domingo, 1 de janeiro de 2017

Dia de ano bom, a festejar



Tal como fez outrora Narciso,
Que era um jovem bonito
E se foi apaixonar
Por si, sem ponta de siso,
Ao ver-se no espelho das águas
Que afinal não estão paradas
E como tal deturpam a imagem
A menos que sejam dum poço,
Este veado tão moço,
Que La Fontaine estiliza,
Como faria um pintor,
Também se espelhou nas águas
Duma fonte
E segundo aquilo  que viu
Achou bela a armação
Que lhe encimava a cabeça
Mas desdenhou dos seus pés
Tão frágeis por comparação,
Embora em aflitiva pressa
Lhe permitissem galgar
Os caminhos numa fuga,
Fugindo de alguma fera
Como se viu.
Parece que La Fontaine
Compara com o ser humano
Que todo se  revê
Nas partes que lhe agradam
Do seu corpo
E desdenha de outras partes
Que destoam no conjunto
Quando até por vezes são
O que lhe proporciona
Na vida o maior impacto
De  realização.
Contrariamente  à questão
Da armação no veado,
Prejudicial posto que bela,
No que toca à governação
Da nossa nação,
No seu genérico,
Não será a armação
Que se impõe em esplendor,
Para se valorizar,
Que essa fica bem oculta
E em boa ramificação
Nos escaninhos  do engano;
Mas o que se lhe impõe com paixão
Na via da ostentação
Em redor,
É a auto-avaliação
De nível superior,
A disfarçar.

O veado vendo-se na água
«No cristal de uma fonte
Um veado mirando-se outrora,
Louvava a beleza da armação
Que lhe encimava a cabeça
E não podia sem custo
Sofrer as suas pernas em fuso
Perdidas no fundo das águas.
«Que proporção tão sem jeito
Entre os meus pés e a cabeça!»
Dizia vendo com dor
A sua imagem no poço.
«Dos ramos mais altos
A minha fronte atinge a cimeira,
Mas os meus pés não me fazem jus
Com efeito.»
Enquanto falava, um galgo
O faz partir em disparada,
Para se proteger,
Fugindo para a floresta,
Embora os galhos da testa
Ornamento prejudicial,
O fizessem a todo o momento
Deter,
Prejudicando o andamento
Dos pés, dos quais dependeu
A sua vida assustada.
Desdisse-se então e maldisse
A sua vaidade e tolice
De achar belos os galhos
Em desfavor dos seus pés.

Valorizamos o Belo em desfavor do Útil
E muitas vezes o Belo nos sacrifica.
Este veado critica os pés que o tornam ágil,
Louva a armação que o prejudica.»

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