Como, felizmente, somos um povo atento… ao milagre,
que é o que nos convém - a busca do êxito com o esforço próprio sai-nos
fatigosamente do pêlo, (a menos que ele provenha de aliança bem sucedida com
esconsa bênção alheia, para locupletação mútua) - demos em acreditar piamente que
a bênção de Deus, de Maria ou de algum santo compincha está sempre suspensa
sobre as nossas cabeças habituadas ancestralmente a vergar. É o que fazemos de
momento, com a poderosa batuta de António Costa ao comando. Vergo eu, vergas
tu, vergamos nós, sempre a caminho de Viseu, onde está o nosso amor, para
gritarmos em uníssono o “Ai Jesus que lá vou eu” da satisfação recíproca
embora sempre receosa. É o que estamos a fazer hoje, batendo palmas de alegria
intimidada pelo êxito de que Miguel Sousa Tavares e muitos da mesma batuta falam,
tecendo loas a António Costa: “Ora zus truz truz, ora zás "traz traz"… ora
chega chega chega…”, enquanto vamos arredando cada vez mais lá
para trás, como a canção transmite…
Alberto Gonçalves não se conforma, mas que havemos de
fazer? Enquanto o “pai” vai e vem, folgam as nossas costas. Não foi assim
sempre? Até já nos tempos do Hitler, e do Mussolini e do Estaline? São
verdadeiros Césares, que governam com a convicção precisa. Até ver, sempre.
Quanto às costas do Costa, a ele apraz-lhe alombar, César
dos bons - para isso se fez há tempos ao poiso - e, ao que diz Sousa Tavares, o
consenso é universal sobre as costas (e, direi mesmo, a frente) do Costa: têm
mérito reconhecido universalmente. Por isso levam palmadinhas, digam o que
disserem as más línguas da inveja alheia, como esse ministro holandês, de sua graça, Dijsselbloem, que merecia ser expulso do
seu cargo de presidente do Eurogrupo, com as enormidades que produziu.
Quanto a nós, se acontecer como prenuncia Alberto
Gonçalves - “Com jeito, o Companheiro Costa vencerá. Salvo um
milagre a sério, o País não. “ - temos sempre o fado da Maria
da Cruz da nossa penúria, já estamos habituados, resignemo-nos:
Maria da Cruz
Amália Rodrigues
Chamava-se ela Maria,
de sobrenome da Cruz
E na aldeia onde viva, sorria, vivia, na paz de Jesus
E na aldeia onde viva, sorria, vivia, na paz de Jesus
Tinha um amor a quem
ela seu coração entregara
Junto ao altar da capela singela onde ela, paixão lhe jurara
Junto ao altar da capela singela onde ela, paixão lhe jurara
Mas certo dia veio a
saber-se na aldeia
Que o seu pastor lhe mentia
Que esse amor se extinguia como a luz duma candeia
Que o seu pastor lhe mentia
Que esse amor se extinguia como a luz duma candeia
Desiludida no seu amor,
a Maria deixou o lar, e perdida
Veio cair desfalecida num portal da Mouraria.
Veio cair desfalecida num portal da Mouraria.
Sofreu a dor da
amargura, perdeu o viço e a cor
E não voltou a ventura, a ternura, a doçura do amor do pastor.
E não voltou a ventura, a ternura, a doçura do amor do pastor.
E hoje por cruz, a
Maria que é da Cruz por seu fadário
Arrasta na Mouraria a cruz da agonia, a cruz do calvário.
Arrasta na Mouraria a cruz da agonia, a cruz do calvário.
Ainda canta uma canção
quase morta
Mas um estertor na garganta, oiço já, quando ela canta
Ao passar á minha porta.
Mas um estertor na garganta, oiço já, quando ela canta
Ao passar á minha porta.
Não tarda o dia em que
ela enfim, já vencida,
Terminará a agonia de arrastar na Mouraria
Toda a cruz da sua vida.
Terminará a agonia de arrastar na Mouraria
Toda a cruz da sua vida.
OBSERVADOR, 21-03-2017
Cá
dentro, a coisa marcha: há a campanha para tomar de assalto as instituições
independentes, leia-se descrentes e maldosas. E há a ocupação dos media com
simpáticos avençados
Na
SIC, Miguel Sousa Tavares informou os escassos incrédulos que Portugal
tem "o respeito da Europa", que "o chamado milagre
económico de 2016 está na moda" e "é comentado em todo o
lado" e que isso se notou na "recepção que o primeiro-ministro teve
em Berlim", numa "reunião europeia", onde "foi
praticamente a vedeta". Só uma correcção: a "reunião
europeia" consistiu num encontro de socialistas tão célebres quanto o dr.
Costa, ou a convenção de uma Aliança Progressista (?), naturalmente subordinada
ao tema da paz. Fora o pormenor, Miguel Sousa Tavares acertou em cheio.
Até
um cego é testemunha das proezas perpetradas pelo nosso extraordinário Governo,
com o inestimável auxílio de dois partidos leninistas. Pelo mundo
fora, cegos e visionários falam exclusivamente do portentoso défice de 2,1%.
Pergunto a um amigo americano pela tempestade na costa leste e ele apenas quer
conversar sobre o défice. Ligo a uma amiga italiana a propósito da Juventus e
ela grita "2,1%!" 27 vezes seguidas. Dizer que estamos na moda
é dizer pouco: a vedeta dr. Costa, mais o mago Centeno, mais as meninas
do BE e os meninos do PCP gozam hoje do tipo de glamour que banhava Cannes nos
idos de 1963. Ou Caracas em 2008. Se acrescentarmos a sabedoria e os bailaricos
do prof. Marcelo, nem Cannes – ou Caracas – se nos compara.
Aliás,
os números do turismo preparam-se para traduzir o êxtase internacional.
Ninguém pense que o aumento previsto da quantidade de visitantes em 2017 se
deve à gastronomia, ao clima ou à hospitalidade. Deve-se ao "milagre
económico", cuja popularidade ultrapassou o de Fátima em ano de
centenário. Cerca de 64% da população do Hemisfério Norte deseja ardentemente
conhecer os protagonistas do fenómeno. E o prof. Marcelo promete selfies com
todos. Não é à toa que se cozinha um novo aeroporto na Margem Sul e o TGV
regressou às prioridades nacionais. Quando foi a última ocasião em que
Portugal atraiu assim a atenção da Terra e arredores?
Foi
no PREC original, claro, período em que aterraram por aqui incontáveis
interessados no caminho para a felicidade que o Companheiro Vasco construía com
empenho. Infelizmente, à época as forças da reacção impediram que
tão lindo sonho se consumasse. A bem do PREC II, a decorrer, é preciso
aprender com os erros do passado e exterminar a tempo os inimigos do futuro. Cá
dentro, a coisa marcha: há a campanha para tomar de assalto as
instituições independentes, leia-se descrentes e maldosas. E há a ocupação dos
media com simpáticos avençados, propaganda risonha e bola. E a transformação da
AR num belíssimo monumento à prepotência. E a censura de reaccionários
teimosos. E a eterna urgência de esconder Pedro Passos Coelho, vulgo a sombra,
da euforia colectiva.
Lá
fora, aguarda-se que a sra. Le Pen nos liberte das grilhetas do euro e da
"Europa". E que a alucinação crescente torne irrelevantes as sempre
desagradáveis agências de rating. Com jeito, o Companheiro Costa vencerá. Salvo
um milagre a sério, o País não.
O BOM
Um homem de alegria fácil
Um homem de alegria fácil
Face
ao saque, perdão, prejuízo inédito de 1.900 milhões na CGD, o prof. Marcelo
considerou tratar--se de boas notícias, já que se previa um prejuízo de 3 mil
milhões. O optimismo irritante do PM consegue ficar aquém do optimismo
ultrajante do PR. E o melhor é que o estilo se adapta a tudo e
todos: atentados ("Só 80 mortos? Porreiro: esperava 150"); vexames da
bola ("Perdemos 4-0? Impecável: temi 6 ou 7") e eleições ("Calhou-nos
o prof. Marcelo? Catita: podia ter sido o Tino ou a Marisa"), embora
esta compensação seja muito discutível.
O MAU
Sampaio
também é fixe
A
propósito de Presidentes responsáveis, recorde-se o dr. Sampaio. No
segundo volume da sua biografia (quem reparou no primeiro?), de José
Pedro Castanheira (quem dedica anos de investigação a uma figura que deprime
em três minutos?), o homem explica com típica sofisticação: "Fartei-me
do Santana como primeiro-ministro, estava a deixar o País à deriva." Vai
daí, entregou o cargo ao "eng." Sócrates, que orientou o País com
reconhecida mestria. Os nossos estadistas não se distinguem pelas
cretinices que cometem, mas pelo orgulho que as mesmas lhes suscitam.
O VILÃO
Piada de brasileira
Enquanto
se proíbem conferências de "fascistas", as conferências de
"democratas" prosperam. Por estes dias, aquela dona Dilma
discorreu em Lisboa sobre "neoliberalismo". Quem já a ouviu tentar
alinhavar quatro palavras seguidas percebe que o tema também podia ter sido a
arte Nanban ou a teoria das cordas: a criatura, que um dia aludiu à
"mulher sapiens", é ignorante em todos os assuntos. Por isso, e por
alguma graça que houvesse em imitar os métodos da sua gente e boicotar-lhe o
sermão com cantorias, nada é tão engraçado quanto deixar a dona Dilma falar.
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