Foi contra Passos Coelho e a sua política de
austeridade que sempre José Pacheco Pereira combateu nos tempos da Troika, sem
querer ver a tal conjuntura, resultante da muita dissipação de sucessivos
governos que foram encaminhando o país para o buraco negro donde Passos Coelho
se propôs tirar-nos, e para isso exigindo os sacrifícios impostos pela Troika,
mas que do cimo da sua sabedoria Pacheco Pereira sempre repudiou, em ataques e
verrinas sucessivos, indiferente à teoria de que os empréstimos são para se
pagar. Os tempos mudaram, Pacheco Pereira contribuiu para isso, se bem me
lembro, dividindo o país em esquerda e direita, em sugestão logo aproveitada
pelas artimanhas do PS e Companhia, indiferente a extorsões, como já o fora
relativamente ao ressarcimento das
dívidas, mas ultimamente manifestando-se com toda a gana contra a nova
ignorância, onde quererá enfiar também o homem Passos Coelho, a quem não admite
que lhe faça frente, a ele, Pacheco Pereira, detentor de uma grande biblioteca que
lhe forneceu uma intelectualidade poderosa e arrasadora, num país de impotência
e mansidão.
E da ascensão da nova ignorância, favorecida
pelas tecnologias comunicativas inibidoras de outros ideais mais formativos, no
que me parece que tem razão, o lúdico prevalecendo sobre o esforço mental, Pacheco
Pereira vira-se agora contra o jornalismo enveredando por sendas antidemocráticas,
que são as que não seguem os estimados e estimulantes caminhos da esquerda
contestatária - definidores dos verdadeiros ideais democráticos. E exemplifica
com o tratamento “vilipendioso” a Silva Peneda, que pretendeu chamar ao
bom-senso Passos Coelho com palmatoadas paternalistas, e que João Miguel
Tavares, que é jovem e lúcido, denunciou com a ironia e a arte da sua formação
sadia. Quando afirma, pois, que a direita avança, desfraldando as bandeiras do
seu não-jornalismo - pois só o é o ideológico dos Pachecos Pereiras da cultura
- esquece que Alberto Gonçalves, assanhado atacante disso que para Pacheco
Pereira consiste na verdadeira democracia, foi impedido de fornecer ao jornal
Notícias aqueles nacos de prosa saborosa e alegremente verrinosa que faziam o
nosso prazer dominical, e que eram prova de que as liberdades democráticas coexistiam por cá.
Espero que Pacheco Pereira, que se diz PSD, não
se sabe bem porquê, mas que é mentor de opinião, como tem provado em programas
vários televisivos, não tenha contribuído, com a sua soturnidade exigente de
ideais democráticos, (ele que é um autêntico aristocrata da intelectualidade
desprezadora dos seus semelhantes), para o despedimento do dito Alberto
Gonçalves, tão antidemocrático, talvez por ser tão inteligente a analisar.
Uma comunicação social cada
vez menos plural
José
Pacheco Pereira
Público,
21 de Janeiro de 2017
Tenho
para mim que há uma maneira muito fácil de identificar nos dias de hoje o
jornalismo do “não há alternativa”, o jornalismo do “ajustamento”, o jornalismo
de direita e da direita, que, em bom rigor, não é jornalismo, mas sim
propaganda e manipulação, e constitui um sistema de “pensamento único” que
empobrece o espaço público e o torna frágil. Esse critério pode ser
enunciado deste modo: trata os problemas da “geringonça” como sendo
estruturais e os problemas da oposição, em particular do PSD, como sendo
conjunturais. O problema do actual Governo não é Costa, mas a aliança
política maldita em que se alicerça; o problema da oposição pode ser
Passos Coelho e a sua rigidez, não aquilo que ele diz; o problema do actual
Governo é que, faça o que fizer, desde que não execute uma qualquer variante da
política do “ajustamento”, está condenado ao fracasso; o problema do PSD pode
ser uma crise de protagonistas, mas está sempre do lado da “inevitabilidade”,
dos juros ou dos mercados; o problema de Costa é que com as “reversões” violou
a austeridade sacrossanta; o problema de Passos Coelho é que convocou o Diabo
antes do tempo; um conduz uma política errada pela sua própria natureza; o
outro é inábil e talvez precise de ser substituído por uma variante do mesmo. Um
erra contra a natureza das coisas; outro erra na coreografia. Onde é que já se
leu ou viu isto na comunicação social? Por todo o lado.
O
contrário seria igualmente manipulatório e parcial, mas, mesmo que o fosse,
precisava de existir para falarmos dele. Ora o contrário não tem hoje
jornais, nem estações de rádio e televisão. E modelos como os blogues e páginas
de Facebook anónimas como os Truques da Imprensa Portuguesa ou a
"geringonça", na tradição da Câmara Corporativa, são uma péssima
resposta, muito habitual nos departamentos de “truques” do PS, porque miméticos
face à dominação da direita nos órgãos de comunicação social. Eu não quero
substituir uma imprensa de direita por outra do PS, ou pior ainda
governamental, mas que haja, bem ou mal, uma comunicação social menos
enfeudada ao poder do “pensamento único”, que não condicione pela agenda, pelo
tratamento de títulos e notícias, pela duplicidade política do que entende
“grave” ou venial e que, acima de tudo, actue num sentido único da vulgata que
passa nos nossos dias por ser a “realidade”.
O
problema do pluralismo na actual informação não está em substituir um pelo
outro – está em cada vez mais os órgãos de informação alinharem pelo
“pensamento único”, que nasceu no “jornalismo económico” nos anos da crise de
2008 em diante e se consolidou com força durante os anos da troika e de Passos
Coelho. Foi nessa altura que a direita portuguesa ganhou a batalha ideológica à
esquerda e com uma little help from my friends, bastante grande aliás,
está a consolidar e a expandir posições. Esses “amigos”, os conhecidos e os
desconhecidos, envolvem interesses económicos, investimentos de dúbia origem,
como acontece com os angolanos, lobbies políticos e ideológicos que se
organizaram mais agressivamente para manter o legado da intervenção da troika,
apontando como alvo da austeridade a classe média e os mais pobres,
desequilibrando as leis do trabalho a favor do patronato, e pretendendo
“limpar” o país das “oligarquias”, ou seja, dos sindicatos, dos intelectuais,
dos jornalistas incómodos, de quaisquer pessoas que se lhes oponham. Aliás,
a recente campanha miserável contra Silva Peneda, que ousou contestar a posição
do PSD, é um exemplo de um estilo que nasceu nestes anos, de pessoalizar os
ataques políticos, começando por referir sempre o nome das pessoas nos títulos
dos artigos sem discutir as ideias ou as políticas.
Do
mesmo modo que veria com muitas reservas se a "geringonça", ou
os Truques “passassem” com armas, bagagens e pessoas para a
comunicação social generalista, que se apresenta ao público como não sendo
engajada politicamente, mas apenas vinculada a uma ideia e a uma prática do
jornalismo no interesse público, também veria com muita preocupação que o Observador,
que é um projecto político, “passasse” para um jornal do mainstream como o
Diário de Noticias ou o PÚBLICO ou para um canal de televisão como a
SIC ou a TVI ou a CMTV. Até porque estes processos de “passagem” nunca
são inócuos – implicam colocar na ordem a redacção original, sanear os
recalcitrantes, normalmente com pretextos que não são mais do que pretextos,
porque, para serem eficazes, não podem revelar a sua verdadeira natureza. E
dobrar qualquer protesto ou resistência aproveitando-se da precariedade
profissional dos jornalistas e do legítimo e muito realista receio de perderem
o emprego. O que recentemente se passou no Sol e no i infelizmente
não motivou grandes protestos, até porque há demasiado medo nas redacções, mas,
na sua brutalidade e arrogância, é um bom exemplo da actual situação: ou
concordam com o que vos exijo, ou vão-se embora. E o que vos exijo é o que os
meus “patrões” querem que eu faça, num caminho crescente de escolha das
direcções pelo critério da obediência ou pela afinidade ideológica, e não pela
qualidade do trabalho jornalístico.
Como
os jornalistas estão divididos, como estão na defensiva há muito tempo, como
o turnover geracional se faz com a destruição da memória e do saber e
como se perdeu qualquer tradição reivindicativa com a quebra da independência
das redacções e dos jornalistas individualmente, como a promiscuidade com o
poder político e económico é grande e se faz não apenas pela política, mas
também pela mundividência cultural e pelas “ideias”, com a crise das mediações
assolada pela arrogância da nova ignorância, com a falsa ideia de que as
redes sociais são o “público”, e com a pauperização das classes médias, o
jornalismo de referência, ou seja, o jornalismo, atravessa uma crise maior. E
essa crise maior é, em toda a sua profundidade e extensão, uma crise da
democracia.
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