sábado, 10 de dezembro de 2016

Mas Alepo?



Crise na Europa, crise em Portugal, naturalmente. Uma criteriosa análise de Teresa de Sousa, seguida de um excerto antigo do Expresso, que pude transpor da Internet. Incertezas, previsões, catástrofes para todos, para nós. Vamos aprendendo e tomando consciência, na corda bamba das convulsões no mundo e na frieza, no fundo ignara, de cada participante da respectiva governação europeia, que vai desertando ou não de um consenso tomado há muito de união económica, para efeitos igualmente políticos, de autodefesa da Europa. E com a eleição de Trump, outros receios acodem, na incerteza das suas práticas futuras no seu terreno e no alheio. Tudo isso irá vindo à luz, cada nação mergulhada nos seus problemas próprios e tentando demarcar-se do que fora estabelecido, ou, mais nobremente, mantendo a postura combinada do “todos por um” da tradição camarada. Mas o horror da destruição e da fome, das intervenções cirúrgicas a sangue frio, ali na Síria, em Alepo, que os ataques russos têm causado - talvez na benéfica intenção de arrasar o terrorismo islâmico, ou na de alargarem o seu próprio espaço territorial, (que decididamente lhes parece pequeno), suplantam, em horror, os nossos próprios medos do futuro, os quais vão sendo mais ou menos suavizados no atamancar contínuo do receituário governativo do nosso primeiro ministro em exercício.
Para já, sentimos a agonia do que se está a viver em Alepo, quase envergonhados com o nosso próprio bem-estar, quando se permite que “Alepo” aconteça, quando já foi a maior cidade da Síria. Mas mesmo que não fosse!
A Europa ou se salva unida ou não se salva
Teresa de Sousa
4 de Dezembro de 2016,
1. Há menos de um mês, a pergunta era: poderia a Europa sobreviver a Donald Trump? Hoje, basta mudar o tempo do verbo: pode a Europa sobreviver ao sucessor de Obama? As notícias da Trump Tower são contraditórias, mesmo que hoje já ninguém acredite na tese segundo a qual o hábito faz o monge. O secretário da Defesa, cuja alcunha nos faz lembrar o Apocalipse Now (Mad Dog), é afinal, escreve o New York Times, um defensor da cooperação com os aliados. Antes assim. A grande incógnita continua a ser a escolha do responsável pela política externa. Parece difícil encontrar alguém que goste de Putin tanto como o Presidente eleito. Todos os dias há uma surpresa. A última foi o telefonema de Trump à sua homóloga de Taiwan, Tsai Ing-wen, quebrando um protocolo estabelecido desde 1979 entre Washington e Pequim. Xi Jinping acusava a Administração Obama de querer interferir na Ásia-Pacífico para conter a influência chinesa. No longo prazo, uma retirada americana é-lhe altamente favorável. No curto, a diplomacia de Trump pode provocar grande instabilidade, algo que a China não quer.
2. A Europa é provavelmente a região do mundo onde a eleição de Trump se reflecte da forma mais dramática e mais imediata, pondo em causa a sua própria sobrevivência sem o cimento aglutinador dos Estados Unidos. Em 1990, Jacques Delors disse uma frase que se tornou célebre: “Estamos a assistir a uma súbita aceleração da História”. Queria dizer que a Comunidade Europeia tinha de se adaptar rapidamente para uma brusca ruptura na geografia política europeia, que se preparava para enterrar a ordem de Ialta. Era o pontapé de saída para Maastricht, definindo uma estratégia que passava, primeiro, por amarrar a Alemanha unificada à Europa através do euro, para depois criar as condições do alargamento da União Europeia até às fronteiras do continente.
Podemos hoje dizer exactamente o contrário: a Europa está a viver uma súbita reversão da História. Conseguiu mal ou bem sobreviver a George W. e à maior crise de sempre da aliança transatlântica com a guerra no Iraque. Obama, apesar da sua opção inicial pelo Pacífico, permitiu-lhe voltar a acreditar numa aliança inquebrantável perante a crescente desordem mundial. Agora, a Europa vai ter de enfrentar, pela primeira vez, o seu futuro sem a confortável garantia americana. O problema maior é que não podia estar menos preparada para o fazer. Antes de Trump, a sua própria crise ajudou a alimentar uma vaga de populismos e de nacionalismos absolutamente inesperada pela sua dimensão e pela sua rapidez. Apesar das variações nacionais, tinha em comum a rejeição da Europa, da globalização, das elites politicas, dos “outros” que vinham de fora. O New York Times chamava a atenção para uma obra muito recente de John Judis, escritor e jornalista americano, cujo título não podia ser mais adequado: “A Explosão do Populismo – como a Grande Recessão transformou a política americana e europeia”. A Europa dos últimos seis anos arrasta consigo a carga das políticas de austeridade que provocaram verdadeiros desastres sociais nos países do Sul, abrindo feridas que estão longe de estar curadas. A crise dos refugiados foi o derradeiro e eficaz argumento dos partidos populistas e nacionalistas para envenenarem o debate político e porem em cheque os governos nacionais, incapazes de se entender sobre uma estratégia comum.
3. Em Roma, em Bruxelas ou em Berlim, os analistas fazem as contas sobre o impacte económico e político de uma eventual derrota de Matteo Renzi no referendo que convocou para este domingo sobre as reformas políticas que fez aprovar no Parlamento. Também hoje, a Europa pode assistir à primeira eleição directa de um Presidente de extrema-direita. Não é tanto o que ele possa fazer. É, sobretudo, o sinal definitivo da “implosão do centro”. Os dois partidos que governaram a Áustria durante a Guerra Fria e praticamente até agora, tiveram, em conjunto, pouco mais de 20% dos votos na primeira tentativa de eleger o Presidente (22 de Maio), que é repetida hoje e que se trava entre o candidato de extrema-direita e o dos Verdes.
Na véspera deste fim-de-semana de alto risco, François Hollande saiu de cena, mesmo que tenha de ficar no Eliseu até Maio do próximo ano. Disse que renunciava a um segundo mandato para não dividir ainda mais a esquerda. Acto de lucidez ou de fraqueza? Os socialistas sobreviverão ao seu Presidente? Ninguém sabe. Podem escolher o mesmo destino do Labour, elegendo um Jeremy Corbyn que fale francês? Podem. Arnaud Montebourg, líder da ala esquerda do PS, que se afastou a tempo de Hollande, pode ganhar as primárias. Nos próximos meses, a França entrará no estaleiro de onde só sairá em Maio de 2017.
4. Voltemos à sobrevivência europeia. A vitória de Trump foi saudada pelos partidos populistas e nacionalistas europeus que se identificam com ele como um sinal para o futuro. Se lá é possível, por que não cá? Mas talvez o sintoma mais perigoso no médio prazo para o futuro de uma Europa sem protecção americana sejam as sucessivas “vitórias” de Putin. Saudou a eleição de Trump, intensificando os bombardeamentos em Alepo. Com a Síria, passou a dispor de uma “via verde” para estabelecer uma presença decisiva no Médio Oriente e chantagear à vontade os países ocidentais. Com a escolha de François Fillon, vai (talvez) assistir de bancada a uma segunda volta entre dois candidatos que, por razões diferentes, cultivam as boas relações com Moscovo. É impossível esquecer o que Fillon disse na campanha das primárias: que o alargamento da NATO foi uma “provocação” a Moscovo e que a Crimeia é comparável à independência do Kosovo. “Fillon colocará Moscovo à frente de Berlim?”, pergunta Camille Pecastiang da John Hopkins. “É difícil de acreditar”. Mas vai ser muito mais difícil manter a Europa unida, condição indispensável para dissuadir qualquer aventura de Moscovo.
5. A instabilidade nas suas fronteiras obriga os europeus a olhar com outra atenção para o seu pilar de defesa. A entrada em cena de Trump vai também obrigar a Europa a pagar mais pela sua própria defesa, correndo o risco de ver a NATO sair das prioridades de Washington. Mas como? Quando, em 1991, os europeus decidiram a sua união monetária, acreditavam que o euro levaria inexoravelmente à união política, confirmando o método funcional que regeu a integração desde o seu início. Hoje, já se percebeu que esta regra de ouro deixou de funcionar. O euro ajudou a dividir a Europa e a união política saiu da agenda. A mesma lógica anima alguns líderes europeus, que vêem na defesa comum o passo seguinte para contrariar o risco de implosão e forçar uma política externa e de segurança europeia. Merkel está de acordo. Fillon, aparentemente, também. Boris Johnson já declarou que o seu governo não se oporá, depois de ter dito exactamente o contrário algumas semanas antes, defendendo a NATO contra qualquer veleidade europeia neste domínio. Depois, chegou Trump. De novo, a questão é saber se a defesa induz convergência ou ainda mais divisão. Para já, apenas se pode prever um compasso de espera. A França estará paralisada até Maio. A Alemanha só em Setembro saberá se Merkel conquista o seu quarto mandato. A sua reeleição parece, cada vez mais, a tábua de salvação a que os europeus ainda se podem agarrar, apagando até as fronteiras políticas. Porquê? Porque ela não cede nem ao populismo, nem a Putin. A única “estratégia” que resta é esperar que nada aconteça de irreversível até às eleições alemãs. Até lá, é fundamental que os governos europeus percebam que a Europa, ou se salva unida, ou ninguém se salvará.
Quem pode salvar Portugal em 2017?
Expresso, 13.11.2016
A vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA acaba de pôr em causa todo o cenário macroeconómico que sustenta o Orçamento do Estado português para o próximo ano. Como pode o Governo fazer acelerar as exportações em 2017, quando a guerra anunciada pelo próximo inquilino da Casa Branca é precisamente contra a globalização, o livre comércio e as importações que destroem os empregos dos americanos?

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