quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Tópicos da «Nota Introdutória» de Frederico Lourenço a «Evangelho segundo João»



(21:25) -  “São muitas as coisas que Jesus fez que, se fossem escritas uma a uma, não penso que o mundo tivesse espaço para tantos livros escritos”.
I
1-Diferenças dos Evangelhos sinópticos:
                - Após a leitura dos Evangelhos sinópticos, a leitura do Evangelho de João cria umaforte sensação de originalidade”:
a) «Não há parábolas, não há exorcismos e não há desaprovação verbalizada por Jesus em relação  aos ricos».
b) «Apesar de “amor” e “amar” surgirem mais vezes neste Evangelho do que em qualquer um dos outros, aqui não nos é dito para amarmos os nossos inimigos».
c) «É neste Evangelho que Jesus diz Eu não julgo ninguém (8:15) e, talvez por isso, é o único dos quatro Evangelhos em que ele não condena o divórcio».
d) «Aqui não há Tentação no Deserto nem Transfiguração; Não há Sermão na Montanha nem Pai Nosso».
e) «É o único dos quatro Evangelhos em que a mãe de Jesus não tem nome».
f) «É o único Evangelho em que Jesus chora (11-35): “Jesus chorou”.
g) « É o único Evangelho onde está ausente a palavra euangélion».
h) Contrariamente aos escrúpulos «manifestados por Jesus nos Evangelhos sinópticos, ele aqui não exige dos que com ele contactam a ocultação do facto de ele ser o Messias. Que Jesus é o Cristo, o Messias, o Filho de Deus e o rei de Israel fica logo estabelecido no primeiro capítulo de João».
i) «A própria palavra “Messias” só se encontra neste Evangelho, dotado sob todos os pontos de vista de um vocabulário próprio e inconfundível». Ex: (1:41):Encontra primeiro o seu irmão Simão , e diz-lhe: “Encontrámos o Messias”

2 - Problemas de identificação do autor
            «No princípio era o lógos e o lógos estava com Deus e Deus era o lógosQuem terá escrito semelhante coisa
                a) «Contrariamente ao que sucede nos outros Evangelhos, no Evangelho de João o evangelista assume-se como autor (21: 24): “Este é o discípulo que testemunhou estas coisas e que as escreveu. E sabemos que o testemunho dele é o verdadeiro.” e que é ele próprio uma personagem da história por ele narrada: afirma que esteve presente na Última Ceia, (13:23): “Um dos discípulos estava reclinado no peito de Jesus: aquele que Jesus amava.”; afirma que esteve ao lado da mãe anónima de Jesus junto à cruz: (19: 26): “Então Jesus, vendo a mãe e o discípulo que ele amava ali de pé, diz à Mãe: “Mulher eis o teu filho”. De seguida diz ao discípulo: “Eis a tua mãe”. E a partir daquela hora o discípulo acolheu-a em sua casa.”; afirma que viu o túmulo vazio (20:5):E, espreitando (o discípulo que Jesus amava) vê depostos os panos. Porém não entrou.” e presenciou a realidade de Jesus ressuscitado (Capítulos 20 e 21).
                b) «O estudo crítico do NT levou muitos leitores desde o séc. XIX a achar demasiado ingénua a suposição de que o autor do texto pudesse estar a dizer verdade; e no séc. XX, sob a influência do grande estudioso alemão Rudolf Bultmann, quase se tornou tabu afirmar que o Evangelho de João  pode ter algum valor enquanto documento histórico.
                c) «Hoje, uma maioria significativa de estudiosos nega que o autor possa ter sido testemunha ocular dos acontecimentos por ele narrados (e alguns pensam ver a solução para a autoria deste Evangelho numa entidade colectiva, uma suposta “escola joanina” para a existência da qual não há, em rigor, nenhuma prova concreta». Duas razões para isso: «ou porque a vida e acções de Jesus no Evangelho de João são contraditórias relativamente à tradição sinóptica» (a mais credível para a maioria dos cristãos), ou porque os longos monólogos de Jesus são vistos como «inverosímeis enquanto registo do que foi realmente dito» e valendo antes como «elaboração teológica do significado  da missão de Jesus, mas  não como palavras reais, ditas por Jesus real».

3-  Contestação de Frederico Lourenço
 É apenas uma hipótese de interpretação considerar a figura do “discípulo amado” como ficção: “Nada a confirma mas também nada a refuta concludentemente”. O mesmo relativamente às revelações sobre a autoria do Evangelho: se não aceitamos as afirmações de que foi testemunha ocular é porque o consideramos um impostor que «pôs por escrito» informações fictícias da sua relação com Jesus: «Assim, em todas as instâncias em que João contradiz Mateus, Marcos e Lucas, teríamos de partir do princípio de que João, o embusteiro, está errado» - caso da “Última Ceia”, “julgamento e crucificação de Jesus” de diferenças flagrantes relativamente aos sinópticos. “Quem é que tem razão? Quem é que registou o que de facto aconteceu?
a) Um dos argumentos dos que encaram como  ficção  literária o discurso de João «prende-se com a inverosimilhança de o apóstolo João, filho de Zebedeu e pescador da Galileia, ter tido a capacidade intelectual (e conhecimentos de língua grega) para escrever um livro com a densidade teológica e com o rasgo filosófico do quarto Evangelho». Mas «embora o autor do texto refira a sua presença nos momentos da vida de Jesus citados, ele nunca se identifica com o pescador João, filho de Zebedeu. Desse ponto de vista o Evangelho de João é tão anónimo como qualquer um dos outros três.
b) No entanto, vem desde os primeiros séculos do cristianismo o atribuí-lo a “João, filho de Zebedeu”, tal como o atribuir-lhe três cartas canónicas do NT e também o Livro do Apocalipse. «Esta última obra (cujo autor nomeia o seu próprio nome como João (Cf. Apocalipse 1:1, 4, 9; 22:8) está escrita num grego tão radicalmente diferente do que encontramos no Evangelho de João que me parece impossível atribuí-lo ao mesmo autor do Evangelho”. Exemplo do início do Apocalipse (1:1-2) extraído de “Bíblia Sagrada” (Difusora Bíblica, Missionários Capuchinhos): “Título e assunto do Livro: Revelação de Jesus Cristo que Deus lhe deu para manifestar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer, e que, pelo seu Anjo, enviou e notificou a João, Seu servo, o qual testifica como palavra de Deus e testemunho de Jesus Cristo tudo o que viu.”
c) «Quanto às cartas, a primeira  apresenta claríssimas semelhanças estilísticas e conceptuais com o Evangelho, … mas há uma diferença que se estranha: a utilização excessiva da partícula oun na ligação das frases no Evangelho de S. João nunca aparece na primeira carta atribuída a João.” Ex: “1ª Carta de S. João (Bíblia Sagrada) (1: 1-3): “O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e as nossas mãos apalparam acerca do Verbo da vida - porque a vida manifestou-se, nós vimo-la, damos testemunho dela e vos anunciamos esta vida eterna que estava no Pai e que nos foi manifestada - o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para  que também vós tenhais comunhão connosco. Quanto à nossa comunhão, ela é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo. Escrevemos-vos estas coisas para que a vossa alegria seja completa.”
d) «Ora mesmo que fosse possível comprovar que o autodenominado João do Livro de Apocalipse é o mesmo João que compôs as cartas e o Evangelho» não se pode inferir que esse João é o apóstolo, filho de Zebedeu. Martin Hengel, (“The Johannine Question”) «propõe, com todos os cuidados, (p. 133) uma identidade possível para o discípulo amado: um jovem pertencente a uma das famílias da elite sacerdotal de Jerusalém (daí o facto de ele ter podido entrar no palácio do Sumo Sacerdote quando Pedro, o pescador, foi obrigado a ficar na rua: -- (cf.”(18:15): Simão Pedro foi atrás de Jesus e outro discípulo. Este discípulo era conhecido do Sumo Sacerdote e entrou com Jesus no palácio de Anás (sogro de Caifás, o Sumo Sacerdote). Pedro ficou à porta, de fora.”) - , «detentor de boa escolaridade hebraica e helénica. Jovem esse que, à semelhança de outros homens da sua classe social, como Nicodemos ou José de Arimateia) se encantou com a extraordinária mensagem de Jesus, o seguiu, se afeiçoou a ele e recebeu em troca a afeição do seu mestre, que o destaca dos demais a ponto de lhe confiar a incumbência de velar pela sua mãe. Este discípulo amado terá vivido até uma idade avançada (isso está prenunciado nas palavras de Jesus em((21: 23): “Divulgou-se então a ideia entre os irmãos que aquele discípulo não morre. Porém Jesus não disse que ele não morre mas “Se eu quiser que ele fique até que eu venha, o que tens tu a ver com isso?”) e está patente se o evangelista for também o “ancião” autor das três cartas. Após longas décadas de meditação sobre o impacto da figura e das palavras de Jesus, deixou este testemunho do que foi a passagem, pelo mundo humano, do lógos divino feito carne.

4- Problema sobre o conhecimento dos Evangelhos sinópticos, como fontes possíveis do de João:
                a)  Embora seja assunto de debate, a maioria dos estudiosos considera hoje que João conhecia os outros Evangelhos, no mínimo, o de Marcos.
                b) «A leitura  dos quatro Evangelhos em grego não dá essa impressão».
                c) Há apenas uma frase comum ao Evangelho de João e ao de Marcos, com mais uma palavra em João:  João: (13: 21): “Amém amém vos digo que um dentre vós me trairá” /  Marcos (14:18): “Amém vos digo que um dentre vós me trairá”.
                d) Todavia «é óbvio que muitas vezes o Jesus de João diz e faz (com outras palavras) coisas que são também ditas e feitas pelo Jesus de Mateus, de Marcos e de João», o que leva a supor que isso se deve ao facto de «se tratar de algo que o Jesus histórico fez».
5- Conclusão:
                a) «Apesar de a tendência actual ser de analisar o quarto Evangelho como um monumento de intertextualidade, cujo autor pressupõe a cada momento , da parte de quem lê, a leitura prévia de Mateus, Marcos e Lucas, penso que continuamos sem dados realmente objectivos para refutar a argumentação apresentada por P. Gardner Smith em 1938 (“St John and the Synoptic Gospels”), argumentação essa que deixa claro o facto de não haver fundamento susceptível de prova para pensarmos que João conhecia qualquer um dos Evangelhos sinópticos».
II
Síntese dos capítulos, segundo os títulos de Frederico Lourenço:
1- Prólogo: O testemunho de João Baptista; Os primeiros discípulos. 2- As bodas de Caná; Jesus expulsa os vendilhões do templo. 3- Jesus e Nicodemos; João Baptista e a voz do noivo. 4- Jesus e a Samaritana. Jesus cura o filho do funcionário real. 5- Jesus cura o paralítico da piscina de Betzabá; Discurso de Jesus: ”Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou; Se crêsseis em Moisés, talvez creríeis em mim, porque ele escreveu sobre mim”. 6 - A multiplicação dos pães e dos peixes; Jesus caminha sobre as águas; O discurso do Pão do Céu. 7- A falta de fé dos irmãos de Jesus; Jesus ensina no templo; Discussões acerca de Jesus. 8- Jesus e a mulher adúltera; Jesus, a luz do mundo; Tensões entre Jesus e os judeus. 9- Jesus cura um cego de nascença. 10 - A porta e o pastor; Mais controvérsias em torno de Jesus; “Eu e o Pai somos um”. 11- Jesus ressuscita Lázaro; O conselho dos Judeus decide matar Jesus. 12- Maria de Betânia unge Jesus; Entrada de Jesus em Jerusalém; Jesus anuncia a glória da cruz. 13-Jesus lava os pés dos discípulos; Anúncio da traição de Judas; O mandamento novo: o amor. 14 - Jesus como caminho para o Pai; Jesus promete o envio do auxiliador; Jesus deixa e dá a sua paz. 15 - Jesus como vinha verdadeira; O  mandamento do amor; O ódio do mundo: O auxiliador (paráclito) novamente. 16 - Jesus anuncia perseguições; O auxiliador (paráclito) mais uma vez. 17-  A grande oração de Jesus. 18- A prisão de Jesus; Jesus levado a Anás; As negações de Pedro; Jesus perante Pilatos. 19 - Jesus é flagelado e coroado de espinhos; A crucificação de Jesus; A morte de Jesus; O flanco aberto pela lança; A sepultura de Jesus. 20 - O túmulo vazio; Aparição a Maria Madalena; Aparição aos discípulos; Conclusão do Evangelho. 21 - Epílogo; Jesus pergunta a Pedro se o ama  e dá-lhe as suas ovelhas para apascentar; O discípulo amado como autor do Evangelho.

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