elas?
O aroma que vem da flor,
É seu? Dize, meu amor.

Problemas vastos, meu bem,
Cada cousa em si contém.
Pensando claro se vê
Que é pouco o que a mente lê
Em cada cousa da vida,
Pois que cada cousa, enfim,
É o ponto de partida
Da estrada que não tem fim.

Perante este sonho eterno
Falar em Deus, céu, inferno…

Ah! dá nojo ver o mundo
Pensar tão pouco profundo.

Parâmetros de análise:

- Temática tratada
- Divisão do poema
- Figuras de estilo
- Comparação com uma obra de arte modernista.

Um poema  que, em discurso directo, explora a temática do mistério supremo da vida, no desconhecimento que desde sempre aflige o Homem, a respeito das origens primeiras de uma realidade  ligada – ou não - a um ser espiritual criador do Céu e da Terra. É, pois uma temática de espiritualidade que nele está contida, na qual, perante o abismo que separa o Homem de uma omnisciência, o sujeito poético só pode concluir com uma exclamação e uma expressão de desgosto, no reconhecimento da pobreza espiritual humana ante o incomensurável do “Ser”.

O poema divide-se em três partes: a primeira, constituída pela quadra inicial, onde se faz uma interrogação  repetida à mulher amada sobre o significado de pertença da luz ou do aroma aos seres que os detêm – estrelas ou flor – a interrogação sugerindo à partida, resposta negativa.
A segunda parte é constituída pela 2ª estrofe – uma oitava – ainda em discurso directo, de desenvolvimento da tese sobre a problemática existencial, cada coisa que existe ou se descobre, pertencente à mesma interrogação sobre o quem e os porquês da sua passagem  na “estrada que não tem fim”.
A terceira parte – os dois dísticos finais - retomam a constatação do “sonho eterno”, o falar sem sentido daquilo que para sempre se desconhece – Deus, céu, inferno – para concluir com a frase de repúdio do homem, infinitamente pobre de saber.

- Um poema de grande simplicidade de expressão, e no entanto revelador da grande subjectividade característica da personalidade literária e humana do maior poeta e pensador do século XX português, talvez o maior de sempre, na riqueza de conteúdo e forma que cada heterónimo e ortónimo traduz – nas várias problemáticas deles representativas – mas, tal como nos poemas da 3ª fase de Álvaro de Campos, e frequentes nos poemas do  Pessoa ortónimo, de solidão e angústia pelo sentimento de impotência em face do desconhecido, neste poema também sobressaem tais sentimentos, de brandura na interpelação à amada, mas que desabam no grito final do desgosto impotente.
Assim, neste discurso subjectivo interpelativo, em que sobressai uma argumentação bastamente ponderada, como figuras de estilo pode-se apontar o animismo referente aos seres estrelas ou flor, como contendo hipotético poder criador, extensivo a cada cousa, sempre problemática, afinal, para a mente humana - nova personificação - de capacidade diminuta. Perífrase metafórica, a expressão “ponto de partida da estrada que não tem fim” . As reticências de suspensão do discurso, com a metáfora hiperbólicasonho eterno”, eis outra característica de subjectividade, antecipando a interjeição final  “ah!” seguida do discurso mordaz de desgosto.

- Eu apontaria o retrato de Pessoa por Almada Negreiros, não como expressão das angústias existenciais contidas no poema – de que o quadro expressionista “O Grito” de Edvard Munch parece ser o mais convincente - mas como homenagem a uma figura ímpar da nossa literatura e como homenagem também ao artista Almada Negreiros que tão bem soube captar os traços espirituais de um verdadeiro “senhor”, na atitude esguia e hirta e no seu cigarro, que nos leva ao poema também ímpar, da 3ª fase de Álvaro de Campos – “Tabacaria”: “Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando”  - o cigarro quase insignificante mas presente, como faúlha para sempre acesa na imensidão do seu espírito.

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