segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Mas não se acabou a história



Ontem assisti vagamente, creio que num noticiário, a uma festa do Avante, com jovens estendendo o punho, ameaçadores, à procura do seu cantinho no partido, que dantes se pautava mais pela exigência de um passado de heroísmos clandestinos e desconhecidos, originando posteriormente as loas e exaltações que esse passado de resistência lhes merecera numa época já propícia ao seu viver às claras e na glória precisa, seguida de estudo biográfico encomiástico de algum fiel servidor. Houve por essa altura um desafogar de paixões, uma apropriação de espaços, e outras aleivosias a que António Barreto se refere, e que servem apenas para uma evocação já rançosa de figuras e gentes que surgiram então cheias de garra, mas não de graça, que ajudaram, inegavelmente, a criar uma sociedade mais atenta ao outro,  apesar de sem grande eficácia, num país onde posteriormente vem a lume tanta falcatrua quer na forma de obter destaque, quer  na forma de extorquir da nação os dividendos que fortalecem a autoestima. Creio que é disso que esses jovens do punho estendido andam à procura - a notoriedade na diferença, o punho amplo na defesa do interesse alheio – na realidade na busca do seu próprio cantinho, com estudo ou sem ele, que para pouco vale o estudo agora.
Bem fazem os meninos em estenderem o punho, em vez de procurarem no tal estudo o fortalecimento das suas dignas aspirações à vida. Esta quer-se bem fornida de apoios, pois que o estudo, como dizia, de pouco valerá, com a mecanização e a informática  a alcandorarem-se avassaladoramente, auxiliares do engenho humano e facilitadores da vida.
Veremos se as expectativas de António Barreto a respeito do “arsenal semântico” da esquerda engrandecida significarão, de facto, vitória, como lá por Cuba… As potencialidades de Jerónimo de Sousa são bem visíveis ainda, na sua voz exaltada de discurso repetidamente sério e condenatório, palavras para mais remoçadas com o sangue novo dos jovens que lhe vão no rasto, de punho erguido…

Não é final, mas é vitória...
António Barreto
DN, 4/12/16
Na Internacional, é a luta que é final. Mas entre os slogans e as senhas das revoluções, a "vitória final" ou a "vitória, sempre" fazem parte do arsenal semântico. Em Portugal, neste fim-de-semana, assistimos a uma liturgia vitoriosa inédita. É a primeira vez, em quase quarenta anos, que o PCP comemora a vitória. Com cuidado. Com precauções. Com ameaças. Mas vitória!
Um relógio parado está certo duas vezes por dia. A primeira vez foi há 42 anos: aconteceu uma revolução militar que se transformaria gradualmente em revolução política e social! Prevista há muito, esperada durante décadas e desejada tempos sem fim, fez-se e foi o que se sabe. O PCP garantiu que a tinha previsto. Cavalgou-a. Dirigiu-a durante uns meses. Perdeu-a em 1975, a 25 de Novembro. Por isso, as esquerdas detestam o 25 de Novembro. Por isso, o PS, que aplaudiu, tem hoje vergonha do 25 de Novembro. Por isso, o Parlamento recusou no ano passado associar-se à comemoração dos 40 anos e, neste ano, não aceitou evocar a data. Felizmente que agora o dia se transformou no Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, que tem o condão de mobilizar as opiniões e os jornais. Foi também o dia em que morreu Fidel Castro, o mais duradouro ditador do século XX, o mais longo mito e o mais perene herói das esquerdas, incluindo de muitos socialistas que esquecem o ontem e sonham com amanhãs. Parte do mundo deixou-se deslizar numa obscena lamúria em que se festejava em Fidel Castro o que não se tolera em ditadores como Salazar, Mussolini, Franco e Pinochet. Mas Fidel é de esquerda. Como os ditadores Estaline, Pol Pot, Mao e Ceausescu. Deve ser por isso que tem todas as desculpas.
O PCP espera agora que o seu relógio acerte pela segunda vez.
Há quarenta anos que é contra a CEE, contra a União e contra o euro. Nunca deu resultado, nem teve êxito. Desta vez, espera que sim. Os dissabores da União, as ameaças de desmembramento e a ascensão da extrema-direita fazem-no ter esperança.
No dia 2 de Dezembro, o PCP iniciava o seu 20.º Congresso, em cuja abertura o secretário-geral desferiu um dos mais brutais ataques à União Europeia e ao euro, à economia de mercado e à iniciativa privada, em louvor da "pátria", da saúde e da economia pública. Apesar disso, tudo leva a crer que o PCP vá apoiar o governo do PS por mais algum tempo. Mesmo que tenha de disfarçar, como fará com a nomeação de Paulo Macedo, até ontem o coveiro do SNS.
Na véspera, comemorara-se o 1.º de Dezembro, que é agora, também, o Dia Internacional de Luta contra a Sida, tema mais actual e mais mobilizador do que a independência nacional. Esta deu origem a uma festa "oficiosa", vá lá saber-se o que é isso, ainda por cima com a presença das mais altas entidades nacionais. Mas é curioso ver, nestes tempos de viragens e reversões, como a festa da independência nacional foi cancelada pela direita, há cinco anos, e restaurada pela esquerda, agora. No dia anterior, a 30 de Novembro, os reis de Espanha terminavam a sua visita de Estado a Portugal, durante a qual elogiaram o bom entendimento ibérico.
Por toda a esquerda, democrática ou não, corre uma palavra ou um conceito a definir uma política: patriótico! É o que se ouve aos governantes, aos congressistas do PCP e aos porta-vozes do Bloco. Mas é também o que corre no topo das instituições, Presidente e primeiro-ministro. A palavra pode ser banal. A sua utilização oportunista. A sua evocação automática. Mas é a palavra dos perigos imprevistos. E dos fantasmas ameaçadores. Patriótico é também contra a globalização, contra o liberalismo político e económico, contra o mercado livre e contra a liberdade científica. Pátria! Pátria! Quantos crimes se cometeram por tua causa!

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