terça-feira, 7 de março de 2017

Pedante



Um artigo de António Barreto recheado de frustrações, a prever o naufrágio, mas com uma parcialidade dogmática que lhe retira credibilidade, menino birrento a bater o pé pedindo atenção e acusando. Outros seus artigos, embora severos, não pareciam tão caprichosamente insultuosos, provindo de alguém que ponderara sobre a irracionalidade do ser humano e se assusta com o panorama de catástrofe que parece avizinhar-se, acumulando argumentos e os seus opostos, artigos, em suma, que pareciam revelar probidade assertiva e clareza de pensamento, pese embora o tom de mágoa como sua constante.
Mas este artigo é deliberadamente insultuoso, ao extremar posições maniqueístas, de direita e esquerda, reservando para aquela a categoria de má da fita, esta a impoluta, sem lhes definir o sentido, sem lembrar todos os que foram comendo do bolo que ele próprio também provou, como tantas outras vedetas do nosso palco da governação, sucessivamente manipulado ao sabor de ideologias, talvez, mas de interesses pessoais, sempre.
Realmente, assim, nunca se pode ter emenda, o facciosismo talvez à espreita de nova oportunidade nos meandros do nosso lamaçal.
Não gostei.

Titanic
António Barreto
DN, 4/3/17           Sem Emenda

É sempre impressionante ver a maneira como, mau grado os sinais e apesar dos avisos, povos, Estados ou pessoas podem caminhar para o precipício ou para o desastre. Fizeram-se guerras, destruíram-se vidas, perderam-se liberdades e caíram regimes democráticos. No entanto, muitas vezes, sabia-se, percebia-se antes... E havia quem tocasse música! E quem não parasse de se divertir! E quem perdesse tempo com questiúnculas... Talvez não estejamos em vésperas de grandes tragédias, mas caminhamos tranquilamente para o desastre.
As transferências para os offshores estão na origem do que será talvez o mais grave gesto suicida da direita portuguesa. A decisão deliberada de poupar os grandes capitais e de lhes permitir uma via de fuga e folga, um caminho expedito para o abrigo e o refúgio ao fisco, com conhecimento do governo, com identidade... Não se sabe ainda quanta malícia, quanto dolo e quanta intenção residem nas decisões, na falta delas, nas "falhas do sistema" e nas tentativas de ocultação. É mesmo possível que o crime seja menor do que se pensa e se reduza a esta espécie de naturalidade inventada pelo capitalismo financeiro e que consiste em julgar que é legal, impune e moralmente aceitável tudo quanto aos mercados diz respeito! A direita pensa que tudo lhe é devido. E permitido. Tão cedo, não terá a direita portuguesa o benefício de nova confiança e de algum crédito. Estas operações têm vindo a ser conduzidas com tanta perícia, por parte do governo e das esquerdas, e com tanta estupidez, por parte das direitas, que se apagou o papel desempenhado pelos socialistas nos anos da brasa dos governos de Sócrates relativamente ao grupo Espírito Santo, à PT, ao BCP ou à Caixa.
Esta espécie de suicídio da direita é de tal modo evidente que permite ao governo e aos seus aliados desencadear um ataque, há muito planeado, contra o Banco de Portugal e o Conselho das Finanças Públicas. Os governos não gostam de entidades independentes. Este não é pior do que os outros. Mas também não é melhor. É da mesma raça de invejosos e déspotas!
Não é só internamente que se evidencia esta jornada para o desastre, esta maneira de gastar o tempo e os recursos com futilidades. Na Europa e na União, como é sabido, esta caminhada desnorteada é chocante e perturbadora. Basta pensar no próximo acto pomposo: a fim de comemorar os seus 60 anos, a União reúne-se em Roma dentro de dias. Para a ocasião, o presidente Juncker anunciou a publicação de um Livro Branco. Analisado o seu conteúdo, o que se pode dizer mais apropriado é que o livro vai mesmo branco...
Nunca se viu resolver crises globais, de política e de destino, com cinco cenários! Parece uma associação de jovens gestores em preparação para um concurso internacional de PlayStation e estratégia! A três semanas da cimeira de Roma e a dias de aprovação de uma declaração formal de relançamento da União, a apresentação solene, no Parlamento, de uma colecção de cinco cenários é o mais impressionante atestado de impotência e de desorientação que se pode imaginar! Nos Estados Unidos e na Rússia, Trump e Putin preparam-se para apertar os europeus. Entendem ambos que podem encostar a União ao muro e traçar as suas fronteiras de interesses e as suas cartografias de intervenção sem ter em conta uma Europa em crise. Na Ásia, uma poderosa China saboreia os seus novos poderes e ignora seraficamente avisos que lhe são dirigidos em nome da liberdade e dos direitos humanos. Dentro da União, nunca se viveu um tempo como este: ninguém quer entrar, vários querem sair. Ninguém quer o que está, ninguém sabe o que quer. As eleições nacionais de seis países vão ditar o futuro dos 27. Na verdade, as eleições em dois ou três vão ditar o destino de todos. Mas, no deck, à beira da amurada, a orquestra continua a tocar a Ode à Alegria.

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