(21:25) - “São
muitas as coisas que Jesus fez que, se fossem escritas uma a uma, não penso que
o mundo tivesse espaço para tantos livros escritos”.
I
1-Diferenças dos Evangelhos sinópticos:
- Após a leitura dos
Evangelhos sinópticos, a leitura do Evangelho de João cria uma “forte
sensação de originalidade”:
a) «Não há parábolas, não há exorcismos e não há
desaprovação verbalizada por Jesus em relação
aos ricos».
b) «Apesar de “amor” e “amar” surgirem mais vezes neste
Evangelho do que em qualquer um dos outros, aqui não nos é dito para amarmos
os nossos inimigos».
c) «É neste Evangelho que Jesus diz Eu não julgo
ninguém (8:15) e, talvez por isso, é o único dos quatro Evangelhos em que
ele não condena o divórcio».
d) «Aqui não há Tentação no Deserto nem Transfiguração;
Não há Sermão na Montanha nem Pai Nosso».
e) «É o único dos quatro Evangelhos em que a mãe de
Jesus não tem nome».
f) «É o único Evangelho em que Jesus chora
(11-35): “Jesus chorou”.
g) « É o único Evangelho onde está ausente a palavra
euangélion».
h) Contrariamente aos escrúpulos «manifestados
por Jesus nos Evangelhos sinópticos, ele aqui não exige dos que com ele
contactam a ocultação do facto de ele ser o Messias. Que Jesus é o Cristo,
o Messias, o Filho de Deus e o rei de Israel fica logo
estabelecido no primeiro capítulo de João».
i) «A própria palavra “Messias” só se encontra neste
Evangelho, dotado sob todos os pontos de vista de um vocabulário próprio e
inconfundível». Ex: (1:41): “Encontra primeiro o seu irmão Simão
, e diz-lhe: “Encontrámos o Messias”
2 - Problemas de identificação do autor
«“No
princípio era o lógos e o lógos estava com Deus e Deus era o lógos” Quem
terá escrito semelhante coisa?»
a) «Contrariamente ao que sucede
nos outros Evangelhos, no Evangelho de João o evangelista assume-se como
autor (21: 24): “Este é o discípulo que testemunhou estas coisas e que
as escreveu. E sabemos que o testemunho dele é o verdadeiro.” e que é
ele próprio uma personagem da história por ele narrada: afirma que esteve
presente na Última Ceia, (13:23): “Um dos discípulos estava reclinado no
peito de Jesus: aquele que Jesus amava.”; afirma que esteve ao lado da mãe
anónima de Jesus junto à cruz: (19: 26): “Então Jesus, vendo a mãe e o
discípulo que ele amava ali de pé, diz à Mãe: “Mulher eis o teu filho”. De
seguida diz ao discípulo: “Eis a tua mãe”. E a partir daquela hora o discípulo
acolheu-a em sua casa.”; afirma que viu o túmulo vazio (20:5):
“E, espreitando (o discípulo que Jesus amava) vê depostos os
panos. Porém não entrou.” e presenciou a realidade de Jesus ressuscitado
(Capítulos 20 e 21).
b) «O estudo crítico do NT levou muitos leitores desde o
séc. XIX a achar demasiado ingénua a suposição de que o autor do texto
pudesse estar a dizer verdade; e no séc. XX, sob a influência do grande
estudioso alemão Rudolf Bultmann, quase se tornou tabu afirmar que o
Evangelho de João pode ter algum valor
enquanto documento histórico.
c) «Hoje, uma maioria significativa
de estudiosos nega que o autor possa ter sido testemunha ocular dos
acontecimentos por ele narrados (e alguns pensam ver a solução para a
autoria deste Evangelho numa entidade colectiva, uma suposta “escola
joanina” para a existência da qual não há, em rigor, nenhuma prova concreta».
Duas razões para isso: «ou porque a vida e acções de Jesus no Evangelho
de João são contraditórias relativamente à tradição sinóptica» (a
mais credível para a maioria dos cristãos), ou porque os longos monólogos de
Jesus são vistos como «inverosímeis enquanto registo do que foi realmente
dito» e valendo antes como «elaboração teológica do significado da missão de Jesus, mas não como palavras reais, ditas por Jesus real».
3- Contestação
de Frederico Lourenço
É apenas uma
hipótese de interpretação considerar a figura do “discípulo amado”
como ficção: “Nada a confirma mas também nada a refuta concludentemente”.
O mesmo relativamente às revelações sobre a autoria do
Evangelho: se não aceitamos as afirmações de que foi testemunha
ocular é porque o consideramos um impostor que «pôs por escrito» informações
fictícias da sua relação com Jesus: «Assim, em todas as instâncias em
que João contradiz Mateus, Marcos e Lucas, teríamos de partir do princípio
de que João, o embusteiro, está errado» - caso da “Última Ceia”,
“julgamento e crucificação de Jesus” de diferenças flagrantes
relativamente aos sinópticos. “Quem é que tem razão? Quem é que registou
o que de facto aconteceu?
a) Um dos argumentos dos que encaram como ficção literária o discurso de João «prende-se com
a inverosimilhança de o apóstolo João, filho de Zebedeu e pescador da Galileia,
ter tido a capacidade intelectual (e conhecimentos de língua grega) para
escrever um livro com a densidade teológica e com o rasgo filosófico do quarto Evangelho». Mas «embora o autor
do texto refira a sua presença nos momentos da vida de Jesus citados, ele
nunca se identifica com o pescador João, filho de Zebedeu. Desse
ponto de vista o Evangelho de João é tão anónimo como qualquer um dos outros
três.
b) No entanto, vem desde os primeiros séculos do
cristianismo o atribuí-lo a “João, filho de Zebedeu”, tal como o
atribuir-lhe três cartas canónicas do NT e também o Livro do
Apocalipse. «Esta última obra (cujo autor nomeia o seu próprio nome como João
(Cf. Apocalipse 1:1, 4, 9; 22:8) está escrita num grego tão radicalmente
diferente do que encontramos no Evangelho de João que me parece impossível
atribuí-lo ao mesmo autor do Evangelho”. Exemplo do início do Apocalipse
(1:1-2) extraído de “Bíblia Sagrada” (Difusora
Bíblica, Missionários Capuchinhos): “Título e assunto do Livro: Revelação
de Jesus Cristo que Deus lhe deu para manifestar aos seus servos as coisas que
brevemente devem acontecer, e que, pelo seu Anjo, enviou e notificou a João,
Seu servo, o qual testifica como palavra de Deus e testemunho de Jesus
Cristo tudo o que viu.”
c) «Quanto às cartas, a primeira apresenta claríssimas semelhanças estilísticas
e conceptuais com o Evangelho, … mas há uma diferença que se estranha: a
utilização excessiva da partícula oun na ligação das frases no Evangelho
de S. João nunca aparece na primeira carta atribuída a João.” Ex: “1ª
Carta de S. João (Bíblia Sagrada) (1: 1-3): “O que era desde o
princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos e
as nossas mãos apalparam acerca do Verbo da vida - porque a vida manifestou-se,
nós vimo-la, damos testemunho dela e vos anunciamos esta vida eterna que estava
no Pai e que nos foi manifestada - o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos,
para que também vós tenhais comunhão
connosco. Quanto à nossa comunhão, ela é com o Pai e com Seu Filho Jesus
Cristo. Escrevemos-vos estas coisas para que a vossa alegria seja completa.”
d) «Ora mesmo que fosse possível comprovar que o autodenominado
João do Livro de Apocalipse é o mesmo João que compôs as cartas e o Evangelho»
não se pode inferir que esse João é o apóstolo, filho de Zebedeu. Martin
Hengel, (“The Johannine Question”) «propõe, com todos os cuidados,
(p. 133) uma identidade possível para o discípulo amado: um jovem pertencente a
uma das famílias da elite sacerdotal de Jerusalém (daí o facto de ele ter
podido entrar no palácio do Sumo Sacerdote quando Pedro, o pescador, foi
obrigado a ficar na rua: -- (cf.”(18:15): Simão Pedro foi atrás de Jesus
e outro discípulo. Este discípulo era conhecido do Sumo
Sacerdote e entrou com Jesus no palácio de Anás (sogro de Caifás, o
Sumo Sacerdote). Pedro ficou à porta, de fora.”) - , «detentor
de boa escolaridade hebraica e helénica. Jovem esse que, à semelhança de outros
homens da sua classe social, como Nicodemos ou José de Arimateia) se encantou
com a extraordinária mensagem de Jesus, o seguiu, se afeiçoou a ele e recebeu
em troca a afeição do seu mestre, que o destaca dos demais a ponto de lhe
confiar a incumbência de velar pela sua mãe. Este discípulo amado terá vivido
até uma idade avançada (isso está prenunciado nas palavras de Jesus em((21:
23): “Divulgou-se então a ideia entre os irmãos que aquele discípulo não morre.
Porém Jesus não disse que ele não morre mas “Se eu quiser que ele fique até que
eu venha, o que tens tu a ver com isso?”) e está patente se o evangelista
for também o “ancião” autor das três cartas. Após longas décadas de
meditação sobre o impacto da figura e das palavras de Jesus, deixou este
testemunho do que foi a passagem, pelo mundo humano, do lógos divino feito
carne.
4- Problema sobre o conhecimento dos Evangelhos
sinópticos, como fontes possíveis do de João:
a) Embora seja assunto de debate, a maioria dos
estudiosos considera hoje que João conhecia os outros Evangelhos, no mínimo,
o de Marcos.
b) «A leitura dos quatro Evangelhos em grego não dá essa
impressão».
c) Há apenas uma frase
comum ao Evangelho de João e ao de Marcos, com mais uma palavra em João: João: (13: 21): “Amém
amém vos digo que um dentre vós me trairá” / Marcos (14:18): “Amém vos digo
que um dentre vós me trairá”.
d) Todavia «é óbvio que
muitas vezes o Jesus de João diz e faz (com outras palavras) coisas que são
também ditas e feitas pelo Jesus de Mateus, de Marcos e de João», o que
leva a supor que isso se deve ao facto de «se tratar de algo que o Jesus
histórico fez».
5- Conclusão:
a) «Apesar de a tendência actual
ser de analisar o quarto Evangelho como um monumento de intertextualidade, cujo
autor pressupõe a cada momento , da parte de quem lê, a leitura prévia de
Mateus, Marcos e Lucas, penso que continuamos sem dados realmente objectivos
para refutar a argumentação apresentada por P. Gardner Smith em 1938 (“St
John and the Synoptic Gospels”), argumentação essa que deixa claro o facto
de não haver fundamento susceptível de prova para pensarmos que João conhecia
qualquer um dos Evangelhos sinópticos».
II
Síntese dos capítulos, segundo os títulos de Frederico
Lourenço:
1- Prólogo: O testemunho de João Baptista; Os primeiros
discípulos. 2- As bodas de
Caná; Jesus expulsa os vendilhões do templo. 3- Jesus e Nicodemos; João Baptista e a voz do noivo. 4- Jesus e a Samaritana. Jesus cura o filho do
funcionário real. 5- Jesus
cura o paralítico da piscina de Betzabá; Discurso de Jesus: ”Quem não honra o
Filho não honra o Pai que o enviou; Se crêsseis em Moisés, talvez creríeis em
mim, porque ele escreveu sobre mim”. 6 - A multiplicação dos pães e dos peixes; Jesus caminha
sobre as águas; O discurso do Pão do Céu. 7- A falta de fé dos irmãos de Jesus; Jesus ensina no
templo; Discussões acerca de Jesus. 8- Jesus e a mulher adúltera; Jesus, a luz do mundo;
Tensões entre Jesus e os judeus. 9- Jesus cura um cego de nascença. 10 - A porta e o pastor; Mais controvérsias em torno de
Jesus; “Eu e o Pai somos um”. 11- Jesus ressuscita Lázaro; O conselho dos Judeus decide matar Jesus. 12- Maria de Betânia unge Jesus; Entrada de Jesus em
Jerusalém; Jesus anuncia a glória da cruz. 13-Jesus lava os pés dos discípulos; Anúncio da traição
de Judas; O mandamento novo: o amor. 14 - Jesus como caminho para o Pai; Jesus promete o envio
do auxiliador; Jesus deixa e dá a sua paz. 15 - Jesus como vinha verdadeira; O mandamento do amor; O ódio do mundo: O
auxiliador (paráclito) novamente. 16 - Jesus anuncia perseguições; O auxiliador (paráclito) mais
uma vez. 17- A grande oração de Jesus. 18- A prisão de Jesus; Jesus levado a Anás; As negações
de Pedro; Jesus perante Pilatos. 19 - Jesus é flagelado e coroado de espinhos; A
crucificação de Jesus; A morte de Jesus; O flanco aberto pela lança; A
sepultura de Jesus. 20 - O
túmulo vazio; Aparição a Maria Madalena; Aparição aos discípulos; Conclusão do
Evangelho. 21 - Epílogo; Jesus
pergunta a Pedro se o ama e dá-lhe as
suas ovelhas para apascentar; O discípulo amado como autor do Evangelho.
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