Chegou-me
por email, mandou-mo o meu filho João e achei graça. Já fui colega do Pedro
Barroso, talvez ainda nos anos 70, num dos liceus da linha, encontrámo-nos
num júri de exames orais, era ele presidente de júri, sem funções de avaliador,
apenas estava ali como membro de autoridade e construtor de ilações, talvez
para as suas canções sardónicas. Percebi, pelo breve diálogo que com ele
mantive, que era dos seres privilegiados que vivia em esferas de
intelectualidade habituadas a julgar e a interpretar, ainda que só as
modulações de voz ou os jeitos do parceiro que, ao lado, interrogava as
criancinhas. Nessa altura ainda não o conhecia como cantor, mas julgo que já
era conhecido, pois lembro-me de umas colegas pertencentes à mesma esfera de
intelectualidade, verdadeira ou falsa, cantando, sorridentes e provocadoras, um
pouco mais tarde, da canção “Cantar brejeiro” , o excerto
malandro “Olha a perninha da menina a dar a dar”.
Comecei
a ouvi-lo, sobretudo na Rádio, e sempre me admirei por não ser mais solicitado
para as televisões, com as suas canções poderosas, de mensagem e interpretação,
numa voz perfeitamente modulada, tantas vezes provocatória, de quem morde na
vida.
Procurei-o
na internet e leio que também a doença o agarrou. Transcrevo o excerto da
Internet, desejando que consiga vencer o seu problema. Julgo que sim, Pedro
Barroso é dos lutadores com garra. O poema “O Cerco”, que é recente, mostra
bem essa garra, os convencionalismos, que também se apoderam das camadas
intelectuais, nas atitudes provocatórias de inversão das normas, não o
afectando a ele. Mas importante é que consiga ultrapassar a sua doença física.
O texto do email:
Peço
desculpa se algum dos meus prezados correspondentes se sentir
"incomodado" com a declaração do Barroso. Cada um usa o seu corpo
como quiser. Isto é, às vezes quer e não pode. Mas isso já são contas de outro
rosário...
Até
que enfim, alguém começa a remar contra a onda!!!
Cantor Pedro Barroso confessa que não consegue ser “gay” mas que se sente bem assim
POEMA
O cerco
Venho aqui pedir desculpa
de não ser evoluído,
apesar destas campanhas
na rádio, na televisão,
em toda a parte, insistindo
na urgência do assunto…
Eu não consigo gostar;
- não consigo mesmo, pronto.
Sei que pertence ser gay,
toda a gente deve ser.
Mas eu, lamentavelmente
não sou como toda a gente;
Como aconteceu... não sei,
peço desculpa por isso,
mas confesso: sou… diferente.
Sei que vos pode ofender
esta minha enfermidade,
pois um gajo que assim pensa
hoje em dia, não tem nexo;
deveria ser banido,
expulso da comunidade.
É uma vergonha indecente
Gostar de mulher, ter filhos
Casar, afagar, perder-se
Com pessoa doutro sexo!
Uma nojeira repelente;
Dar-lhe, até, beijos na boca
em público! E declarar
Esta sua preferência
Que eu nem sei classificar!
Tenho uma vergonha louca
E desejo penitência
por tal desconformidade,
retardamento, machismo,
doença, fatalidade!
Já tentei tudo: - inscrevi-me
em saunas, aulas de dança
cursos de perfumaria
origami, greco romana,
ioga - para ter ousadia
boxe - p’ra ganhar confiança...
Mas quando chega o momento
De optar… sou… decadente,
Recorrente e insistente.
Opróbrio raro e demente,
Ver uma mulher seduz-me,
Faz-me vibrar, deslumbro.
Vê-la falar, elegante;
Vê-la deslizar, sensual
Como vestal, deslumbrante
Seu peito assim, saltitante
Sua graça embriagante
olho com gosto, caramba,
lamento ser tão ...normal.
Mas eu confesso que sinto
- neste corpo tão cansado
Que da vida já viu tanto...
Ainda sinto um desejo
Que m’ envergonha bastante
Por ser já tão deslocado
tão antigo, assim tão fora
do mais moderno critério.
Valia mais estar calado
Mas amigos, já agora
Assumo completamente:
- Tenho esse problema sério.
Nunca integrarei partidos
Onde não sou desejado.
No planeta das tais cores
não tenho dia aprazado,
nem bandeira, nem veado,
nem “orgulho” especial!
Sou mesmo do “outro lado”
dito “heterossexual”
e já me chateia um bocado
Ter que dizer, embaçado,
que me atrai o feminino
e sou apenas “normal”!
- e, portanto, avariado.
Mas… mesmo assim, - saudosista,
imensamente atrasado,
terrivelmente cercado,
conservador nesse ponto,
foleiro, desajustado...
perdoai-me tal pecado
- Não me sinto ...assim tão mal!
Cantor Pedro Barroso confessa que não consegue ser “gay” mas que se sente bem assim
POEMA
O cerco
Venho aqui pedir desculpa
de não ser evoluído,
apesar destas campanhas
na rádio, na televisão,
em toda a parte, insistindo
na urgência do assunto…
Eu não consigo gostar;
- não consigo mesmo, pronto.
Sei que pertence ser gay,
toda a gente deve ser.
Mas eu, lamentavelmente
não sou como toda a gente;
Como aconteceu... não sei,
peço desculpa por isso,
mas confesso: sou… diferente.
Sei que vos pode ofender
esta minha enfermidade,
pois um gajo que assim pensa
hoje em dia, não tem nexo;
deveria ser banido,
expulso da comunidade.
É uma vergonha indecente
Gostar de mulher, ter filhos
Casar, afagar, perder-se
Com pessoa doutro sexo!
Uma nojeira repelente;
Dar-lhe, até, beijos na boca
em público! E declarar
Esta sua preferência
Que eu nem sei classificar!
Tenho uma vergonha louca
E desejo penitência
por tal desconformidade,
retardamento, machismo,
doença, fatalidade!
Já tentei tudo: - inscrevi-me
em saunas, aulas de dança
cursos de perfumaria
origami, greco romana,
ioga - para ter ousadia
boxe - p’ra ganhar confiança...
Mas quando chega o momento
De optar… sou… decadente,
Recorrente e insistente.
Opróbrio raro e demente,
Ver uma mulher seduz-me,
Faz-me vibrar, deslumbro.
Vê-la falar, elegante;
Vê-la deslizar, sensual
Como vestal, deslumbrante
Seu peito assim, saltitante
Sua graça embriagante
olho com gosto, caramba,
lamento ser tão ...normal.
Mas eu confesso que sinto
- neste corpo tão cansado
Que da vida já viu tanto...
Ainda sinto um desejo
Que m’ envergonha bastante
Por ser já tão deslocado
tão antigo, assim tão fora
do mais moderno critério.
Valia mais estar calado
Mas amigos, já agora
Assumo completamente:
- Tenho esse problema sério.
Nunca integrarei partidos
Onde não sou desejado.
No planeta das tais cores
não tenho dia aprazado,
nem bandeira, nem veado,
nem “orgulho” especial!
Sou mesmo do “outro lado”
dito “heterossexual”
e já me chateia um bocado
Ter que dizer, embaçado,
que me atrai o feminino
e sou apenas “normal”!
- e, portanto, avariado.
Mas… mesmo assim, - saudosista,
imensamente atrasado,
terrivelmente cercado,
conservador nesse ponto,
foleiro, desajustado...
perdoai-me tal pecado
- Não me sinto ...assim tão mal!
O texto da Internet:
Cultura | 12-05-2016
Cantor
Pedro Barroso confessa que não consegue ser "gay" mas que se sente
bem assim
Afastado
dos palcos deu prova que a quimioterapia não lhe afectou o sentido de humor.
O
cantor, compositor e poeta, Pedro Barroso, que se encontra temporariamente
afastado dos palcos, devido a doença, deu prova em verso, esta Quinta-feira, 12
de Maio, na sua página do Facebook, que a quimioterapia não lhe afectou
minimamente o seu conhecido sentido de humor, nem a inspiração. Num poema
ligeiro, Pedro Barroso, provocou as mais diversas reacções ao declarar de forma
irónica que não consegue ser "gay" mas que, apesar disso, não se
sente mal.
Numa
breve conversa telefónica com O MIRANTE, o conhecido "trovador" diz
que tem imensos amigos com outras preferências sexuais e que nunca gostaria
menos de alguém por isso e lembrou, a propósito, que foi amigo do poeta José
Carlos Ary dos Santos e do actor e encenador escalabitano Mário Viegas,
homossexuais assumidos.
Os
versos irónicos que escreveu diz, são a propósito da pressão que leva a que
certos temas como o casamento gay ou como a adopção por casais do mesmo sexo
sejam prioritários em termos de agenda política, em relação a matérias ultra
preocupantes como o desemprego, a injustiça fiscal gritante, o terrorismo, o
colapso do sistema bancário. "Sou belenenses e não gosto que me pressionem
com a superioridade e o orgulho benfiquista, por exemplo. Sejamos todos felizes
dentro da nossa condenada condição humana. Mas não me chateiem; não me rodeiem;
não me obriguem; não me cerquem. Pim!".
E
ainda a propósito da "nossa condenada condição humana", sem se
alargar muito em explicações, disse que, como muitos milhares de pessoas luta
contra o cancro para tentar voltar a estar em palco com os seus músicos, junto
ao seu público.
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