Diário ou comentário político, que importa? É sempre
um banho de luz, quando chega, e de melancolia quando não chega. Desta vez
chegou, e mais uma vez nos traz a originalidade de um parecer lúcido, porque
apoiado em amplo saber crítico. Incontornável.
O Diário de Vasco
Pulido Valente
OBSERVADOR, 4/12/2016
Tudo
visto e considerado, a verdade não se vende e não dá emprego a ninguém. Os
senhores que nos governam estão, portanto, autorizados a mentir a toda a gente.
Fidel
Depois
de quilómetros de prosa enfatuada e conversa na televisão sobre a morte de
Fidel Castro, o que ficou? Ficou o retrato de um mundo político e de uma
“intelectualidade”, que roçam a idiotia ou a ignorância e que não resistiram a
rezar em público pelo santinho de Cuba. Nem os factos nem o
descrédito da doutrina conseguiram fazer brilhar uma luz naquelas cabeças. Essa
criatura que transformou o país mais rico da América do Sul numa triste colónia
da URSS e que, de caminho, ia provocando uma guerra nuclear, só merece ao tenro
coração dos nossos governantes uma ternura filial ou, como no de Marcelo, uma
curiosidade patega. Houve quem não se levantasse para o rei de Espanha; não
houve quase ninguém que se portasse com alguma dignidade quando o velho tirano
morreu. Este Portugal é uma vergonha.
Impérios
Quem
ler um livro qualquer sobre a decadência e queda de qualquer império acaba
sempre por encontrar a mesmas queixas: a falta de religião ou uma religião
exótica; o desamor pelos costumes antigos (bons) e o amor pelos novos
(péssimos); o desprezo pelas classes dirigentes (merecido ou imerecido); a
invasão ou penetração dos bárbaros; a indiferença das classes médias pela vida
pública; o desprestígio dos militares; e – muito principalmente – a dívida do
Estado e dos particulares. Dos generais romanos que vendiam o império por
dinheiro sonante, a Gorbatchev que pedia a Bush 1,5 biliões de dólares para que
o bom povo do “socialismo real” pudesse comer, a história, real ou imaginária,
não muda muito.
É
por isso que me admira que ninguém tenha visto em Trump uma personagem de
fim de império. Até na sua extravagância ele encarna o desespero geral
da sociedade que o produziu e o slogan da campanha em que foi arrasando toda a
gente era suficientemente explícito: “Let’s make America great again”, uma
franca admissão que deixara de o ser. E, de facto, a América, que se
tornou do maior credor do mundo no maior devedor do mundo e perdeu o domínio
tecnológico que sempre a salvara no século XX, já não tem os meios das suas
ambições. Convém talvez perceber a imensidade do que Washington precisa
de pagar pela sua proeminência. Não vale a pena insistir nas despesas directas
com armamento (e com a respectiva modernização). Paga também 80 por cento das
despesas da NATO. Paga a meia dúzia de Estados do Médio Oriente, que sem ela
não sobreviveriam, a Israel, ao Líbano, à Jordânia e por aí fora. Paga ao
Egipto, e ao Iraque, e ao Irão. Paga pela terra inteira para amortecer ameaças,
para conservar amigos, para não fazer inimigos. Fora os maus negócios que
permite por puras razões políticas, como com a China ou com o México.
O
eleitor comum, que não frequenta nenhum Instituto de Relações Internacionais,
não compreende porque deva ser ele a sustentar a megalomania de um império
muito claramente over-extended, como dizia Paul Kennedy (de quem se voltou a
falar). Trump é o sintoma de uma situação sem uma saída lógica. Por
isso o clima de loucura que ele transmite com tanto fervor. As berrarias contra
mexicanos, negros, mulheres ou qualquer cidadão que saiba vagamente ler e
escrever mostram a impotência da criatura. E, ainda por cima, de uma
criatura sem grande imaginação; o muro veio de Berlim; o proteccionismo de
1930; a retirada militar da Europa de 1919. O “America First” de Lindbergh.
Trump
não quer que a America seja o polícia do mundo. Não é com certeza o único. Só
resta explicar como ficará o mundo sem polícia.
Mentiras
Houve
quem dissesse ao dr. António Domingues que ele podia gozar de certos
privilégios? Ou não houve? E, se houve, quem foi? Os portugueses não parecem
levar excessivamente a sério estas trivialidades. Que os governantes lhes
mintam com “transparência” nem sequer os perturba. Tudo visto e
considerado, a verdade não se vende e não dá emprego a ninguém. Os senhores que
nos governam estão, portanto, autorizados a mentir a toda a gente.
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