Infelizmente não se trata da definição de “Loucura”,
aplicável a D. Sebastião, por Fernando Pessoa na sua Mensagem:
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
Não, não se trata dessa elegante loucura, que define o homem
fazedor de feitos – ainda que se revelem ruinosos - mas, no nosso caso,
apenas de maldade arrogantemente provocatória, da parte de uma gente alinhada
com o poder que o Dr. Costa lhe concedeu - em benefício próprio, é certo - e
que grita alto e bom som esses valores de apoio soez a um prepotente sem
escrúpulos, como o faria no caso de outros quaisquer ditadores de crueldade
impune, mais para mostrar as garras contra uma direita para esses sempre
significativa de avidez, ainda que muita da sua fortuna tenha sido proveniente
de trabalho honrado e muita da miséria por
esses defendida seja significativa
apenas de mândria ou desmazelo.
O artigo desta semana de Alberto Gonçalves,
na sua indignação pela cobardia ou subserviência das gentes - domesticadas umas
- as do grupo PSD - outras apenas provocatórias, nas suas loas a um seguidor da
doutrina maquiavélica dos fins justificativos dos meios, chama a atenção para
uma dessas personagens como sempre as houve, de “poetas” encomiásticos, que me
trouxeram à lembrança um velho artigo de “Cravos Roxos” (1981) que
transcrevo, considerando assim o eterno ciclo humano, sempre igual, sempre
repetitivo, tal como o faz o ciclo das estações do ano - com perdão para estas,
naturalmente, cujas belezas repetitivas não podem admitir paralelismos desconchavados
- os desconchavos humanos esses sim, próprios da “besta sadia, cadáver
adiado que procria” que em todos os tempos houve. Lembrei-me desse texto
mas, de modo nenhum pretendo equiparar os dois poetas da minha prosa antiga com
o poeta descrito por Alberto Gonçalves - o intelectual Boaventura
Sousa Santos – de valores
culturais mais vastos, como Alberto Gonçalves revela, em exemplos de “perder
o tino, a armar ao fino” da expressão de Camilo de Oliveira e Ivone
Silva.
Eis o texto de “Cravos Roxos”:
“Os Homens, os livros e as
coisas” e a falta de honra
«Há na nossa
RTP um programa juvenil - “Os Homens, os livros e as coisas”- apresentado
por um distinto jovem defensor dos novos poetas a reverenciar – os poetas
africanos lacrimejantes e vociferantes por conta do seu povo ou os poetas
portugueses vociferantes e lacrimejantes por conta do povo dos poetas
africanos.
A atitude é válida – dá um certo arejamento modernizante
à programação televisiva – mas naturalmente facciosa, enquadrada na linha de
orientação política da TV portuguesa e dos modernos intelectuais portugueses,
as palavras roncantes “fraternidade”, “democracia”,
“liberdade” e quejandas, geralmente encobridoras de ódios e frustrações
pessoais, pretendem apagar as outras mais discretas mas eternas, como sejam o
amor da pátria e da família.
Por esse motivo o programa juvenil “Os Homens,
os Livros e as Coisas”, como se não houvesse algo de mais nobre a oferecer aos
jovens, quase se limita à expansão de poetas que ululam invectivas contra os
exploradores e achincalham desse modo a pátria portuguesa, esquecidos de que a
pátria portuguesa o foi igualmente de navegadores e de construtores de mundos novos,
embora também, é certo, «hélas!» de ululadores cultivados às mesas dos cafés
palreiros e esterilizantes. Indivíduos sem brio nem dignidade, cuja cobardia
moral e física explica as suas maneiras de pseudo-fraternidade , mostram-se
imbuídos de um pseudo-intelectualismo amaricado à moda, mas realmente escasso
de intelecto, que os leva a ampliar uns factos e a distorcer outros, sem
equilíbrio nem pundonor.
O programa de 27 de Janeiro foi elucidativo
sobre esse ponto. Nele depuseram dois jovens poetas – Jorge Monte Cide e Jorge
Vaz de Carvalho – que analisaram a sua evolução espiritual de militares
combatentes contrariados em Moçambique.
O primeiro, Monte Cide, é um poeta da velha
guarda, do bom versinho rimado a eito, onde cadeira rima aconchegadamente com
esteira e com palmeira, capulana com cana, cansaço com espaço e os gerúndios
entre si, v. g. dançando com batucando, com falando, com matando. A ingenuidade
do estilo denunciando o primitivismo da mente, levou o seu apresentador
ardilosamente a abordá-lo com discrição, receoso de qualquer “gaffe” em prosa que
lhe aniquilasse o seu programa lírico.
Jorge Vaz de Carvalho falou-nos mais de si, dos
seus anseios e da sua evolução espiritual. Na adolescência trocou Camões por
José Gomes Ferreira e o facto marcou-o a ponto de o imitar nos seus versos,
embora eles atestem um radicalismo mais extremista do que ultra-romântico
autor seu mestre.
Com efeito, assim é. Tal como Gomes Ferreira
que tanto afirma sofrer com a miséria alheia – e o repete monotonamente ao
longo dos seus milhares de versos, bramando e gesticulando cheio de gana, Vaz
de Carvalho apresenta esta formidável tirada, sem dúvida fruto de uma pueril
megalomania:
“milhões de homens a sofrerem por mim…
recuso-me”
Mas porque se recusa, propõe-se resistir… “com
amor”… “até que rigorosamente vermelhas as bandeiras amanheçam”.
Verificamos por aqui que a bandeira verde-rubra
que como soldado jurou certamente defender, nada significa para ele,
especialmente votado ao vermelho rigoroso.
Também a fraseologia surrealista à Gomes
Ferreira não está ausente dos seus versos. Citamos “sem olfacto de jasmins” ou
o rouxinol que ao morrer deixou cair a cabeça, “que os braços ergueram-se para
afagar o sol”, anomalias biológicas sem efeitos violentos sobre as estruturas
sociais.
Vaz de Carvalho não admite a poesia como
criação artística pura, ao pretender para ela apenas um carácter
intervencionista, de “engagement à la page”.
Daí que à pergunta do seu apresentador sobre a
sua actividade actual no domínio da arte após o 25 de Abril, ou seja, após a
entrega dos territórios de além-mar aos pretos que passarão civilizadamente a
eliminar a esteira e a capulana – e provavelmente também a palmeira – do seu
uso pessoal, e a entrega da pátria à tal bandeira rigorosamente vermelha e
niveladora (a descontar as cúpulas), o novel poeta tenha denunciado a crise da
sua produção artística actual que retomará, a bem das letras, com a visita das
musas por ora arredias.
A pergunta foi inteligente, embora de modo
nenhum insidiosa, porque apenas amigável. De facto, esgotados os motivos de
revolta para os intelectuais e artistas de pacotilha, agora que obtiveram a tal
sociedade onde não haverá mais exploração nem miséria – a que houver, com a
mudança de responsabilidades tornar-se-á – felizmente para a literatura – mais aceitável
– poder-se-á perguntar-lhes qual a temática sobre que irá incidir o seu génio
artístico, já que ele não tem manifestado acesso senão a essa tão decantada da
miséria, das injustiças e da exploração do homem de certas esferas e da mulher
de todas as esferas pelo homem injusto e explorador de todos os tempos.»
O artigo de Albero Gonçalves:
Os amigos do povo português
DN, 4/12/16
Zelosa, a AR aprovou não um, mas dois votos de pesar
pela morte de Fidel Castro, dois votos mais do que o sujeito teve em 90
anos de vida. O voto do PCP (que louvou o "ideal e projeto de construção
de uma sociedade justa e solidária" e o "amigo do povo
português") contou com a aprovação de todos os deputados comunistas, BE
incluído, a oposição do CDS e, com poucas excepções contrárias, a abstenção de
PSD e PS. Quanto ao voto do PS (que refere o "intenso e apaixonado debate
entre os que aderem e os que se opõem" ao "percurso ideológico e
político" do falecido), foi aprovado pelo PS (menos Sérgio Sousa Pinto) e
pelos partidos comunistas, com a oposição do CDS e, com poucas excepções contrárias,
a abstenção do PSD.
Duas
ou três coisinhas. Não espanta a unanimidade de PCP e BE, tanto a decidirem em
rebanho como a exaltarem um assassino particularmente cruel e um dos maiores
inimigos de liberdade no século XX. Começa a não espantar o apreço de boa parte
do PS por ideologias totalitárias, que se tornou óbvia após a aliança de
Novembro de 2015, embora não tenha nascido aí. É bastante deprimente que, por
omissão, além da cobardia e da pura idiotia, até o PSD - e, que eu saiba, Pedro
Passos Coelho - legitime tamanha vergonha.
Contas
feitas, directa ou indirectamente, cerca de noventa por cento dos
representantes do povo acham Fidel digno de encómios - ou no mínimo
toleram-nos. Ou a representatividade é uma fraude, ou é oficial que quase todos
os portugueses defendem regimes fundamentados na prisão, tortura e morte de
dissidentes, na perseguição de minorias sexuais e religiosas e, para os
afortunados, na mera opressão quotidiana, na censura e na miséria extrema. E em
bailaricos de salsa.
Perante
este cenário sem esperança, resta apurar se os portugueses serão vítimas de
circunstâncias desafortunadas ou se merecem acabar mal. Porque não haja
dúvidas: com a alucinada gente que manda nisto, isto vai acabar mal.
Entretanto, no regresso de um feriado feliz, o país celebrou-se a si mesmo. Não
nos falta orgulho no passado. O que nos falta é futuro.
Quinta-feira, 1 de Dezembro
Versos vermelhos
Já
é embaraçoso que um adolescente dedique poemas à namorada, à vizinha, à mãe ou
à menina que o atende na loja da Meo. Mas que espécie de distúrbio leva um
adolescente apenas mental a dedicar poemas a um velho milionário que vivia nas
longínquas Caraíbas? Por outras palavras (e que palavras, Nossa Senhora!), o
intelectual Boaventura Sousa Santos escreveu uns versinhos, em rima
branca, ao falecido Carniceiro de Havana e nem uma junta psiquiátrica
conseguirá explicar porquê. O lado positivo disto é que o dr. Boaventura
escreve tão mal quanto pensa e, escusado acrescentar, o poema é uma galhofa
pegada. E é a segunda vez numa semana que Cuba nos proporciona alegrias.
Sabia-se
há muito que a veia lírica do dr. Boaventura rivalizava em grotesco com o
seu trabalho académico. Dos remotos poemas eróticos ("faz parte desta
gota/ ser a taça e alagar-se/ faz parte deste cisma/ ter entranhas e sujar-se/
faz parte deste coito/ estar a um canto a masturbar-se") às incursões pelo
rap ("Jesus caminha/ caminha com alguém/ que pode ser ninguém/ Allah
caminha/ nas ramblas de granada/ e não acontece nada"), o homem é
um mestre do humor involuntário.
É
também, sob determinada perspectiva, um sujeito invulgar. Qualquer pessoa que
tivesse perpetrado semelhantes atentados à literatura fugiria sem deixar rastro
no dia em que os visse cair no domínio público. Em geral, as pessoas têm
vergonha. Na "poesia" (desculpem) e no resto, o dr. Boaventura não
tem vergonha nenhuma. Por isso, mal o cadáver do ditador arrefecia e, a partir
de um cantinho da Universidade de Coimbra, o mundo era abençoado com nove
estrofes, livres e com antecanto, em louvor dele.
Não
disponho de espaço para divulgar a peça na íntegra. Limito-me a notar que
"Na morte de Fidel" contém referências a "comboios da
imaginação", "manivelas de razão", "barcos
polifónicos", "mobílias espirituais", "turismo de
acomodação", "supermercados" e, claro, "azeite puro".
Se o conteúdo parece saído de experiências médicas, o objectivo é óbvio: o dr.
Boaventura presta vassalagem à causa que serviu a vida inteira, leia-se o
despotismo de esquerda. O dr. Boaventura só não publicou um soneto sobre o
Violador de Telheiras porque o tipo não desgraçou gente suficiente e, para
cúmulo, se calhar vota no PSD.
Sábado, 3 de Dezembro
Um crime hediondo
Parece
que dois pináculos do orgulho pátrio, Mourinho e Ronaldo, protegeram os
rendimentos em offshores para fintarem os impostos. Quem o diz é o Expresso, na
convicção de que se seguirá a indignação da praxe. Não duvido. Por algum
motivo, certas pessoas ofendem-se imenso com os "paraísos fiscais" e
pouquíssimo com os infernos fiscais que lhes deram origem. No sistema de
valores em vigor, querer guardar o que se ganhou através do trabalho é mau;
deixar que o Estado saqueie o que puder do trabalho alheio é bom. Faz
sentido? Faz, principalmente se pertencermos ao grupo, cada vez mais vasto, dos
que não trabalham de todo. Ou, pior ainda, dos que têm um trabalhão para que o
saque continue.
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