domingo, 26 de março de 2017

Entre a Mouraria e Viseu



Como, felizmente, somos um povo atento… ao milagre, que é o que nos convém - a busca do êxito com o esforço próprio sai-nos fatigosamente do pêlo, (a menos que ele provenha de aliança bem sucedida com esconsa bênção alheia, para locupletação mútua) - demos em acreditar piamente que a bênção de Deus, de Maria ou de algum santo compincha está sempre suspensa sobre as nossas cabeças habituadas ancestralmente a vergar. É o que fazemos de momento, com a poderosa batuta de António Costa ao comando. Vergo eu, vergas tu, vergamos nós, sempre a caminho de Viseu, onde está o nosso amor, para gritarmos em uníssono o “Ai Jesus que lá vou eu” da satisfação recíproca embora sempre receosa. É o que estamos a fazer hoje, batendo palmas de alegria intimidada pelo êxito de que Miguel Sousa Tavares e muitos da mesma batuta falam, tecendo loas a António Costa: “Ora zus truz truz, ora zás "traz traz"… ora chega chega chega…”, enquanto vamos arredando cada vez mais lá para trás, como a canção transmite…
Alberto Gonçalves não se conforma, mas que havemos de fazer? Enquanto o “pai” vai e vem, folgam as nossas costas. Não foi assim sempre? Até já nos tempos do Hitler, e do Mussolini e do Estaline? São verdadeiros Césares, que governam com a convicção precisa. Até ver, sempre.
Quanto às costas do Costa, a ele apraz-lhe alombar, César dos bons - para isso se fez há tempos ao poiso - e, ao que diz Sousa Tavares, o consenso é universal sobre as costas (e, direi mesmo, a frente) do Costa: têm mérito reconhecido universalmente. Por isso levam palmadinhas, digam o que disserem as más línguas da inveja alheia, como esse ministro holandês, de sua graça, Dijsselbloem, que merecia ser expulso do seu cargo de presidente do Eurogrupo, com as enormidades que produziu.
Quanto a nós, se acontecer como prenuncia Alberto Gonçalves - “Com jeito, o Companheiro Costa vencerá. Salvo um milagre a sério, o País não. “ - temos sempre o fado da Maria da Cruz da nossa penúria, já estamos habituados, resignemo-nos:

Maria da Cruz
Amália Rodrigues
Chamava-se ela Maria, de sobrenome da Cruz
E na aldeia onde viva, sorria, vivia, na paz de Jesus

Tinha um amor a quem ela seu coração entregara
Junto ao altar da capela singela onde ela, paixão lhe jurara

Mas certo dia veio a saber-se na aldeia
Que o seu pastor lhe mentia
Que esse amor se extinguia como a luz duma candeia

Desiludida no seu amor, a Maria deixou o lar, e perdida
Veio cair desfalecida num portal da Mouraria.

Sofreu a dor da amargura, perdeu o viço e a cor
E não voltou a ventura, a ternura, a doçura do amor do pastor.

E hoje por cruz, a Maria que é da Cruz por seu fadário
Arrasta na Mouraria a cruz da agonia, a cruz do calvário.

Ainda canta uma canção quase morta
Mas um estertor na garganta, oiço já, quando ela canta
Ao passar á minha porta.

Não tarda o dia em que ela enfim, já vencida,
Terminará a agonia de arrastar na Mouraria
Toda a cruz da sua vida.

OBSERVADOR, 21-03-2017
Cá dentro, a coisa marcha: há a campanha para tomar de assalto as instituições independentes, leia-se descrentes e maldosas. E há a ocupação dos media com simpáticos avençados

Na SIC, Miguel Sousa Tavares informou os escassos incrédulos que Portugal tem "o respeito da Europa", que "o chamado milagre económico de 2016 está na moda" e "é comentado em todo o lado" e que isso se notou na "recepção que o primeiro-ministro teve em Berlim", numa "reunião europeia", onde "foi praticamente a vedeta". Só uma correcção: a "reunião europeia" consistiu num encontro de socialistas tão célebres quanto o dr. Costa, ou a convenção de uma Aliança Progressista (?), naturalmente subordinada ao tema da paz. Fora o pormenor, Miguel Sousa Tavares acertou em cheio.
Até um cego é testemunha das proezas perpetradas pelo nosso extraordinário Governo, com o inestimável auxílio de dois partidos leninistas. Pelo mundo fora, cegos e visionários falam exclusivamente do portentoso défice de 2,1%. Pergunto a um amigo americano pela tempestade na costa leste e ele apenas quer conversar sobre o défice. Ligo a uma amiga italiana a propósito da Juventus e ela grita "2,1%!" 27 vezes seguidas. Dizer que estamos na moda é dizer pouco: a vedeta dr. Costa, mais o mago Centeno, mais as meninas do BE e os meninos do PCP gozam hoje do tipo de glamour que banhava Cannes nos idos de 1963. Ou Caracas em 2008. Se acrescentarmos a sabedoria e os bailaricos do prof. Marcelo, nem Cannes – ou Caracas – se nos compara.
Aliás, os números do turismo preparam-se para traduzir o êxtase internacional. Ninguém pense que o aumento previsto da quantidade de visitantes em 2017 se deve à gastronomia, ao clima ou à hospitalidade. Deve-se ao "milagre económico", cuja popularidade ultrapassou o de Fátima em ano de centenário. Cerca de 64% da população do Hemisfério Norte deseja ardentemente conhecer os protagonistas do fenómeno. E o prof. Marcelo promete selfies com todos. Não é à toa que se cozinha um novo aeroporto na Margem Sul e o TGV regressou às prioridades nacionais. Quando foi a última ocasião em que Portugal atraiu assim a atenção da Terra e arredores?
Foi no PREC original, claro, período em que aterraram por aqui incontáveis interessados no caminho para a felicidade que o Companheiro Vasco construía com empenho. Infelizmente, à época as forças da reacção impediram que tão lindo sonho se consumasse. A bem do PREC II, a decorrer, é preciso aprender com os erros do passado e exterminar a tempo os inimigos do futuro. Cá dentro, a coisa marcha: há a campanha para tomar de assalto as instituições independentes, leia-se descrentes e maldosas. E há a ocupação dos media com simpáticos avençados, propaganda risonha e bola. E a transformação da AR num belíssimo monumento à prepotência. E a censura de reaccionários teimosos. E a eterna urgência de esconder Pedro Passos Coelho, vulgo a sombra, da euforia colectiva.
Lá fora, aguarda-se que a sra. Le Pen nos liberte das grilhetas do euro e da "Europa". E que a alucinação crescente torne irrelevantes as sempre desagradáveis agências de rating. Com jeito, o Companheiro Costa vencerá. Salvo um milagre a sério, o País não. 

O BOM
Um homem de alegria fácil
Face ao saque, perdão, prejuízo inédito de 1.900 milhões na CGD, o prof. Marcelo considerou tratar--se de boas notícias, já que se previa um prejuízo de 3 mil milhões. O optimismo irritante do PM consegue ficar aquém do optimismo ultrajante do PR. E o melhor é que o estilo se adapta a tudo e todos: atentados ("Só 80 mortos? Porreiro: esperava 150"); vexames da bola ("Perdemos 4-0? Impecável: temi 6 ou 7") e eleições ("Calhou-nos o prof. Marcelo? Catita: podia ter sido o Tino ou a Marisa"), embora esta compensação seja muito discutível.
O MAU
Sampaio também é fixe
A propósito de Presidentes responsáveis, recorde-se o dr. Sampaio. No segundo volume da sua biografia (quem reparou no primeiro?), de José Pedro Castanheira (quem dedica anos de investigação a uma figura que deprime em três minutos?), o homem explica com típica sofisticação: "Fartei-me do Santana como primeiro-ministro, estava a deixar o País à deriva." Vai daí, entregou o cargo ao "eng." Sócrates, que orientou o País com reconhecida mestria. Os nossos estadistas não se distinguem pelas cretinices que cometem, mas pelo orgulho que as mesmas lhes suscitam.
O VILÃO Piada de brasileira
Enquanto se proíbem conferências de "fascistas", as conferências de "democratas" prosperam. Por estes dias, aquela dona Dilma discorreu em Lisboa sobre "neoliberalismo". Quem já a ouviu tentar alinhavar quatro palavras seguidas percebe que o tema também podia ter sido a arte Nanban ou a teoria das cordas: a criatura, que um dia aludiu à "mulher sapiens", é ignorante em todos os assuntos. Por isso, e por alguma graça que houvesse em imitar os métodos da sua gente e boicotar-lhe o sermão com cantorias, nada é tão engraçado quanto deixar a dona Dilma falar.

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