Palavras
sábias, as de Vasco Pulido Valente, que deviam ser sabiamente escutadas e
seguidas por PSD e Cia. De resto, Marcelo, nadador afoito e habituado a contorções,
a fugir das ciladas marítimas, tem certamente presente o caso do Odisseus, que,
sabedor, pelos oráculos de Circe, dos dois rochedos por que teria de passar, o
rochedo maior habitado, na sua gruta, por “Cila, ladrando de modo danado”,
“monstro terrível…“ que “tem no total doze pernas
delgadas / e seis pescoços muito longos e, sobre cada um, / uma horrível cabeça,
cada uma com três filas de dentes / grossos e cerrados, cheios da negra morte.
/ Até à cintura está escondida na gruta, / mas eleva as cabeças para fora do
terrível abismo / para aí se pôr à pesca, procurando perto do rochedo /
golfinhos, cães marinhos e criaturas ainda maiores, / das que aos milhares cria
no mar a marulhante Anfitrite. / De junto dela nunca nenhum marinheiro fugiu /
ileso na sua nau: pois cada uma das suas cabeças / arrebata um homem da nau de
proa escura. / Verás, Ulisses, que o outro rochedo é mais baixo: / ficam perto
um do outro; a distância é o voo de uma flecha. / Nele há uma grande figueira,
com frondosa folhagem. / Mas por baixo a divina Caríbdis suga a água escura. / Três vezes por dia a
vomita; três vezes a suga com barulho terrível. / Que lá não estejas quando
sugar a água! Pois ninguém te poderia salvar da desgraça, nem mesmo o deus que
abala a terra. / Antes te deves aproximar de perto do rochedo de Cila, /
navegando depressa, pois é preferível lamentares a morte / de seis companheiros
na nau do que a morte de todos»
Sim,
Ulisses lá passou, entre Cila e Caríbdis, depois de escapado ao flagelo de
Caríbdis, apontando para Cila, mas perdendo
neste último monstro seis companheiros, esperneando no ar e clamando por ele.
Marcelo assim vai passando, entre Cila e Caríbdis, como fez Ulisses no Canto
XII da “Odisseia”, segundo versão de Frederico Lourenço, que Marcelo tem bem
presente, e habituado que está ao espernear das gentes.
Diário de Vasco
Pulido Valent - in OBSERVADOR
Marcelo e
a Direita
5/3/17
… hopes expire of a low dishonest decade… W. H. Auden
Parece
que a Direita portuguesa não anda satisfeita com Marcelo, porque Marcelo dá uma
ajudinha permanente e até, de quando em quando, entusiástica ao governo de
Costa e à coligação: ontem, por exemplo, chegou a dizer que essa gerigonça
estava de pedra e cal. A Direita não gosta nada de ouvir e
preferia que o Presidente mostrasse à Esquerda um genérico desprazer e lhe
criasse o maior número possível de dificuldades. Ora isto é de uma
estupidez imensa. Não gostar de Marcelo, da pessoa e do político, não pode
prejudicar o entendimento da situação vigente, nem os limites que ele de facto
tem. Soares não se deu mal com Cavaco, nem Cavaco com Sócrates; e só se
decidiram por uma oposição pública quando Cavaco e Sócrates se começaram a
tornar impopulares.
É
bom compreender que os Presidentes que dissolveram a Assembleia da República
tinham atrás de si forças consideráveis e uma solução de governo. Soares
não queria uma aliança entre o PS e o PRD, que prolongaria a influência dos
militares no Estado e oferecia a Eanes a oportunidade de infiltrar o PS. Mas
sabia que o PSD de Cavaco iria ganhar as eleições, o que era uma alternativa
tolerável, embora, como se viu, difícil de engolir. Sampaio dissolveu um
parlamento com maioria de Direita, com toda a segurança de que o PS lhe
arranjava outra. E por aí fora. O Presidente nunca desafia o
parlamento sem a certeza de “fazer” outro sua à medida. A legitimidade do
Presidente e a legitimidade da Assembleia são equivalentes. O que é um erro,
entre muitos que se cometeram por medo e pressão do MFA. Pouco a pouco, os
partidos foram tirando os poderes ao Presidente. Infelizmente, a anomalia ficou
lá. E, por isso, para a Direita, criticar Marcelo é pueril e ocioso. Nem
Marcelo, nem ninguém de juízo se apoiaria na Direita que por aí intriga, se
guerreia ou dorme. Se quer que o Presidente mude, que se mude ela primeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário