Um artigo de António Barreto
recheado de frustrações, a prever o naufrágio, mas com uma parcialidade dogmática
que lhe retira credibilidade, menino birrento a bater o pé pedindo atenção e acusando.
Outros seus artigos, embora severos, não pareciam tão caprichosamente
insultuosos, provindo de alguém que ponderara sobre a irracionalidade do ser
humano e se assusta com o panorama de catástrofe que parece avizinhar-se, acumulando
argumentos e os seus opostos, artigos, em suma, que pareciam revelar probidade
assertiva e clareza de pensamento, pese embora o tom de mágoa como sua constante.
Mas este artigo é
deliberadamente insultuoso, ao extremar posições maniqueístas, de direita e
esquerda, reservando para aquela a categoria de má da fita, esta a impoluta, sem
lhes definir o sentido, sem lembrar todos os que foram comendo do bolo que ele
próprio também provou, como tantas outras vedetas do nosso palco da governação,
sucessivamente manipulado ao sabor de ideologias, talvez, mas de interesses
pessoais, sempre.
Realmente, assim, nunca se
pode ter emenda, o facciosismo talvez à espreita de nova oportunidade nos
meandros do nosso lamaçal.
Não gostei.
Titanic
António
Barreto
DN,
4/3/17 Sem Emenda
É
sempre impressionante ver a maneira como, mau grado os sinais e apesar dos
avisos, povos, Estados ou pessoas podem caminhar para o precipício ou para o
desastre. Fizeram-se guerras, destruíram-se vidas, perderam-se liberdades e
caíram regimes democráticos. No entanto, muitas vezes, sabia-se, percebia-se
antes... E havia quem tocasse música! E quem não parasse de se divertir! E quem
perdesse tempo com questiúnculas... Talvez não estejamos em vésperas de grandes
tragédias, mas caminhamos tranquilamente para o desastre.
As
transferências para os offshores estão na origem do que será talvez o mais
grave gesto suicida da direita portuguesa. A decisão deliberada de poupar
os grandes capitais e de lhes permitir uma via de fuga e folga, um caminho
expedito para o abrigo e o refúgio ao fisco, com conhecimento do governo, com
identidade... Não se sabe ainda quanta malícia, quanto dolo e quanta
intenção residem nas decisões, na falta delas, nas "falhas do
sistema" e nas tentativas de ocultação. É mesmo possível que o crime
seja menor do que se pensa e se reduza a esta espécie de naturalidade inventada
pelo capitalismo financeiro e que consiste em julgar que é legal, impune e
moralmente aceitável tudo quanto aos mercados diz respeito! A direita pensa
que tudo lhe é devido. E permitido. Tão cedo, não terá a direita portuguesa o
benefício de nova confiança e de algum crédito. Estas operações têm vindo a ser
conduzidas com tanta perícia, por parte do governo e das esquerdas, e com tanta
estupidez, por parte das direitas, que se apagou o papel desempenhado pelos
socialistas nos anos da brasa dos governos de Sócrates relativamente ao grupo
Espírito Santo, à PT, ao BCP ou à Caixa.
Esta
espécie de suicídio da direita é de tal modo evidente que permite ao governo e
aos seus aliados desencadear um ataque, há muito planeado, contra o Banco de
Portugal e o Conselho das Finanças Públicas. Os governos não gostam de
entidades independentes. Este não é pior do que os outros. Mas também não é
melhor. É da mesma raça de invejosos e déspotas!
Não
é só internamente que se evidencia esta jornada para o desastre, esta
maneira de gastar o tempo e os recursos com futilidades. Na Europa e na
União, como é sabido, esta caminhada desnorteada é chocante e perturbadora.
Basta pensar no próximo acto pomposo: a fim de comemorar os seus 60 anos, a
União reúne-se em Roma dentro de dias. Para a ocasião, o presidente Juncker
anunciou a publicação de um Livro Branco. Analisado o seu conteúdo, o que se
pode dizer mais apropriado é que o livro vai mesmo branco...
Nunca
se viu resolver crises globais, de política e de destino, com cinco cenários!
Parece uma associação de jovens gestores em preparação para um concurso
internacional de PlayStation e estratégia! A três semanas da cimeira de Roma e
a dias de aprovação de uma declaração formal de relançamento da União, a
apresentação solene, no Parlamento, de uma colecção de cinco cenários é o
mais impressionante atestado de impotência e de desorientação que se pode
imaginar! Nos Estados Unidos e na Rússia, Trump e Putin preparam-se para
apertar os europeus. Entendem ambos que podem encostar a União ao muro e traçar
as suas fronteiras de interesses e as suas cartografias de intervenção sem ter
em conta uma Europa em crise. Na Ásia, uma poderosa China saboreia os
seus novos poderes e ignora seraficamente avisos que lhe são dirigidos em nome
da liberdade e dos direitos humanos. Dentro da União, nunca se viveu um tempo
como este: ninguém quer entrar, vários querem sair. Ninguém quer o que está,
ninguém sabe o que quer. As eleições nacionais de seis países vão ditar o
futuro dos 27. Na verdade, as eleições em dois ou três vão ditar o destino
de todos. Mas, no deck, à beira da amurada, a orquestra continua a tocar a Ode
à Alegria.
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