sábado, 21 de janeiro de 2017

Ecce Biblos




Também os da Quadratura falaram do caso e Lobo Xavier andou ali à roda, a tentar defender Passos Coelho, vivamente atacado pelos seus parceiros (dele, Lobo Xavier). A defesa de Bagão Félix de Passos Coelho, do texto infra - Errar é (tsu)mano? - aclara melhor a questão, mostrando que ele próprio também votaria contra, como Passos Coelho - (só não lhe admirou o garbo altaneiro, como eu, ainda hoje bem impressionada com o seu discurso enérgico de recusa em apoiar a TSU, mandando Costa entender-se com os rebeldes da sua coligação) - pois a TSU lhe parece uma falsa medida em auréola de solidariedade, aumentando o salário aos mais pobrezinhos, e ajudando a pagar esses aumentos subsidiando os patrões com as pinguinhas da TSU, coisa de que discordaram inteligentemente os coligados virtuosos do governo, sempre adeptos do reforço aos explorados, nunca aos do patronato, por definição explorador, além de que o que eles pretendem é tirar sempre a estes, não a ajudá-los a pagar, em medida onerosa sobre o resto do pessoal, com certeza, que somos nós, os dependentes do Estado, embora já habituados a cobrir os bancos nas suas falcatruas, por ordem dos governos, que só descobrem essas falcatruas sempre muito tarde, como se tem visto num despautério, coisa impossível, nos tempos idos, menos desordeiros que os de hoje, pois tinham quem os controlasse melhor.
Além disso, também Bagão Félix acha que António Costa tem que aprender a ter melhores maneiras com os seus opositores da direita, como tem nos países por onde se passeia e tem família, sempre cortês e cortejado, não sei se para arranjar trabalho lá, para os desempregados de cá, se para arranjar trabalho cá, ou umas férias mais em conta, a esses familiares da sua consideração.
Agora já percebi melhor os termos de desacordo a respeito da decisão de Passos Coelho de não auxiliar o seu inimigo, embora o Evangelho segundo Mateus mostre que Cristo achava que sim, que se devia amar os nossos inimigos, pois amar os amigos não era mérito que prestasse, além de outras coisas que Cristo disse no seu Sermão da Montanha, e que transcrevo de Frederico Lourenço, para relembrarmos, apesar de os “Mortáguas e Companhia” já nos terem habituado a todas estas páginas espirituais, que os das assembleias de S. Bento deviam seguir, até mesmo Passos Coelho, apesar do seu timbre de superior qualidade:

Ouvistes que foi dito: amarás o teu próximo (Levítico, 19:18) e odiarás o teu inimigo. Mas eu digo-vos: amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem (1), para vos tornardes filhos do Pai vosso, do que está nos céus, porque ele faz nascer o sol para maus e bons e chover em cima dos justos e dos injustos. Se amais aqueles que vos amam, que compensação tendes nisso? Os cobradores de impostos não fazem o mesmo? E se cumprimentais apenas os vossos irmãos, que fazeis de excepcional? Os pagãos não fazem o mesmo? Pois vós sereis realizados, tal como realizado é o vosso pai celeste.»
Nota 1, de Frederico Lourenço:  Amai os vossos inimigos”: a novidade é absoluta da mensagem de Jesus e o preciso contrário do sistema de valores do mundo greco-latino (bem sintetizado na tragédia “Antígona” de Sófocles: «um inimigo, mesmo morto, nunca pode ser amigo

Errar é (tsu)mano?
António Bagão Félix
20 de Janeiro de 2017
Foi publicado o DL n.º 11-A/2017 criando uma medida excepcional de apoio ao emprego através da redução da taxa contributiva a cargo da entidade empregadora, que o PCP e BE avocaram para votação parlamentar.
Já aqui referi por que julgo errada a subsidiação da TSU para minorar o encargo do aumento do salário mínimo nacional (SMN). Aliás, trata-se de um paradoxo: um aumento socialmente conveniente e justo para o qual a economia tem de ser subsidiada para o pagar. Alguma coisa está mal.
Se fosse deputado — e pudesse votar sem restrições — opor-me-ia à medida. Nem sequer se pode comparar com outros apoios de política activa de emprego, como a redução temporária da TSU quando se contratam desempregados de longa duração, deficientes, jovens à procura de primeiro emprego, etc. — a ideia é diferenciar positivamente grupos de maior dificuldade no (re)ingresso no mercado de trabalho. No caso ora em discussão não se trata de aumentar o emprego (em tese, pode até retraí-lo para trabalho menos qualificado), mas de ajudar as empresas a pagar o aumento do SMN.
No plano político, a questão evoluiu para um jogo floral entre o PS e o PSD. De um lado, o Governo que, sem o apoio dos BFF (best friends forever), quase intima o PSD a escorar esta medida. De outro lado, o PSD a indicar que votará contra o diploma, com a incoerência de reprovar agora o que decidiu, de modo semelhante, há dois anos. Aliás, a “coerência das incoerências” é recorrente entre PS e PSD, e, de tão banalizada que tem sido, já ninguém ruboresce com argumentações e tecnicalidades de pirilampo. Lembram-se também do que dizia António Costa sobre a baixa da TSU para outros fins?
Num ponto, a posição de Passos Coelho até pode ser compreensível. Se o Governo e o PS têm vergastado constantemente o PSD, culpando-o de tudo (numa completa amnésia de quem chamou a troika), como podem agora requisitar o desprezado oponente (e que mais deputados tem) perante uma iniciativa hostil dos outros partidos da actual maioria? É que, quando se escolhe uma união ou matrimónio parlamentar, é para os bons e maus momentos. O concubinato político de ocasião é feio e pouco decente.
O PSD apoiou o OE rectificativo por causa do Banif. Fez bem. Terá feito igualmente bem, quando, há um ano, se absteve num diploma sobre a TSU, semelhante ao de agora. Mas, passados 12 meses, o Governo e seus aliados concentraram-se na reversão total da acção do Governo PSD-CDS, marginalizando injustificadamente a agora oposição.
Se o PS já sabia, de antemão, das posições do BE e PCP, porque não falou com o PSD? Toda a gente fala de concertação social, mas, pelos vistos, a necessidade de prévio diálogo e concertação política é olimpicamente ignorada, quando era um dado adquirido que os dois partidos se teriam de entender nesta matéria. Em linguagem futebolística, o Governo tratou o PSD como uma espécie de suplente ali à mão, saído do banco.
Um último ponto: a concertação social é iniludivelmente fundamental, como tem reafirmado o Presidente da República. Mas, de há muitos anos a esta parte, tem havido uma tendência excessiva para se substituir à decisão soberana dos eleitos parlamentares, que apenas se limitam a apor o selo aprobatório. Por isso, nem só concertação, nem só parlamentarismo, em função do interesse do momento. Neste caso, o Governo foi imprudente, curiosamente depois de até ter desvalorizado a própria concertação, ao proclamar que, com ou sem acordo, a decisão do aumento do SMN iria ser tomada, ignorando a “factura” ora em causa.

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