terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Não deixa de ser valioso



Serve o dito para se acreditar na tese de aposta no ensino, não importa que a mensagem de António Costa seja velha. Também me lembro da reforma Veiga Simão e o alargamento da escolaridade obrigatória, além do estabelecimento da universidade em Moçambique e certamente que em Angola. Lembro-me das aulas nocturnas, que abriram caminho à escolarização dos adultos, entre os quais muitos africanos que iam à escola depois dos seus trabalhos. Em 75, o empenhamento de alguns dos promotores do ensino cá, fez que abrissem algumas turmas na Escola secundária de S. João do Estoril, como ensino particular, em que cada ano abrangia o conjunto dos três do secundário (1º, 2º e 3º - actuais 7º , 8º e 9º), ou os dois do Complementar - (1º e 2º, actuais 10º e 11º). Concorri e fui aceite, tinha chegado de África, lembro-me de ter ficado reconhecida a quem me deu a possibilidade de trabalhar aqui, no terror de um retorno inseguro de África, embora, aparentemente, tivesse vindo “de férias”, a receber, durante seis meses, o vencimento de Moçambique. Lembro-me de que foi um ano glorioso, nas minhas turmas de Português e de Francês, em que não houve nenhuma reprovação nos respectivos exames de Português e Francês, glória de que nunca mais viria a obter, na massificação a que foi votado o ensino das crianças, bastante indisciplinadas, na liberdade concedida. Esses eram pessoas adultas, que precisavam desses exames para progredir nas carreiras, muitas das quais “Professores Primários” que necessitavam dos exames do Secundário para serem equiparados aos professores do “Ensino Secundário”, designações obsoletas, para mais que também desapareceu a de “liceu”, tanto é o nosso pendor de igualitarismo fraterno, receoso de ofender pruridos de distinções aviltantes, a única distinção social que hoje conta mesmo é a económica. Nesse reduto, sim, é que as discrepâncias não ofendem os pruridos de orgulho pessoal, o sacrossanto dinheiro favorecedor da plena realização pessoal, apelativa da consideração alheia, já que ainda estamos muito no primitivismo da doutrina igualitarista.
Também eu apostaria no ensino, um ensino favorecedor da igualdade que se pretende, um ensino que favorecesse igualmente a formação moral e cívica, mas os descalabros sociais estão cada vez mais na ordem do dia. O certo é que dantes os cursos universitários destinavam-se à prática de trabalhos condizentes - na Docência, no Direito, na Medicina, na Engenharia, etc, mas a verdade é que as vias do ensino universitário também se multiplicaram e oferecem hoje mais possibilidades de trabalho em variados sectores, facilitados pelos meios mediáticos.
Se tal não acontecer, contará sempre a formação pessoal, o que é um factor sempre positivo, quer a nível pessoal, quer como seu reflexo na sociedade. Quem dera que fôssemos um povo evoluído, como outros, que constroem racionalmente os seus destinos. O próprio trabalho na terra, pode ser valorizado inteligentemente, pelo estudo, no seu cultivo, ou na protecção das florestas ou da costa marítima.
Por isso, a mim não importa o défice de imaginação de António Costa - segundo expressão de João Miguel Tavares - nos votos de Natal do P. Ministro, tomando como prioridade o ensino. Este é fundamental, por muito caro que fique ao Estado que será sempre indemnizado através dos impostos.

A mensagem de Natal de António Costa
João Miguel Tavares
Público, 27 de Dezembro de 2016
António Costa foi a um jardim de infância gravar a sua mensagem de Natal para nos dizer que vai apostar no ensino, porque o “maior e verdadeiro défice” do país “é o défice do conhecimento”. Cenário novo, mensagem velha: eleger como principal prioridade do país o combate ao défice do conhecimento apenas revela um grande défice de imaginação. Essa é uma prioridade pelo menos desde Marcello Caetano, que em 1970 já falava na absoluta necessidade de levar a cabo a “grande, urgente e decisiva batalha da educação”.
Daí sairia a Reforma Veiga Simão, lançada em 1973 com a publicação da primeira lei de bases do sistema educativo, que alargou a escolaridade obrigatória até ao oitavo ano. De então para cá, o investimento na educação cresceu de forma ininterrupta até 2002. E que crescimento: o seu peso no orçamento quadruplicou em menos de 30 anos, de 1,3% do PIB em 1974 até 5,1% em 2002. Em valores absolutos, os números são ainda mais impressionantes. Um aluno custava anualmente ao Estado cerca de 115 euros em 1974 (fonte Pordata, valores actualizados), e em 2010 esse número situava-se já em 810 euros. Desceu para 625 euros desde então, devido à crise, à reorganização do mapa escolar e ao impacto demográfico no ensino, que conduziu a uma acentuada diminuição do número de professores.
Ainda assim, a paixão pela Educação é a maior constante da democracia portuguesa, tanto à direita como à esquerda. Experimentem situar esta frase no tempo: “Educar todos os portugueses promovendo uma efectiva igualdade de oportunidades, independentemente das condições sociais e económicas de cada um, é o objectivo desta batalha da educação.” Ela poderia ter sido proferida em 1976, em 1986, em 1996, em 2006 ou em 2016. Na verdade, é retirada do Diário das Sessões da Assembleia Nacional de 1972.
Embora a herança salazarista tenha sido trágica no campo da Educação, com quatro décadas a doutrinar criancinhas com a trilogia Deus, Pátria e Família e a promover um país pobre, rural e conformado com a sua própria mediocridade, o certo é que já se passaram outras quatro décadas desde então, e o país progrediu imenso em termos educativos. Ainda que seja necessário continuar a melhorar as escolas e as universidades, “o défice do conhecimento” dificilmente pode ser hoje considerado o “maior e verdadeiro défice do país”, a não ser para as gerações que têm mais de 50 anos.
O que o país precisa não é de mais “conhecimento”, mas sim de utilizar o conhecimento que tem, para não andarmos todos a louvar a “geração mais qualificada de sempre” ao mesmo tempo que produzimos a geração qualificada mais pobre de sempre. No Portugal dos descamisados doutorados, o verdadeiro défice está na classe empresarial e num tecido económico incapaz de absorver dezenas de milhares de trabalhadores qualificados, que rapidamente se tornam sobrequalificados por não terem forma de exercer as profissões para as quais se formaram. É isto que António Costa devia estar a combater. Só que esse combate não se faz com mais Estado, como se fez durante anos, porque já não há dinheiro para isso. Faz-se com mais iniciativa privada e mais sociedade civil – um caminho proibido no seio da coligação que nos governa, para quem um bom investidor é apenas o estádio larvar de um mau patrão. E como há défice de apoio para combater o novo défice, combate-se o velho como se fosse novo. Resolvem-se os verdadeiros problemas do país? Não resolvem. Mas compõem-se bonitas mensagens de Natal.



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